
O inclemente vento açoita ferozmente as velas de linho rústico, enquanto o rangido das madeiras ancestrais se curvam e protestam contra o turbulento mar. O céu nublado é refletido nas águas frias da Noruega e se põe contra o bravo guerreiro que não sente medo, e a vontade de vencer desafia Njörd, o deus do mar. A bordo de um pequeno barco, sem tecnologias que vikings desconheciam, como um GPS, sem motor, sem nem ao menos um café quente, o homem conta com toda a sua coragem, sua vela… e, com sorte, o bom humor de Thor antes que ele decida testar seus trovões.
Foi nesse espírito que o arqueólogo Greer Jarrett, da Universidade de Lund, na Suécia, embarcou numa aventura que misturava arqueologia experimental, história marítima e uma pitada de ousadia. Seu objetivo? Reconstituir as possíveis rotas dos vikings durante suas longas jornadas de comércio entre os grandes portos do norte europeu. Porque, convenhamos: sabemos bastante sobre onde os vikings começaram e terminaram seus percursos — Ribe, Dublin, Trondheim, Bergen — mas quase nada sobre o meio do caminho. E como qualquer um que já viajou com crianças no banco de trás sabe, é justamente ali que tudo acontece.
Para isso, Jarrett decidiu seguir os passos — ou melhor, os rastros aquáticos — dos próprios vikings. Entre setembro de 2021 e julho de 2022, ele e sua equipe realizaram 15 testes e duas grandes travessias experimentais, cada uma durando cerca de três semanas, navegando em sete embarcações do tipo clinker: barcos nórdicos tradicionais, pequenos, abertos, feitos de madeira e com velas, semelhantes àqueles usados há quase dois mil anos. Ao todo, percorreram nada menos que 1.494 milhas náuticas (ou 2767 km, em unidade de medida de gente).
Mas nem tudo foi tão épico quanto parece (ou talvez tenha sido épico justamente por isso). Em uma das viagens, o mastro principal que sustentava a vela quebrou a 25 km da costa. Sem hesitar, a tripulação improvisou: amarraram dois remos para substituir o suporte da vela, navegando com engenhosidade até encontrarem terra firme. Uma verdadeira saga moderna com cheiro de salitre.
A ideia de Jarrett era entender quais locais ao longo da costa norueguesa poderiam ter servido como havens, portos naturais onde os vikings paravam para descansar, se proteger das tempestades, reabastecer com água doce ou simplesmente esperar o tempo melhorar. Mas não bastava qualquer enseada: para ser considerada um refúgio viking, a baía precisava atender a certos critérios — abrigo contra ondas e ventos, boa visibilidade para o mar, acesso em baixa visibilidade, espaço para várias embarcações, saída em múltiplas direções e, claro, estar localizada numa “zona de transição” entre mar aberto e regiões costeiras internas. Um Airbnb náutico premium da Era Viking.
Além da navegação prática, Jarrett usou reconstruções digitais dos níveis do mar durante a Era Viking (800–1050 E.C.), dados sobre os grandes centros comerciais da época e registros orais de pescadores dos séculos XIX e XX para traçar hipóteses sobre rotas ancestrais. Importante frisar: o estudo de Jarrett não trata de viagens para saques e guerras, mas sim de longas expedições comerciais — aquelas em que a pressa dava lugar à prudência, e a sobrevivência dependia mais do vento que da espada.
O resultado foi a identificação de quatro possíveis “havens” ao longo da costa norueguesa — locais remotos com vestígios arqueológicos variados e potencial para futuras escavações. Ele os apresenta não como verdades definitivas, mas como um ponto de partida: um mapa em construção, pronto para ser confirmado (ou contestado) pelas próximas gerações de arqueólogos com gosto por mares revoltos e hipóteses ousadas.
A aventura foi publicada no periódico Journal of Archaeological Method and Theory.

Muito inteligente o método. Seguir rastros pode levar até a talvez descobrir embarcações que não chegaram aos havens, perdidas no meio do oceano. Bem interessante.
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