Ser paraplégico é ruim. A pessoa não só tem problemas de locomoção, ela perde muito além disso. só o fato de não conseguir ficar de pé e olhar as pessoas cara-a-cara, olhos nos olhos, já faz diferença, ainda mais que muitas cidades não estão preparadas para isso. Se você não é doutor em Filosofia nem ganha prêmios por defender que próteses são eugenia, você irá concordar que tudo o que um paraplégico quer é voltar a andar, ou andar pela primeira vez.
Ainda bem que Jered pôde, pode e sempre poderá contar com Ciência de verdade. Ele não precisa que filósofos lhe digam que ele tem que se conformar com sua situação.
Jered Chinnok agora tem 29 anos. Em 2013, ele se acidentou com seu snowmonile, machucando severamente sua medula espinhal na vértebra torácica, no meio das costas. Jered foi diagnosticado com perda completa de função abaixo da lesão da medula espinhal, o que significa que ele não poderia se mover ou sentir qualquer coisa abaixo do meio do seu torso.
Religiosos diriam que ele teria que se conformar com o destino, pois Deus sabia o que estava fazendo. Acadêmicos de Humanas diriam que é uma fatalidade não prevista e que a vontade dele de querer se recuperar e poder a andar era apenas uma não-aceitação de sua condição e filósofos diriam que a vontade de querer usar um exoesqueleto era apenas o ideal do Homem de Ferro, acabando com a sua humanidade.
Jered só queria andar de novo. Ele sabia que só havia uma forma de conseguir isso: Ciência. Ele se voluntariou para a pesquisa, que começou em 2016. Jered participou de 22 semanas de fisioterapia e, em seguida, recebeu um eletrodo cirurgicamente implantado.
Você anda e movimenta todas as partes do corpo mediante sinais que seu cérebro envia. Esses sinais são biofísicos e químicos, são sinais de substâncias químicas que atravessam as células e correntes elétricas que percorrem os neurônios. Esses sinais acabam indo pro lugar que tem que ir, acarretando na contração ou relaxamento de músculos. É como a fiação da sua casa. Você liga o interruptor, a corrente elétrica que vem da rede externa, passa pelo relógio e consegue circular pelos fios num circuito fechado, acendendo a lâmpada. Se você corta o fio em algum ponto, ou a luz da cozinha deixa de acender, ou a geladeira desliga ou, dependendo do ponto, acasa inteira fica sem luz. No caso de Jered, o corte foi feito na cozinha e na área de serviço, desligando tudo por lá. Para se resolver o problema de fio rompido, masta emendar um outro pedaço de fio remendando as pontas cortadas, de forma que a eletricidade possa fluir. Foi o que fizeram com Jered.
O eletrodo implantado numa das vértebras age como um estimulador enviando sinais direto pela medula espinhal. Assim, todos os neurônios reconheciam a ordem de mover as pernas, por exemplo. E Jered moveu! Ele foi capaz de pisar com um andador de rodas dianteiras, enquanto os treinadores prestavam assistência ocasional. Jered fez 113 visitas de reabilitação à Mayo Clinic durante um ano e alcançou marcas durante sessões individuais impressionantes. Ele andou um total de 102 metros em 331 etapas. Andou com assistência por 16 minutos a uma velocidade de 20 centímetros por segundo. Nada mal para quem não andava!
A pesquisa é conduzida pelo dr. Kendall Lee, neurocirurgião especializado em neurocirurgia estereotáxica e funcional. Ele também é diretor dos Laboratórios de Engenharia Neural da Mayo Clinic e é amarradão em saber o que você tem dentro da cabeça. Sua principal colaboradora é a drª Kristin Zhao, diretora do Laboratório de Tecnologia Assistiva e Restauradora da Mayo Clinic.
Juntos eles queriam ver se Jared conseguiria ficar de pé e andar, mesmo com ajuda. Ao longo das 113 sessões de reabilitação, os pesquisadores ajustaram as configurações de estimulação, além doe um dispositivo que servisse de andador que fosse seguro e confortável. O implante em si é aplicado na região epidural, a parte mais externa do canal espinhal, no espaço entre a dura-máter e a parede do canal raquideano, onde costumam aplicar a famosa anestesia peridural. O eletrodo se conecta a um dispositivo gerador de pulsos sob a pele do abdome e se comunica sem fio com um controlador externo. Quer videozinho? Toma videozinho!
A pesquisa, claro, está prosseguindo. São várias técnicas que vão se somando. São vários pesquisadores que em diferentes pesquisas, diferentes técnicas, estão promovendo algo que só existe em livros de contos de fadas: alguém chegar e dizer “Levanta-te e anda!”
Desculpem, religiosos. Desculpem lacradores de Humanas. A Ciência venceu mais uma. Enquanto escrevem aqui nos comentários tentando passar paninho para filósofo e sociólogo, duas importantíssimas áreas que ninguém sabe dizer para que servem ou em que trabalham, leiam publicação científica de verdade, com a pesquisa tendo sido publicada na Nature.