Das extinções e de-extinções

Muitas pessoas sonham em ter seus nomes imortalizados. Almejam alguma forma de fama ou reconhecimento, de maneira que não sejam esquecidos. Bem, nem sempre isso acontece do modo esperado, como foi o caso de um certo fazendeiro de nome Wilfred Batty, morador da Tasmânia, um lugarzinho que vc amaria de paixão ficar bem longe. Batty não ficou famoso por pescar um imenso dourado ou ter descoberto petróleo em sua fazenda. Batty ostenta a ignominiosa ventura de ter mantido em cativeiro, e depois matado o último dos tigres da Tasmânia, mais conhecido como tilacino e não tão conhecido como Thylacinus cynocephalus. Agora, eles estão totalmente extintos, mas a arrogância humana pretende mudar isso, não só para o tilacino como para outras espécies. É certo isso?

Há algum tempo eu postei um artigo onde um ambientalista metia a mão no vespeiro dizendo que deixassem os ursos pandas se extinguirem de vez, alegando que o custo envolvido não compensava o esforço. O problema é que o ser humano — ainda mais com um bando de chatos metidos a ambientalistas enchendo o saco — decidiu que ele é guardião de todos os irmãos, e tem a obrigação de proteger todas as espécies vivas e mortas. O resultado é uma luta pra lá de inglória para impedir algumas espécies irem pro ralo da extinção, desaparecendo da face da Terra.

Isso é algo a se pensar: por que deveríamos ter impedido a extinção do pássaro dodô? Por que nós o causamos? Mas se a Seleção Natural é devido a agentes da Natureza (biológicos ou não), devemos ter em mente que o ser humano também é um agente dessa seleção. Se feita conscientemente, chamamos de Seleção Artificial, como o cruzamento de animais e plantas, para a obtenção de espécies mais saudáveis e/ou resistentes a pragas ou com características especiais. Mas quando inadvertidamente introduzimos espécies invasoras (as quais nem sempre invadem por meio de ação humana), nós abalamos o equilíbrio ecológico local; mas, sendo cínico, muito pior a Natureza faz, seja explodindo um vulcão ou mandando um asteroide de 5 km de diâmetro na cabeça do que estava por aqui. Nem mesmo nós mandamos pra vala 95% de todas as formas de vida praticamente de uma vez só1, como aconteceu no período Permiano.

1Quando falo “de uma vez”, estou me referindo em escala geológica.

Nós deciframos o código genético, e estudamos as maravilhas que podemos fazer com ele. Ok, ainda não sabemos usá-lo inteiramente, mas lembre-se que o DNA só foi descoberto na década de 1950. Então, há agora o que eu considero uma ideia estúpida: usar o poder da Ciência para reviver espécies que já não mais caminham sobre a Terra, através de usar o DNA de antigas espécies extintas para fecundar óvulos modernos e dar vida a espécies que tiveram sua chance, mas não foram páreo para os desmandos da Natureza. Mesmo que pudéssemos trazer espécies como o tilacino, o que faremos com eles? O levaríamos para passear no parque junto com o cachorro?

E, não. Antes que perguntem, não dá para ter um dinossauro andando de novo, porque muito pouco do seu DNA sobreviveu nos fósseis; esqueça o Jurassic Park e seu Mr. DNA (muito engraçadinho, por sinal).

A crítica é que o Homem sempre se julgou acima de todas as espécies, achando que pode dispor delas ao seu bel-prazer, matando indiscriminadamente. Mas o outro lado da moeda é que também se acha acima da carne-seca querendo ditar qual espécie vive ou morre, como algum deus entediado num domingo chuvoso. Qual ser vivo merece ser retirado da relação de espécies extintas e qual ainda deve ficar apenas nos livros e compêndios como já extinto?

O mundo mudou e quando falo isso, eu tenciono dizer que muitos habitats mudaram ou não existem mais. Para trazermos um mamute de volta (para que, diabos, alguém quer um mamute de volta?), teremos que estudar como era seu habitat original para poder recriá-lo. Ninguém espera criar um pinguim no Saara, logo, não há sentido em trazer mamutes para viver em locais que não são adequados a eles, ou teremos extinção de novo. Além disso, como perguntei, para que diabos eu quero um mamute? Para estudá-lo? E depois, o que fazemos com o bicho? Mandamos para algum circo para ser atração? Ou podemos pensar em algum cenário ficcional, onde novos ricos cansaram de ter obras de Da Vinci, Miguelangelo ou Van Gogh para ter um zoológico particular com animais exóticos, como tilacinos, dodôs e pandas amazônicos (EU SEI!).

NOTA MENTAL: Escrever algum conto de ficção científica sobre isso, apesar de ter a certeza que alguém mais criativo já ter tido esta ideia.

O Jurassic Park do futuro pode não ser tão jurássico assim, mas temos uma prévia do que querem. E isso pode acabar piorando a emenda em relação ao soneto, como foi o caso com os lobos cinzentos dos EUA. Eles estavam à beira da extinção, então uma lei federal os protegeu de caçadores. O que aconteceu foi uma rápida multiplicação deles, colocando em risco criações de gado ovino. O resultado foi que uma segunda lei teve que ser aprovada, permitindo a caça a esses lobos, de modo a conter o aumento de sua população e garantir a segurança dos rebanhos. A Natureza não está nem aí para os planos das pessoas e o máximo que boas intenções têm garantido é um lugar quentinho mas pouco arejado. Lobos continuarão a ser lobos e continuarão fazendo o que sempre fizeram: ser predadores.

O que transparece é que conservacionistas se parecem muito com o pessoal anti-aborto. Estes últimos querem porque querem que mulheres não abortem por nenhum motivo, mas não pensam em como a criança será cuidada, quem a alimentará, quem pagará pelas despesas médicas, quem arcará com os gastos com Educação e vestuário. Não querem que abortem e pronto, fim da linha para eles. Os conservacionistas adeptos da de-extinção querem que tragam as antigas espécies de volta, e só, como é o caso do grupo Long Now, que pretende usar os poderes incríveis da genética para trazer frankensteins há muito perdidos. Os outros que se virem para resolver os problemas logísticos, como habitats, alimentação, impacto ambiental etc.

Percebam, não é questão de pouco se importar com a fauna. Ela precisa ser preservada, não porque o mico-leão-dourado é bonitinho, fofinho… e morde feito uma desgraça, podendo transmitir raiva e destruir a varanda de seu apartamento, como acontece em muitas áreas urbanas, como no Rio de Janeiro, por exemplo. O problema está exatamente na interação deles com o ambiente, desequilibrando o habitat, já que esses animais também executam tarefas como dispersores de sementes. Uma abelha é apenas uma abelha, mas seu desaparecimento acarretará em não-polinização de flores, afetando a reprodução das plantas, o que pode acabar na extinção delas, afetando a flora local e impedindo a produção de alimentos.

Então, a pergunta que fica é: não seria mais conveniente nos precavermos para não perder espécies que estão vivas hoje e estão ameaçadas ao invés de trazer espécies há muito mortas e que não desempenham papel nenhum hoje? Não concerne à Biologia responder isso. Geneticistas não podem ser cobrados por essa responsabilidade que não é deles, assim como não é responsabilidade de uma siderúrgica se o aço produzido será usado para fabricar colheres ou baionetas. A decisão é política, lastreada em trabalhos de vários ramos científicos. Mas temos a tendência de proteger pandinhas porque são fofinhos, mas não sapos, que são feios e verruguentos.

A verdade é queremos proteger todas as espécies por puro medo que o mesmo aconteça com a gente, o tipo de coisa que sabemos que acontecerá, pois chegará o dia que o Homo sapiens não mais estará presente aqui, por um motivo ou outro. Não importa, nenhuma espécie é imutável, nenhuma espécie é eterna e tudo o que produzimos até hoje será perdido e esquecido um dia. Triste, mas é a verdade, mas não tanto quanto saber que muitos de nós não fizemos e não faremos nada de notável mesmo, então, o que importa?

Quando Batty abateu o último tilacino, há mais de 80 anos!, ele não foi o responsável pela extinção da espécie. Ela já estava condenada e aquele tilacino não iria se reproduzir que nem uma bactéria, produzindo vários tilacininhos. Não podemos responsabilizar Batty por nada e não adianta começar um jogo-de-empurra para saber quem tem a culpa pelas extinções que estão ocorrendo pelo mundo afora.


Sou um redneck kickboxer. Mandei um tilacino pra vala, MUAHAHAHAHAHA!

O que tem que ser debatido é o que fazer com as espécies que estão vivas e como impedir que elas desapareçam, estudando como será o impacto se isso acontecer. Proteger uma espécie por ser bonitinha, fofinha e lindinha não é o melhor caminho, nem trazer de volta espécies que tiveram sua chance, mas a inclemência da Natureza fez desaparecer, é o próprio mundo natural que impõe as condições. Pesquisadores da Universidade de Melbourne determinaram que o tilacino tinha um sério problema: seu pool genético tinha pouca variabilidade. Ele seria extinto de qualquer forma, pois meio que caiu numa cilada, um beco-sem-saída evolutivo. Nem precisava ele ser caçado do jeito que foi. Qualquer desmando da Natureza e ele ia pro ralo, pois sua capacidade de adaptação não era lá essas coisas. Em outras palavras, qualquer desastre natural iria mandar o coitado pro esquecimento.

No final, toda essa corrida de proteção é por um único motivo: nossa própria existência, na arrogância de acharmos que temos que continuar vivendo, impedindo que a Natureza nos leve embora para sua História, que não será registrada por ninguém. Não estamos na corrida para proteger o mundo e sim a nós mesmos, até que outro asteroide resolva que nossos esforços serão inúteis.

11 comentários em “Das extinções e de-extinções

  1. Acho difícil chegar a uma opinião definitiva sobre a extinção de espécies e se devemos proteger esse ou aquele animal.
    Por um lado argumenta-se com seleção natural, mas por outro, quão natural é essa seleção se o homem entrar como fator da extinção?
    Mas de qualquer forma, seria engraçado (apesar de meio inútil) recriar um dinossauro. Os crentes ficariam céticos ao serem pisados por um Tiranossauro Rex?

    Curtir

  2. Essa mania do ser humano de não aceitar que eternidade é apenas uma palavra. Nada existe na eternidade! Tudo tem seu fim.

    Usando o exemplo do Mamute, também me questiono: PRA QUE DIABOS?

    Isso me lembra aquelas meninas que são criadas no “leite com pêra” quando crianças e crescem querendo um pônei, cavalo, o que seja.
    Às vezes a família não tem nem casa própria e a infanta sonha em ter o tal bicho. Pra quê? Não tem espaço pra ele! Não há condições básicas de mantê-lo.

    Essa idéia tosca de reaver o que a natureza, sozinha ou com ajuda, já apagou, muito parece uma birra infantil.
    O planeta já existia antes de nós, acho que ele vai se dar muito bem sem nós, pandas amazônicos ou o bicho-fofo da vez.

    Curtir

  3. Carl Zimmer postou hoje algo interessante sobre o assunto da de-extinção http://phenomena.nationalgeographic.com/2013/03/11/resurrecting-a-forest/

    O post é sobre os esforços que estão sendo feitos em um projeto encabeçado por William Powell (Universidade de Siracusa, Nova Iorque) para salvar as castanheiras americanas, as quais uma vez já foram as árvores mais abundantes das florestas norte-americanas, e agora estão quase completamente erradicadas por conta de uma espécie invasora, um fungo chamado C. parasitica, que provavelmente pegou carona em castanheiras asiáticas a mais de um século atrás.

    Desde 1980 cientistas tentam reverter a situação, atacando o dito fungo, sem muito sucesso. Agora eles estão nos últimos passos de uma seleção artificial com intuito de gerar uma linhagem de castanheiras híbridas americanas-asiáticas, as quais terão a maioria de suas características herdadas da versão americana, porém com os genes asiáticos que as permitam resistir aos ataques do fungo parasita.

    Estas arvores já estão semi-extintas a mais de 100 anos. Os exemplares que restam estão passando por um eterno ciclo abençoado por Sísifo que consiste em brotar, crescer um pouco, ser infectada pelo tal fungo, secar e começar tudo de novo. O especialista do projeto diz que elas não conseguirão vencer este ciclo vicioso sozinhas.

    Pergunta: Inserir uma castanheira geneticamente alterada nas florestas norte-americanas é um esforço válido? Ou seria mais um caso como o do post acima?

    Curtir

  4. Eu particularmente por puro diletantismo e curiosidade gostaria de ver algumas espécies sendo revividas,por outro lado sei que isso daria um monte de problemas como aliás está colocado no post e até no filme do Spielberg.De qualquer forma alguém fará isso e aí poderemos matar nossa curiosidade.

    Curtir

  5. Estamos falando de reintrodução de especies extintas ou elas apenas serão vistas em zoos, acho que isso é o tipo de coisa que se faz mais por curiosidade do que interesse na preservação de especies, mais quem sabe o que pode sair dai pode ser que isso (essas pesquisas) nos tragam alguma descoberta inesperada….

    Curtir

    1. @Narkos, E como diria Michio Kaku: Colocariamos o Neanderthal em Zoo ou Harvard?

      E Michio falou que poderiamos trazer à vida os dinos utilizando-se de “propabilidade matemática” ou algo assim.

      Curtir

  6. E vão fazer o que com os mamutes recriados? churrasco? ou será apenas para testar os tipos de clonagem? neste caso é válido os experimentos.

    Curtir

Deixe um comentário, mas lembre-se que ele precisa ser aprovado para aparecer.