Hoje, estamos acostumados com os programas chamados “reality shows”, que efetivamente não tem realidade alguma. No Discovery Home & Health (o qual eu chamo de Discovery Casa Cláudia) traz diferentes tipos deles. É confeitaria mostrando como atende os pedidos, é um casal retardado disputando se ajuda uma família comprando uma casa nova ou reformando a antiga, é aqueles Master Chef que ninguém leva para dentro da quadra do Salgueiro para fazer caldo de mocotó ou feijoada pro pessoal etc.
Mas nos anos 90 isso não era muito comum. Até a BBC inventar de brincar de investigação paranormal e isso acabar em morte.
Tudo começou em 1992. O escritor de terror Stephen Volk pensou num programa de terror, que originalmente era para ser uma dramatização de seis partes. A então produtora Ruth Baumgarten pediu para dar uma enxugada nisso, transformando numa história de fantasmas com 90 minutos de duração. Volk, então, teve uma ideia. Ele chegou para Ruth e perguntou por que não fazer um programa como se fosse uma investigação real, uma história misteriosa de uma família aterrorizada, fingindo que se tratava de uma transmissão ao vivo de uma verdadeira casa assombrada?
Ghostwatch foi fortemente promovido pela BBC como sendo uma investigação supostamente “viva” sobre a atividade paranormal registrada em uma casa em Northolt, no noroeste de Londres. Qual seria a melhor data para ele ir ao ar? CLARO, no Halloween, Dia das Bruxas, quando as portas do Outro Mundo se abrem e momentaneamente os seres do Além convivem conosco e as almas dos que já morreram poderiam finalmente irem para o reino de Samhain.
Enquanto isso, numa casa em Nottingham, uma família se sentou para assistir ao programa. A coisa não ia acabar bem para esta família.
O programa foi idealizado para ter o máximo de realismo. Por isso, não foram chamados atores mequetrefes para atuar e sim um nome de peso para apresentar o programa. Seu nome era Michael Parkinson, e ele está na ativa desde 1963 e era bem conhecido do público da BBC, tendo a companhia da apresentadora infantil Sarah Greene se seu marido, o apresentador de TV e rádio Mike Smith..
O programa começou. Ele tinha sido anunciado pouco antes no Radio Times, dentro do qual foi explicado que era um drama, mas isso foi proposital. Os produtores sabiam muito bem que nem todo mundo acompanhava o Radio Times, mas deve ter sido alguma sugestão do Jurídico na base do “olha, nós avisamos”. Talvez até por causa do mito do Orson Welles transmitindo por rádio o Guerra dos Mundos e gerando pânico (sim, mito. Esse pânico jamais aconteceu).
Ghostwatch foi ao ar às 21h25min, horário de Greenwitch, no dia 31 de outubro de 1992. A família Denham não fazia ideia de como isso ia impactar as suas vidas.
O programa começa e mostra como a família de Pamela Early estava em maus lençóis, sem necessariamente aparecer algum ser mau com um lençol. Havia batidas misteriosas nas paredes, os canos de encanamento (seja de água ou aquecimento) faziam barulhos, coisas se moviam. Poltergeist estava fazendo a festa.
O programa foi absurdamente inovador. Tinha câmeras infra-vermelhas e térmicas, a filmagem era estilo videotape de 16mm para dar a impressão de ser uma filmagem caseira, ao invés do tradicional formato da época. Vocês sabem, tudo o que aparece nos atuais found footages, como o Atividade Paranormal e o péssimo Bruxa de Blair. Volk realmente era um escritor de terror de mão cheia e ele sabia aterrorizar pessoas. E era isso que estava acontecendo com Martin Denham, de então 18 anos. Ele estava cada vez mais incomodado, perplexo, vidrado. Ele não tirava os olhos da TV ao ponto da família já começar a ficar preocupada. Mas ele dizia que estava bem…
Só que não estava.
No programa, as filhas de Pamela Early estavam amedrontadas e uma delas foi até possuída, acabando por sumir misteriosamente. Tudo isso passando pelos olhos esbugalhados de Martin. A BBC começou a receber telefonemas, e eles não eram lá muito amistosos. Ainda assim, como eu digo sempre, não existe má propaganda. Existe propaganda. E por mais que um monte de telespectadores estivesse irritado, os números de audiência aumentavam. Tudo mundo ficou feliz, estouraram champagne e toda aquela baboseira que é mostrada em filmes quando uma emissora se dei bem.
O programa acabou. Todo mundo da produção pegou suas as coisas e foi para casa. A BBC continuou recebendo reclamações dada a natureza do programa. Já o drama da família Denham ia começar.
Martin começou a ficar calado, pensativo, perturbado. Ele não dormia direito, não comia direito, andava pela casa durante a noite. Falou com os pais que havia algo de errado, já que a casa tinha os mesmos barulhos que os mostrados na casa mal-assombrada do programa. Aquilo era real. Havia uma presença ali! Os pais tentaram acalmá-lo dizendo que era normal encanamento fazer barulho e Martin parece que ignorou todas as aulas de Física sobre dilatação de corpos mediante o calor e arrefecimento. Mas o medo nos faz agir como irracionais se não nos controlarmos.
Quando eu morava sozinho eu terminei de ver filme, desliguei a TV, fui no banheiro, voltei pro quarto para dormir. Ao passar pela sala eu ouviu algo como “bzzbbhabshauaumakmsassamksas”. Um som baixo que eu não discernia o que era. Eu parei. O barulho continuou “tzzbabsbahbaabasahsbuiira”. Eu olhei de um lado a outro. “O que diabo é isso?”. Resolvi que não ia dormir sem descobrir o que era. Vi cada canto. Até o momento que eu descobri de onde vinha o som: era o rádio-relógio que eu tinha na estante que estava com defeito. O som que eu ouvia era o locutor falando, mas ficava muito baixo para discernir, e com o silêncio de tudo desligado, o barulho era audível, ainda mais que de noite todos os nossos sentidos estão em alerta, mediante 3 bilhões de anos de Evolução escapando de predadores e perigos ocultos. Eu tirei o rádio-relógio da tomada e fui dormir o sono dos reis. Uma pessoa mais impressionável acharia que tinha algum ispritu rodando a minha casa. Bem, Martin Denham era esse tipo de pessoa impressionável.
Martin exibia sinais de depressão tão fortes que chegou ao ponto de ruptura. Cinco dias após a transmissão, Martin se suicidou. Uma nota em seu bolso, dirigida a sua mãe dizia: “Se houver fantasmas, agora serei um e sempre estarei com você como um”.
Os pais sempre acharam que Martin era um rapaz normal, com emprego e namorada, mas o que se esconde nos nossos neurônios? A BBC procurou fugir da responsabilidade. Volk não comentou na época. No lançamento do DVD comemorativo da BBC, dez anos depois, Volk falou sobre o tema, alegando que com 11 milhões de pessoas assistindo ao programa, fica difícil prever o que cada um fará. É difícil prever como cada um agirá individualmente. Apesar do que os pais alegavam, na escola Martin era tido como tendo déficit de aprendizagem e com idade mental de 12 anos.
Os Denham e mais 34 pessoas pleitearam junto à Comissão de Normas de Radiodifusão (Broadcasting Standards Commission – BSC) uma queixa formal, mas a entidade recusou, alegando que estava fora de suas atribuições. O caso foi parar nos tribunais e a Suprema Corte concedeu aos Denhams permissão para uma revisão judicial exigindo que a BSC desse atenção às queixas. A BSC teve que sair de cima do muro e acabou dizendo que a BBC tinha o dever fazer mais do que simplesmente sugerir que era um programa fictício, havendo uma “tentativa deliberada de cultivar uma sensação de ameaça”. A BBC tentou tirar da reta e os produtores de Ghostwatch soltaram um migué dizendo tinha sido exibido durante um intervalo aviso que era uma dramatização, e que era reconhecível como ficção para uma grande maioria. Isso não colou e a BBC acabou se desculpando. Mas isso não trouxe Martin de volta.
Tempo passou e passou o luto, mas não a tristeza. Hoje os Denham não assistem mais aos canais da BBC, nem qualquer coisa que relacionada a Michael Parkinson. Mas isso ainda serviu como estudo para muitos trabalhos. Um trabalho no British Medical Journal em fevereiro de 1994, descreveu mais dois casos de transtorno do estresse pós-traumatico induzido por Ghostwatch em crianças, ambos meninos de dez anos de idade. Afirmaram que estes foram os primeiros casos relatados de TEPT causados ??por um programa de televisão. O artigo recebeu correspondência descrevendo mais quatro casos em crianças com idades entre 11 e 14, bem como um caso em um menino de 8 anos que assistiu ao programa. Os entrevistados também observaram o potencial de reações semelhantes em idosos. No entanto, a conclusão do artigo afirmou que a rápida resolução dos sintomas das crianças sugere que as crianças sofreram uma breve reação de ansiedade ao programa de televisão, embora possam ter exibido algumas das características do transtorno de estresse pós-traumático antes. Em outras palavras, as pessoas já tinham grande tendência ao TEPT e, por isso, foram mais sensíveis.
Não acredito no impacto desse tipo de programa hoje, já que virou carne de vaca para muita gente. Temos zilhões de filmes found footage, temos quazilhões de programas estilo reality show. Mas fica a lição que devemos rter em mente que um programa de TV pode não ser apenas um programa de TV, e não estamos falando da ala tosca que se ofende por causa de um papel higiênico preto. Hoje, temos muitas ferramentas para estudar e avaliar quando um programa pode afetar parte população, mas mesmo assim as emissoras são, sim, responsáveis por tudo o que passam em sua grade.
E se você é corajoso e está com encanamento bem ajeitado em casa, que tal ver o programa? Sim, está no Tubo, de maneira tosca, mas está (diz a lenda que tem na Locadora do Paulo Coelho). Antes de tudo pense: você está seguro?
Essa história do seu rádio relógio me lembrou de uma história parecida que aconteceu comigo. Estava eu usando computador e, de repente comecei a ouvir algumas vozes. Bem baixinhas. Não sabia de onde vinha, mas eram vozes que falavam alguma coisa (o que era, não sabia, pois estava muito baixo). Aí, prestando melhor atenção, vi que os sons vinham das caixas de sons. Será que os espíritos queriam conversar comigo pelas caixas de som do meu computador??
Aí fui ver e… NÃO!!! Não era nada disso. Era que a caixa de som estava com impedância, virou antena e estava captando as ondas de uma estação de rádio.
No mais, não sei se foi proposital ou não a publicação desse texto no dia de hoje, mas já que se falou dele, hoje faz 79 anos da dramatização de Guerra dos Mundos do Orson Welles na CBS.
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Minha caixinha de som sintonizava a CBN perfeitamente, parecia ter sido fabricada para isso.
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Aconteceu comigo também quando tinha uns 17 anos. Na falta de coisa melhor pra fazer, eu estava testando pra ver se conseguia gravar alguma coisa com as caixas de som (passivas) funcionando como um microfone dinâmico. A gravação ficou muito fraca, como eu já esperava, e conforme ia aumentando o ganho percebi que bem baixinho ao fundo estava sintonizada perfeitamente uma rádio FM.
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Uma vez eu já acordei escutando vozes, e também quando estava dormindo, tive a sensação nítida de alguém sentando ao meu lado na minha cama, depois descobri que foram decorrentes da paralisia do sono.
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Eu tive um episódio desses assim: minha mulher saiu pra trabalhar cedo num sábado e eu fiquei dormindo quando acordei paralisado e ouvindo uma voz sinistra chamando meu nome.
Como ja tinha lido sobre isso eu pensei: “Que legal, paralisia do sono! ” aí eu desbloqueei e acordei de vez.
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