
A reconstrução climática do passado é um campo de investigação essencial para compreendermos os padrões climáticos atuais e suas tendências futuras, mas é uma pesquisa ingrata. Como saber o que realmente aconteceu? Anéis de troncos de árvores, vestígios sedimentares e toda sorte de registros que a Natureza está sendo bem sacana em nos esconder. A história climática, um campo interdisciplinar que mescla geografia, meteorologia e historiografia, permite-nos decifrar os impactos do clima sobre as sociedades ao longo dos séculos.
Tomemos como exemplo a Transilvânia (sim, aquela), que atualmente parte da Romênia, mas no século XVI pertencia ao Reino da Hungria. Aquela região era um território estratégico marcado por fenômenos climáticos extremos, emergindo como um estudo de caso revelador sobre as interações entre condições climáticas e transformações sociais. E como sabemos disso? Através dos meus espiões que acham que eu não tenho o que fazer e me mandam notícias de coisas escritas em Húngaro para ficarem rindo da minha cara quando eu tento aprender um pouco desta coisa pavorosa.
O dr. Ovidiu Răzvan Gaceu é pesquisador do Departamento de Geografia, Turismo e Planejamento Territorial, Faculdade de Geografia, Turismo e Esporte, Universidade de Oradea, que fica em Oradea, na Romênia. Ele estuda o período conhecido como Pequena Era do Gelo, um intervalo de resfriamento global que começou por volta do ano 1300 e perdurou até cerca de 1850. Durante essa época, as temperaturas médias globais diminuíram significativamente, afetando a produção agrícola, os padrões de precipitação e a ocorrência de eventos climáticos extremos.
A Pequena Era do Gelo intensificou os desafios enfrentados pelas populações europeias, levando a crises alimentares e impactos socioeconômicos prolongados. No entanto, na Transilvânia, o clima quente foi registrado com muito mais frequência do que o frio durante o século XVI. Pesquisadores modernos dizem que isso implica que a Pequena Era do Gelo poderia ter se manifestado mais tarde nesta parte da Europa. Tá, ok. Mas como eles sabem?
Livros.
Para a análise do clima da referida época, foram examinados diversos documentos medievais, incluindo crônicas e relatos administrativos. Entre eles, destacam-se as “Crônicas de Sibiu”, que detalham as pragas e inundações ocorridas na região, e os registros do “Codex de Brașov”, que fornecem informações sobre as oscilações climáticas e seus impactos na agricultura. Também foram considerados os “Anais de Viena”, que mencionam a correlação entre eventos climáticos extremos e surtos epidêmicos, bem como os “Registros Paroquiais de Colosvarot” (esta cidade hoje se chama Cluj-Napoca e pertence à Romênia, mas era território húngaro no século XVI), que descrevem anéis de fome associados a períodos prolongados de estiagem.
Os registros indicam que a primeira metade do século XVI foi dominada por secas intensas e verões excepcionalmente quentes, enquanto a segunda metade apresentou um aumento expressivo de chuvas e enchentes. Os anos entre 1527 e 1544 foram particularmente críticos devido à falta de chuvas, resultando em colheitas fracassadas e fome generalizada, conforme relatado nas “Crônicas de Sibiu”. Em contraste, a década de 1590 foi notável pelo excesso de precipitações, fato evidenciado em escritos como os “Registros do Mosteiro de Alba Iulia”, que descrevem inundações devastadoras e surtos de peste bubônica.
A análise desses documentos, corroborada por informações obtidas em anéis de árvores e registros de sedimentos, confirma que a Transilvânia experimentou uma variação climática distinta da de outras regiões da Europa Ocidental, onde os períodos frios foram mais acentuados. Esta abordagem integrada permite uma visão abrangente dos impactos climáticos sobre as populações do período.
Os efeitos sociais desses eventos climáticos foram profundos. A fome generalizada enfraqueceu as comunidades rurais, tornando-as vulneráveis a epidemias. A “Crônica de Bistrița” menciona, por exemplo, o êxodo de camponeses em busca de condições melhores, alterando a dinâmica social e econômica da região. Também foram registradas ondas de migração em direção ao sul do Danúbio, devido à degradação das condições climáticas e agrícolas.
Através da análise de registros medievais, somos capazes de compreender como a variabilidade climática influencia a resiliência das sociedades humanas, que a Natureza está fazendo de tudo para mandar pra vala evolutiva, mas o ser humano é teimoso.
A pesquisa foi publicada no periódico Frontiers in Climate, e está 0800 disponível pra você.

Um comentário em “Os registros muito antigos do clima zuado do passado”