Como fazer uma Feira de Ciências

É modinha muitos colégios fazerem Feira de Ciências. Modinha? Sim, apenas modinha. A verdade é que não se aprende nada de uma maneira geral. Isso está se generalizando, por sinal. Com o advento do YouTube e iniciativas como o Manual do Mundo, agora todo mundo acha que sabe fazer feira de Ciências. Inclusive, alguns professores também têm esta concepção. Direção de colégio só faz para ajudar a chamar a atenção de pais, num evento mais de marketing do que efetivamente aprendizado.

Bem, não se preocupe, pessoal. Uma hora o Caderno dos Professores ia voltar. Vamos aprender como fazer uma Feira de Ciências de verdade. E garanto que muitos de vocês não irão gostar do que irei falar. Ema! Ema! Ema!

MODELO ATUAL

O que eu tenho visto de Feira de Ciências é algo que não passa de curiosidades ou nem mesmo isso. Apenas alguma gambiarra empolada. Vejo professores não muito interessados em trabalhar, daí passam pros alunos fazerem uma feira de ciências, sem determinar o que é pra ser feito.

Alunos com orientação já fazem bobagens; e sem orientação é muito pior. Ter-se-á curso a Força Maior da segunda lei mais adorada no Brasil: A Lei do Menor Esforço. Eles catarão algum treco no YouTube. Farão o que tem ali (se conseguirem. Muitos projetos almejados não são conseguidos e daqui a pouco explicarei o motivo) e apresentam. Conteúdo? “olha só, fiz um carregador de celular”. Bem, a única resposta para isso é fazer outra pergunta “E daí?”

Você pegar um vídeo no YouTube e decidir “olha que maneiro, farei algo assim” não é errado. O errado é você dizer “Olha que maneiro”, fazer um igual e ficar por isso mesmo. Eu também gosto dos vídeos do Manual do Mundo, mas EM NENHUM MOMENTO aquilo é uma Feira de Ciências. Uma Feira de Ciências é o que ele não mostra, mas ainda é cedo para falar sobre isso.

O imediatismo faz com que se queira tudo na mão, tudo instantaneamente. Viu o vídeo, fez igual, apresentou, quero a minha nota. Aí vem a sucessão de erros, como ver algum videozinho viral, dessas idiotices feitas para ganhar zilhões de visualizações, achar que aquilo ser uma boa ideia e não fazer os testes ou, como eu mesmo observei já, tentar fazer isso aqui.

Você já percebeu que tem coisa errada. O erro está na geração celular que tem uns probleminhas como, por exemplo, NÃO LER A DESCRIÇÃO:

Magic – Turn on lamp with potato – Features a modified led lamp that can be used in various magic tricks.

Here it is presented as if it were extracting electricity from a potato.

This is just a joke.

https://www.youtube.com/watch?v=sJeTjJ3eqPM

Sim, isso mesmo. Ele mesmo diz que é uma brincadeira e coloca o link para a confecção da lâmpada “mágica”, mas a geração com TDAH não tem tempo para LER. Ler é coisa do passado. O lance é tutorial no YouTube.

Isso já começou errado que o aluno quer fazer o experimento e não pode ver logo de cara que aquilo não funciona, pois, uma lâmpada daquelas acenderia com 110V. Numa batata? O miserável não consegue entender que se ele lambesse a batata morreria eletrocutado. Então, o conceito [e inexistente e a feira de ciências é uma aberração, já que não houve aprendizado de Ciências. Qual o objetivo de fazer aquilo? Ganhar nota, apenas.

Claro, a ideia de fazer um trabalho para ganhar uma boa nota não é algo que eu critique. O que eu critico é a preguiça de fazer um bom trabalho e a preguiça de professores, que acabam aceitando qualquer coisa. Seja para não se indispor com aluno, pai, direção ou porque ele mesmo não sabe do que se trata uma feira de ciências, sendo um profissional merda que deveria ser demitido e nunca mais passar perto de uma sala de aula.

(eu falei que vocês não iam gostar)

YOUTUBE: ESSE CÂNCER

O YouTube é ótimo, mas já vimos que mentes preguiçosas não podem chegar perto de certas coisas. Além disso, temos o problema da falta de compreensão de coisas básicas como saber o que é um vídeo na Internet e o que é uma apresentação.

Eu sei que será um lampejo do óbvio, mas é preciso reforçar que um vídeo no YouTube é apenas um vídeo no YouTube (ou Daily Motion ou Vimeo ou o que quer que seja). Você viu um vídeo por 5 minutos. Acabou? Coloca pra rodar de novo, e assim vai. Sua apresentação durará, digamos, duas horas. Se você vai fazer um experimento, terá que repeti-lo várias e várias vezes. Os alunos adoram aquela “pasta de dentes de elefante”. Gasta-se muito peróxido de hidrogênio e emporcalha tudo. Os alunos têm certa dificuldade de entender que gastarão muito reagente e terão que limpar tudo a cada experimento, tendo cuidado porque H2O2 e oxidante. É um experimento legal para ver em vídeo ou fazer em casa uma vez só, ou para fazer num show, para depois fazer OUTROS experimentos. Não numa apresentação que terá que ser refeita muitas vezes.

Canais como o Manual do Mundo, ABC do Saber, King of Random etc não mostram os bastidores. Desde a concepção do vídeo, até a escolha e compra de material, preparo do experimento, ensaiar a apresentação e fazer tantas vezes até dar certo, com vários takes indo pro lixo, porque o experimento não deu certo. Quando se vai fazer uma apresentação, é preciso ter certeza que TODAS as vezes vai dar certo.

Além disso temos que alguns experimentos fedem. No vídeo você não sabe, mas alguns fedem muito. Se fizer num ambiente fechado, ferrou! No vídeo? Tudo lindo e maravilhoso. Vídeo é vídeo. Ao vivo é sempre mais problemático.

OK, ANDRÉ, SALVE-NOS!

Tudo começa com o projeto. O professor pode determinar um tema ou deixar os alunos escolherem os seus (normalmente, é prenúncio de desastre, mas de vez em quando é bom tentar). Como estamos falando de Feira de Ciências, vamos passear sobre o que é Ciência.

1) Apresentação do projeto – O aluno terá que dizer qual é o seu projeto (por escrito, claro). Ele terá que fazer um briefing sobre o que irá apresentar e o que ele pretende mostrar

2) Pesquisa e execução do projeto – O aluno terá que apresentar um trabalho completo sobre o que o seu projeto significa e quais os fundamentos teóricos. Obviamente, o projeto dele terá que ser só dele. Apresentar um experimentinho que viu não é um projeto dele, mas dos outros. Pode usar um experimento já idealizado? Sim, pode. Por exemplo, sobre rios voadores que eu detalhei aqui. Daí vem a importância deles, os fatores climáticos e como eles afetam a nossa vida e de todo um ecossistema, apresentando os fundamentos físicos explicando o porquê de acontecer aquilo e os fundamentos ecológicos do que acontecerá. Não existe “é assim porque é assim”.

3) Construção do experimento e/ou maquete – Totalmente trabalho do aluno. Professor pode orientar e até dar alguma ajuda. Mas a compra de material e montagem terá que ser responsabilidade do aluno. Senão, vão querer montar experimentos de eletrônica sofisticados, ficando às expensas do colégio toda a compra do material, sendo que é parte do trabalho sair para obtê-lo e, no caso de problemas (seja por causa de estoque ou preço), os alunos devem ter jogo de cintura para resolver o problema ou mesmo substituir o material a ser utilizado podendo até mesmo cancelar a feitura, com todos os passos sendo explicados ao professor.

Observação: trabalho escolar não é a mesma coisa que pirotecnia. A maquete pode ser linda e maravilhosa e não ter nada a ver com o proposto, e uma mais simples, feita de garrafa PET, pode ter todos os elementos necessários. Tudo depende do capricho com que foi feito e do conteúdo apresentado. Se você der nota apenas pela pirotecnia, você é um péssimo professor. Se mate!

3) Apresentação na Feira – TUDO é avaliado. Como o projeto foi feito, como os alunos apresentaram para você, professor, e como eles estão apresentando o projeto. Se tem experimento, a forma como é abordado e a execução. Ordem e método. Se é um grupo, todo o grupo terá que saber tudo sobre o projeto, mesmo que tenha havido divisão de tarefas. A principal pergunta no caso dos experimentos não é apenas o “como funciona?”, mas “por que funciona?”.

Por exemplo. Suponha que o projeto dos seus alunos seja sobre submarinos. Eles pesquisarão a história, os primeiros esboços, as tecnologias envolvidas etc. demonstrarão por que os submarinos têm o formato que têm e podem fazer o experimento do submarino na garrafa PET. Para tanto terá que explicar sobre pressão, força, propriedades dos gases e líquidos. Cartazes, fotos e imagens são muito bem-vindos, claro.

Podem apresentar algo genérico sobre “Corpo Humano”. Maquetes são legais, mas terão que ser muito bem-feitas e não aparrar dois funis e dizer que são rins. Daí em diante vai depender da orientação do professor. O que você quer que seus alunos falem? O que você espera que eles aprendam? Por que é isso que é uma feira de ciências: os alunos aprenderem mais, podendo ser dentro do conteúdo programático ou não. Estar dentro do programa é legal porque poupa seu tempo e você poderá ensinar o conteúdo dando trabalho para eles pesquisarem, já que efetivamente teriam que usar algum outro instrumento além de provas e testes. Sim, é um trabalho e é para dar trabalho. Se não for para ser assim, dê logo o ponto e estamos conversados. Todo mundo vai adorar você: alunos, pais, coordenadores e diretor. Embora sempre tem algum pai pronto a reclamar de qualquer coisa.

AVALIAÇÃO

Eu falei que tudo tem que ser avaliado.

1) Apresentação do projeto: Simples e direto é o melhor. Bom conteúdo, comprovando pesquisa e estudo. Capacidade de comunicação também deve ser medido e dane-se se você não é professor de Português. Todo mundo tem a obrigação de falar corretamente e quanto mais avançado nos segmentos, mais exigido deve ser. Diga NÃO aos 92%!

2) Criatividade: Eu costumo dizer que com um copo d’água eu dou aula. Tudo depende de como você faz. O que você quer abordar. Algo da moda é interessante? Sim, claro. Mas e que tal pegarmos temas que não são sempre mencionados? Além disso, depende de como você vai apresentar, mesmo aqueles temas já batidos.

3) Apuro e asseio: Se a maquete/experimento estão bem construídos, mesmo que seja com tudo de papel toalha e folha sulfite reaproveitada. O importante é representar o que se quer, mas não se pode aceitar qualquer coisa feita de qualquer jeito. Asseio é fundamental, mesmo com materiais simples.

4) Conteúdo: Os alunos terão que dominar todos os conceitos. Não se pode ter pena de perguntar. E de preferência avisar que que, professor, fará pergunta na frente dos visitantes. Os alunos não podem apenas dominar o conteúdo ao falar com você, mas para todo mundo.

5) Apresentação e fala ao público: Falar com o público é uma bosta e demora um pouco para desenvolver essa capacidade. Ainda assim faz parte de nosso crescimento nos inter-relacionarmos. O aluno não precisa falar como um vendedor de carros, mas deve ser claro e preciso nas informações. O grupo deve agir em conjunto. Se um começa a gaguejar por nervosismo, outro deve assumir. Estamos em grupos e grupos se apoiam. Isso merece ser quesito para uma avaliação. Esquecer e gaguejar é normal. Não seja absurdamente rígido nesse ponto. Não seja um cuzão. Se o grupo fizer revezamento, melhor. Ficar 4 horas falando a mesma coisa já é chato para nós, quanto mais para eles. Peça para eles se organizarem nesse ponto.

Estes são os pontos mais básicos. Feiras de Ciência envolvem muito mais coisas, mas aí vai depender dos seus alunos e de você mesmo. Vídeo de YouTube não é feira de ciências, não é e nunca vai ser. Lamento, é a verdade. Esse negócio de “ain, queria que você fosse meu professor” é lindo. Quero muito mesmo ver dono de canal ter que passar por planejamento, elaboração de aula, compra de material, construção e elaboração da atividade, recolhimento, ensino e correção, para uma sala com 40 alunos, tendo que pegar umas 6 turmas por dia, tendo que sair de uma sala e já entrar em outra, ainda fazer chamada e elaborar e corrigir provas.

Um aluno que diz “quero que ________ fosse meu professor”, na verdade, diz “eu não quero aprender porra nenhuma. Só quero ficar em casa vendo youtube, sem aprender nada.”

Tenha isso em mente ao passar a sua Feira de Ciências. Num instantinho o aluno vai detestar quando você passar as normas. Mas não é por causa disso que você deixará de fazer. Se dependesse deles, você nem ia trabalhar de qualquer forma.

Agora, mãos à obra e monte a sua feira.

2 comentários em “Como fazer uma Feira de Ciências

  1. Frequentei colégios particulares e com algum renome nos anos 80 em São Paulo (capital), e em todas as feiras de ciências que fiz na época o roteiro era o que foi abordado aqui sobre o que não fazer. Exceto pelo Youtube que não havia na época.

    Fico imaginando como era e como é hoje nas escolas públicas.
    Belo texto!

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  2. Infelizmente nunca tive uma Feira de Ciências no colégio. O máximo que aconteceu pra mim foi uma Feira de Desenvolvimento Sustentável em que só se decorava um textão e recitava-o aos pais. Nada mais que isso.

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