Uma milenar tumba de surpresas

Essa é para você, sim, você mesmo que adora coisa antiga como seu tio Nicanor, sentado no canto da sala dormindo depois de ter tomado uns gorós. É exatamente isso que trata a Arqueologia: coisa velha (é praticamente a etimologia da palavra), e já que todo mundo aqui adora uma velharia,  vocês encontrarão uma história cativante na recente descoberta de uma tumba de 1.200 anos na China, que lança luz sobre a vida de pessoas comuns durante a Dinastia Tang (618 – 907 E.C.).

Desenterrada durante a construção de uma estrada perto de Taiyuan, esta tumba revela uma riqueza artística e cultural que desafia as nossas percepções sobre as práticas funerárias antigas.

A tumba pertence a um homem que morreu em 736 E.C. aos 63 anos, junto com sua esposa, Guo. O que torna este local de sepultamento particularmente intrigante não é apenas a sua idade, mas os vibrantes murais que adornam suas paredes. Ao contrário das representações grandiosas frequentemente associadas a imperadores e guerreiros, esses murais se concentram na vida cotidiana. Eles ilustram o casal envolvido em várias atividades, como a produção de macarrão de arroz, a debulha de grãos e o transporte de água, oferecendo um raro vislumbre da esfera doméstica da Dinastia Tang.

A Dinastia Tang é frequentemente considerada uma das épocas mais gloriosas da história da China. Durante este período, a arte, a literatura e a filosofia floresceram. A capital, Chang’an (atual Xi’an), tornou-se um centro cosmopolita, atraindo comerciantes, viajantes e intelectuais de todo o mundo. A diversidade cultural e a abertura ao intercâmbio internacional foram características marcantes dessa era.

A tumba apresenta uma estrutura de tijolos de câmara única, ricamente decorada com cores brilhantes—vermelhos, amarelos e laranjas—cobrindo as paredes e o teto. A arte emprega um estilo tradicional conhecido como “figura sob uma árvore”, que era prevalente durante a Dinastia Han e continuou na era Tang. Esse estilo enfatiza figuras humanas realizando tarefas sob árvores lindamente representadas, criando uma harmonia entre a natureza e a vida cotidiana.

Além disso, a técnica de pintura utilizada na tumba é notável. Os arqueólogos observaram que os contornos fortes e o uso eficiente de sombreamento em duas dimensões conferem um caráter distinto aos murais, diferenciando-os de outras obras da mesma época. Essa singularidade pode indicar a presença de um artista talentoso que se destacou na criação de obras que capturavam a essência da vida diária.

Um dos aspectos mais impressionantes dos murais é a representação de um “ocidental”, identificado como um comerciante sogdiano da Ásia Central. Esta figura, caracterizada por seu cabelo loiro e vestimentas distintas, lidera camelos e cavalos, sugerindo rotas comerciais ativas e trocas culturais ao longo da Rota da Seda. A Rota da Seda, que conectava a China ao Ocidente, era uma rede vital de comércio e intercâmbio cultural, permitindo que ideias, produtos e tradições circulassem entre diferentes civilizações.

A presença desse estrangeiro em uma tumba chinesa destaca a interconexão das civilizações antigas e a importância do comércio durante a Dinastia Tang, um período conhecido por sua cultura cosmopolita e prosperidade econômica. Os Sogdianos, em particular, eram conhecidos como habilidosos comerciantes e intermediários, desempenhando um papel crucial na facilitação do comércio entre o Oriente e o Ocidente.

A entrada da tumba é guardada por figuras vestidas com robes amarelas, que provavelmente representam porteiros, enquanto o teto abobadado apresenta criaturas míticas, possivelmente dragões ou fênixes. Esses elementos não apenas servem a propósitos decorativos, mas também carregam significados simbólicos, refletindo as crenças e valores da época. Eles sugerem uma mistura de proteção, espiritualidade e o desejo por uma vida após a morte próspera.

Os murais também incluem representações de elementos da natureza, como árvores e flores, que eram frequentemente associados à fertilidade e à continuidade da vida. Essas imagens podem ter sido intencionais, simbolizando o desejo do casal de permanecer conectado à vida e à natureza mesmo após a morte.

Esta notável descoberta nos convida a reconsiderar as vidas daqueles que podem não ter sido parte da elite imperial, mas desempenharam papéis vitais na sociedade. A tumba deste humilde fabricante de macarrão, adornada com murais vibrantes que retratam a vida cotidiana e interações culturais, serve como um testemunho da rica tapeçaria da experiência humana durante uma das dinastias mais celebradas da China.

Para os entusiastas da Arqueologia, oferece uma conexão profunda com o passado, lembrando-nos de que a história muitas vezes é encontrada nos lugares mais inesperados.

2 comentários em “Uma milenar tumba de surpresas

Deixe um comentário, mas lembre-se que ele precisa ser aprovado para aparecer.