Velejando até a segunda estrela à direita, depois do amanhecer

Imagine um futuro no qual pequenas sondas espaciais, impulsionadas por finíssimas velas de luz, viajam a velocidades incríveis pelo espaço interestelar. Algo saído do conto Vento Solar, de Arthur Clarke. Entretanto, essa ideia está mais próxima da realidade do que você imagina, graças ao trabalho inovador de cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech).

Tudo começou em 2016, quando o famoso físico Stephen Hawking e o bilionário Yuri Milner lançaram a iniciativa Breakthrough Starshot. O objetivo audacioso? Enviar minúsculas sondas espaciais para o sistema estelar mais próximo, Alpha Centauri, utilizando velas de luz impulsionadas por lasers. Essas velas ultrafinas, chamadas de “lightsails”, poderiam alcançar velocidades nunca antes vistas, abrindo as portas para a exploração interestelar direta.

O dr. Harry Atwater é um físico, mas ninguém é perfeito. Ele trabalha na divisão de Engenharia e Ciência Aplicada do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), além de ser professor no Instituto Howard Hughes de Física Aplicada Ciência dos Materiais e (ufa!) diretor da Liquid Sunlight Alliance (LiSA), um programa do Departamento de Energia dos EUA focado em combustíveis solares. Atwater é pioneiro nos campos de nanofotônica e plasmonics, tendo cunhado o termo “plasmonics” em 2001. Sua pesquisa abrange interações luz-matéria, conversão de energia solar e materiais fotônicos.

Atwater e seu pessoal realizou as primeiras medições experimentais dos movimentos induzidos por laser em lightsails (ou velas solares. Vou manter lightsail) em laboratório. Os pesquisadores desenvolveram uma plataforma para caracterizar as membranas ultrafinas que poderiam ser usadas para construir essas lightsails. Mas o que torna essas velas tão especiais? Tudo começa com o chamado “vento solar”.

O vento solar é um fluxo tênue de plasma que emana do Sol, viajando ao longo das linhas do campo magnético solar. Esse fluxo é composto por partículas subatômicas, como elétrons, prótons e partículas alfa. A intensidade do vento solar varia conforme o ciclo solar. Durante períodos de alta atividade solar, o vento solar pode se intensificar a ponto de ser classificado como tempestades solares. Nesses momentos, os níveis de radiação aumentam tanto que os astronautas em estações espaciais precisam evitar atividades externas. Quando as partículas do vento solar atingem a Terra, elas são desviadas pelo campo magnético terrestre, mas ocasionalmente alcançam os polos, criando as espetaculares auroras.

Sempre que a luz incide sobre uma superfície, os fótons transferem energia. Se absorvidos, eles podem aquecer a superfície. Mesmo quando refletidos, os fótons transferem energia na forma de momento linear, que pode ser percebido como uma força distribuída pela área do refletor, conhecida como pressão. No nosso cotidiano, esses valores são pequenos e quase imperceptíveis devido ao atrito e à resistência do ar. No entanto, no vácuo espacial, essa pressão se manifesta como uma aceleração pequena, mas constante. As lightsails, quando “acertadas” pelo vento solar, se comportam como as velas que conhecemos aqui, fazendo uso da 3ª Lei de Newton: elas tomam a pancada e saem se movendo pelo Espaço, em busca da Fronteira Final.

As lightsails precisam ser incrivelmente leves e resistentes ao calor. Além disso, devem manter sua forma sob pressão e viajar de maneira estável ao longo do eixo de um feixe de laser. Antes de construir uma vela funcional, os cientistas precisam entender como os materiais respondem à pressão da radiação dos lasers. E foi exatamente isso que a equipe de Atwater conseguiu medir.

Utilizando uma técnica chamada litografia por feixe de elétrons, os pesquisadores criaram uma membrana de nitreto de silício com apenas 50 nanômetros de espessura, algo semelhante a um trampolim microscópico. Essa membrana foi então testada para medir a força exercida pelos lasers, marcando um avanço significativo na transição de propostas teóricas para observações e medições reais.

A ideia de usar velas de luz para explorar o espaço não é nova. Na verdade, ela remonta ao século XVII, quando o astrônomo Johannes Kepler sugeriu que as “brisas solares” poderiam ser usadas para impulsionar espaçonaves, antes mesmo de ter ideia do que sabemos hoje sobre o Espaço e o Sol. Claro, foi apenas com os avanços tecnológicos recentes que essa visão começou a se tornar viável.

Se bem-sucedidas, as lightsails poderiam revolucionar a exploração espacial, com sondas capazes de alcançar sistemas estelares distantes. Não, isso não implicará em viagens interestelares, já que a estrela mais próxima depois de nosso Sol está a uma distância de 5 anos-luz, e chegar lá vai demorar MUITO tempo. Ainda assim, a pesquisa da equipe de Caltech é apenas o começo de transformar mais um item da ficção científica em realidade.

A pesquisa foi publicada no periódico Nature Photonics

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