
Eu sei que você olha para sua sogra que lhe dirige um sorriso afetuoso enquanto pensa “idiota. A merda que minha filha fez”, enquanto você devolve o sorriso pensando “jararaca”. Obviamente, isso é mais um xingamento interno do que exposição da verdade. As jararacas não merecem tal comparação. Problema que em alguns lugares algumas pessoas olham para as suas cremosas e têm medo, mais medo que a Regina Duarte. Alguns moradores desse tipo de local creem que suas esposas podem até se transformar em cobras? Onde? Bem, qual outro lugar seria se não…
UTTAR PRADESH, URGENTE!
O caso que irei relatar aconteceu mais especificamente em Sitapur. Um homem foi ao magistrado distrital pedir ajuda. Motivo? Segundo ele, sua esposa se transforma em cobra à noite e tenta mordê-lo. E não, isso não é uma metáfora para TPM, nem um poema simbolista sobre o casamento moderno — ele realmente acredita que se casou com uma naagin, aquelas serpentes míticas de novela que trocam de pele, de humor e de marido a cada Lua cheia.
O cidadão, de nome Meraj, relatou que sua vida amorosa virou uma produção mística de terror B (B indiano, não B, B). Segundo seu relato, a mulher começa a chiar, arrastar-se e lançar olhares de pureza ofídica sempre que o Sol se põe. O homem diz que vive em pânico, dormindo com um olho aberto e o outro tamb´pem, porque é melhor não dar sopa. E isso porque teme acordar sendo enrolado como se fosse um ratatouille humano. Meraj procurou ajuda espiritual, claro; mesmo porque, estamos na Índia e resolução racional de problemas conjugais se resolve, não com terapeuta de casais, mas um exorcista com incenso vencido e um manual de mitologia na mão.
Parece que a coisa não melhorou (vá lá entender por quê), e Meraj resolveu apelar à Justiça, pedindo proteção contra a esposa-serpente.
A cena foi digna de filme de tribunal roteirizado pelos Irmãos Zucker. O homem apareceu no Samadhan Diwas (o dia de reclamações públicas, uma espécie de versão tribunal de Xingar Muito no Twitter) e relatou o caso para o magistrado com a seriedade de quem denuncia corrupção governamental. Os oficiais, provavelmente treinados para lidar com fraudes e disputas de terra, se viram diante de um relato onde o Código Penal encontra Harry Potter. O magistrado, coitado, teve que anotar algo do tipo “solicita proteção contra esposa reptiliana”.
Infelizmente, não parece haver um protocolo pra isso. O máximo que deve ter passado pela cabeça dele foi: “quantos chás ruins eu preciso beber pra merecer esse emprego?”.
E antes que alguém diga “ah, mas isso é superstição local”, eu lembro que superstição local também é o motivo pelo qual tem gente que acha que pratos de pipoca têm poderes mágicos e dar seu voto pra um político garante que ele faça alguma coisa pela população.
Esse tipo de história é o retrato perfeito do século XXI: um sujeito usando smartphone pra denunciar uma metamorfose mitológica. Ele grava vídeos, pede ajuda, talvez poste um “#PrayForMeraj” no Instagram, e no fim pede um pix (ou sei lá o que a Índia tem para transferir dinheiro). A humanidade deu um giro tão grande no parafuso que voltou pra Idade do Bronze, só que agora com conexão 5G.
Mas o mais fascinante é o contraste. Em um país com um dos programas espaciais mais avançados do mundo, onde se lança sonda pra Marte e acerta a órbita de primeira (convenhamos, é algo muito fácil pra quem inventou a Matemática) e se cria chip quântico, ainda tem gente que vai à Justiça pedir ordem de restrição contra uma naagin. É o melhor retrato possível da coexistência entre alta tecnologia e baixa lucidez. Um pé no século XXI, outro no Mahabharata. O próximo passo vai ser alguém pedir indenização porque o duende do armário quebrou a geladeira.
Por sinal, a crença em cobras que viram gente (ou o contrário) é antiga na mitologia hindu. O problema é quando o sujeito decide levar o folclore pra delegacia como quem chega e diz “Seu Delegado prenda o Boto”. Você imagina o escrivão, acostumado a anotar “furto de bicicleta” e “briga de vizinhos”, tendo que digitar “acusada assume forma de réptil após o pôr do sol”. Isso nem entra no sistema de ocorrências. O computador provavelmente travou, com vergonha própria.
No fim, o magistrado fez o que qualquer servidor público faria diante do absurdo: ouviu, acenou com a cabeça e prometeu encaminhar o caso; pra onde, ninguém sabe. Talvez pro Ministério da Magia. Talvez pro Discovery Channel. Talvez pro manicômio. O importante é que o contribuinte saiu satisfeito, acreditando que o Estado o protegerá da serpente matrimonial.
Como resumo, o que temos? O amor é lindo, mas o instinto de autopreservação é mais esperto. Se a sua esposa começa a chiar à noite, talvez não seja possessão. Pode ser só ela tentando conversar e você nunca ouviu. Mas, se ela realmente virar cobra, pelo menos você já sabe o procedimento: vá ao tribunal, preencha o formulário, e torça pra não ser picado pela burocracia.
Fonte: India TV

Cadê os aurores quando se precisa deles?!?
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