Eu não sei qual o problema das universidades, em que a equipe de escrever os press-releases não conversam com os pesquisadores sobre o que eles trabalham, e que irá ser matéria da página da própria universidade. Por exemplo, a Universidade de Anglia Ruskin apareceu com uma matéria dizendo que há uma ligação entre autismo e indivíduos transgêneros e não-binários.
A referida pesquisa teria exposto que indivíduos transexuais e não-binários são significativamente mais propensos a ter autismo ou exibir traços autistas do que a população em geral. Isso faz sentido?
Resposta: não, claro que não. Motivo: Matemática.
O dr. Steven Stagg é professor-conferencista do Departamento de Psicologia e Ciências do Esporte da Faculdade de Ciências e Engenharia da Universidade Anglia Ruskin.
De acordo com o press-release, constatou-se que 14% do grupo transgênero e não-binário tinham diagnóstico de autismo, enquanto outros 28% desse grupo alcançaram o ponto de corte para um diagnóstico de autismo, sugerindo um número elevado de indivíduos potencialmente não diagnosticados. Em contrapartida (e isso não é dito no press-release) 86% do grupo transgênero e não-binário não tinham diagnóstico de autismo.
A pesquisa realizada com 177 pessoas diagnosticou autismo em 4% para o grupo cisgênero (você sabe, quem não é trans e não soma mais de 90% da população). Ninguém tocou no assunto dos racêmicos, mas só químicos fariam este tipo de exposição, já que não é o tipo de piadinha que todo mundo entenda.
O trabalho foi publicado no European Pychiatric – com fator de impacto de 3.941 (The Lancet, um periódico sobre medicina, tem fator de impacto acima de 59 mil). Fator de impacto conta? Conta. Quanto maior o fator de impacto, maior a seriedade, com maior número de citações. Vamos dar uma olhada.
O paper diz que indivíduos com transtorno do espectro autista foram super-representados nos grupos trans e não-binário. Esse “super-representado, reitera-se, foi 14% num transtorno que envolve mais de cem doenças diferentes que estão agregadas dentro do mesmo espectro. Autismo é como câncer. Não existe “O” autismo, da mesma maneira que não existe “O” câncer. Existem diversas graduações, tipos e manifestações de doenças que são difíceis de serem diagnosticadas como pertencentes ao espectro autista.
Ainda de acordo com a pesquisa, as principais variáveis ??que diferenciaram os grupos transgênero e não-binário do grupo cisgênero foram sistematização e empatia. Níveis de traços autistas foram maiores em indivíduos atribuídos ao nascimento do que aqueles atribuídos ao sexo masculino no nascimento.
Bem, o que temos? Efetivamente nada que se possa traçar uma “ligação” entre autismo e transgeneria (dane-se se a palavra não existe. Se Guimarães Rosa podia, eu também posso). Matematicamente, era de se supor que indivíduos cis fossem mais propensos, mas isso não significa muito quando mais de 50 milhões de americanos sofrem de vários tipos de alergia, mediante uma população de 327,2 milhões de pessoas (ou 15% da população). No caso de brasileiros, 30% da população (cerca de 209 milhões) sofre de algum caso de alergia. Se fôssemos por ver apenas números absolutos, americanos deveriam apresentar maiores incidências de alergia, certo?
Homens apresentam maiores casos de autismo que mulheres. Sendo mulheres maioria, elas deveriam ter mais casos, certo? Sim, o autismo parece ser mais presente em indivíduos com disforia de gênero (o cérebro buga e alguém que nasceu com corpo de homem não se sente como homem, mas acha que é uma mulher. Você aí que está lendo sabe qual é o seu gênero, mas não vai me saber dizer como sabe). O que a pesquisa me pareceu ter problemas é que o método empregado foi por meio de uma pesquisa composta pelo Quociente do Espectro do Autismo (AQ), o Quociente de Empatia (EQ), o Quociente de Sistemática (SQ) e a Tarefa de Leitura da Mente nos Olhos (RME).
Comparações foram feitas entre os grupos cisgênero, transgênero e não-binário. O problema que diagnóstico de autismo é demorado. Estamos falando de profissionais sérios, certo? Nada desse pessoal que só olha pra você e já tasca que você tem depressão e tem até app dizendo que você tem depressão só pelo som da sua voz.
É temerário ter esta visão, ainda mais que a larga maioria dos transgêneros não são autistas. Dizer que “há ligação entre autismo e transgeneria” implica em causalidade, o que fatalmente não é o caso, não precisando nem de maiores exames já que 86 fucking porcento não são, ora bolas.
Já se sabe muito sobre o autismo, mas não o suficiente para conhecer todos os detalhes desse espectro. A verdade é que não se sabe quase nada, e qualquer um que diga o contrário peca pelo motivo que eu citei acima: não existe “O” autismo.
Mas divirta-se lendo a pesquisa. Para alguma coisa ela deve servir, mas cuidado com as conclusões precipitadas!
É uma lástima que essas pesquisas estejam sendo usadas pela militância autista para fazer um combo de inclusão, não que seja errado, mas acho que essas pesquisas só seriam válidas se o pesquisador tivesse em mãos o laudo de autismo e o de disforia de gênero do indivíduo X.
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