Belyanas: os imensos navios que não eram bem navios

Eu gosto da Rússia pelo seu pragmatismo e exagero, muitas das vezes justificado. O modo russo de ser acaba nos fazendo olhar para eles e perguntar-nos “mas como é que pode?”. São russos, você não pergunta. Um exemplo disso são as belyanas, em russo: беляна. Esta palavra deriva do termo belyi (белый) que significa “branco”. Eram imensos navios construídos para transportar madeira.

O motivo do nome é que os navios de madeira normais recebiam uma camada de alcatrão como impermeabilizante, o que dava um aspecto escuro, quase preto, ao navio. As belyanas não recebiam, já que a madeira seria exatamente a que seria vendida, então, tinha que estar o mais próximo do estado in natura possível.

A atividade econômica principal na Rússia Czarista era exploração de recursos naturais, sendo a madeira um dos principais mercados da economia russa. Tendo uma vasta extensão territorial, explorar madeira era algo óbvio demais e a imensa quantidade de rios ajudava no transporte. Mas daí vem a pergunta: com uma quantidade imensa de madeira, como levar tudo pelos rios? A resposta é óbvia e pragmática, bem ao jeito russo: com um navio grande, muito grande, enorme, maior que meu saldo devedor no banco.

Desde o século XVI até o século XIX, o transporte de madeira em grandes quantidades das regiões superiores dos rios Volga e Kama para o mar Cáspio era feito pelas belyanas. Suas estruturas gigantescas eram construídas essencialmente com pilhas flutuantes de madeira na forma de navios descartáveis. Sim, eram de uso único, já que a madeira que usavam para construí-las era a madeira que seria vendida.

Claro, você deve estar se perguntando por que não faziam um navio definitivo para o transporte da madeira. A resposta era simples: não era um navio para transportar madeira. Eles pegavam a madeira e davam a forma de um navio para facilitar a movimentação pelas águas. E isso sem sem nenhuma ferramenta especializada ou planos de construção. Cada belyana era única.

Não apenas isso, as belyanas não eram motorizadas, não tinham velas, não tinham remos. Elas só flutuavam e desciam o rio. No máximo, com âncoras (ou algo semelhante a isso) para controlar a direção. Não era algo divertido, assim como não era nada divertido construir isso, basicamente na base de martelo e pregos.

O comprimento do casco das belyanas podia chegar a cerca de 120 metros, 25 metros de largura e 5 metros de altura. Sua capacidade de carga era de até 12.800 toneladas, o que, claro, ia depender de quantas árvores seriam usadas para fazer a belyana, já que a carga era colocada até na base do “já deu, não rola mais!”. Convés superior simplesmente não existia. Lembrem-se: não era um navio de verdade, e sim um monte de madeira arrumada para ficar parecida com um navio de forma que fosse facilmente navegável por um percurso entre 2.000 e 3.500 km.

Entre os séculos XVIII e XIX, centenas de belyanas foram construídas e levadas para Astrakhan, onde eram totalmente desmontadas e a madeira vendida, mas isso não iria durar para sempre. Com a disseminação das ferrovias, as belyanas eram ineficientes e caras, pois era só colocar as madeiras nos vagões e preparar o próximo carregamento. Não se perdia vários dias construindo uma belyana para depois desmontá-la, e a última belyana foi construída em 1939. O arco-reflexo foi o desemprego, o que deve ter servido de argumento pros bolcheviques, mas nem eles quiseram trazer as belyanas de volta.

Esses colossos tiveram a sua época. Eram fantásticos, apesar de brutos. Era um trabalho duro e vc acabava vendo sua construção sempre desmantelada, mas não era uma escultura. Era algo com um fim próprio, e ao fim chegava ao terminar a jornada. Os leviatãs de outrora tinham uma existência efêmera e planejada. Era assim que deveria ser.

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