As pessoas sempre vêm no pacote completo (e por que isso pode ser problemático)

Alguns anos atrás, em um blog já falecido e ressuscitado e falecido de novo, meu irmão espiritual Cochise César escreveu sobre como as relações entre as pessoas na internet mudou nos últimos anos. Ele contava de como os fóruns de discussão eram organizados em torno de temas. Você gosta de pokémon e conversa com outras pessoas que também gostam de pokémon. Mas há uns 10 anos inventaram um negócio chamado rede social. Nas redes sociais você se relaciona com pessoas, não com temas. E é aí que surge o problema.

Eu sou uma pessoa com gostos bem diversificados. Eu gosto de humanidades e de ciências. Eu leio filosofia, sociologia, história, mas também leio física, química, biologia. Eu estudei psicologia e letras. Fui professora particular de um monte de coisa. Estudei música na adolescência e toco (bem mais ou menos) violão. Gosto de assistir esportes e sou atleticana (Galo) apaixonada. Gosto de assistir algumas séries de TV e filmes de suspense e terror psicológico. Faço mestrado em linguística. Tive um N64 e um megadrive e estou com um wii emprestado em casa. Perdi as contas de quantas vezes já zerei The Legend of Zelda: Ocarina of Time. Jogo Diablo III sempre que posso. Releio O Perfume de Patrick Süskind e 1984 de George Orwell quase todo ano. E isso não me resume nem em uns 10% ainda.

Pessoas são assim. Caleidoscópios de milhões e milhões de microinteresses e gostos e qualidades e defeitos… Pessoas são MUITO complexas.

E no momento que a gente passou a organizar como nos relacionamos na internet a partir de pessoas – e não apenas gostos/interesses em comum – precisamos aprender a lidar com complexidades e coisas que não nos interessam.

Meu tuito, por exemplo, tem de tudo um pouco. Falo de ciência, de tecnologia, das coisas que ando lendo, das agruras da faculdade, das angústias pessoais, do Galo Doido, do feminismo, do fim de Hannibal?… E nem todo mundo está interessado nisso tudo. Às vezes a pessoa gosta do que falo sobre linguística mas me dá mute toda quarta e domingo por causa do futebol (true story bro). E estou vivendo atualmente um dilema baseado nisso.

Sigo há um bom tempo o Takata, do Gene Repórter. Gosto dos comentários dele sobre várias coisas, não só ciência. Vira e mexe ele já corrigiu umas bobagens que eu falava. Pois o Takata é corinthiano e eu atleticana. E o Galo está disputando o campeonato brasileiro de futebol de 2015 com o Corinthians. Até aí ok. O problema é que muitas vezes, ao longo das décadas, o Corinthians vem sendo apontado como sendo beneficiado pela CBF e pela arbitragem, enquanto o Galo vem sempre reclamando de ser prejudicado (não vou entrar no mérito disso, entenda como quiser).

Nas últimas rodadas o Galo teve jogos "polêmicos", pra dizer o mínimo. A situação atual começou em uma semana que teve Galo x Chapecoense, em Chapecó-SC. Um jogador do Galo foi expulso (alguns dizem injustamente), além de outros lances polêmicos. Eu obviamente estava extremamente puta. Xinguei muito. Mais ou menos na mesma época teve uma polêmica porque alguns pênaltis foram marcados para o Corinthians sendo que lances iguais não foram marcados para outros times (inclusive teve um do Galo também). Não só eu como outros torcedores do Galo e de outros times reclamamos MUITO no tuito (que não vale nada, mas desabafar às vezes ajuda a curar né). Pois isso rendeu uma discussão muito chata com o Takata, que não concorda que seu time está sendo beneficiado nem que o Galo ou outros times estejam sendo prejudicados (não quero entrar nesse mérito). Tivemos uma briga muito feia, com direito a ad hominem e tudo. Por fim ele me deu unfollow. Tá certo ele, ninguém é obrigado a ler conteúdo que não interessa, que fala mal do seu time etc. Meu dilema é: não quero dar unfollow de volta no Takata, porque eu adoro o conteúdo dele de tudo, exceto futebol.

Mas do jeito como nos organizamos hoje, não posso ter acesso só ao conteúdo de ciência do Takata, e ignorar o futebol, e vice-versa. O colega lá que me dá mute em dia de jogo não tem como ter acesso a só o assunto que interessa. Porque as pessoas vêm em pacotes fechados, inteiros, indivisíveis. Não dá pra ignorar completamente as partes chatas. Você tem que aprender a viver com elas.

Não sei dizer até que ponto isso é bom ou ruim. Sei que isso pode ser a causa da enorme quantidade de tretas e brigas e discussões de baixíssimo nível que temos na internet hoje. Afinal de contas, não importa a ideia, mas quem a diz. E não nos organizamos mais em torno de ideias, mas de pessoas complexas e cheias de defeitos. Nos resta acompanhar os novos tempos, né? E aprender a lidar com as diferenças e coisas que não gostamos tanto assim. Ou então nos isolar na bolha e na indiferença.

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