Cientista diz ser possível transplante de cabeças. Mas devemos?

Nossa ciência médica avança a cada dia. Conseguimos coisas maravilhosas nos últimos anos e a cada dia novas pesquisas surgem com promessas e ideias para prolongar nossas vidas, ou fazer-nos sofrer cada vez menos. Eu não tenho nenhum pudor com procedimentos extremos, mas isso não significa que não devemos questionar certas coisas. Uma delas é a proposta de um neurocientista que defende pesquisas para transplantes de cabeças. Deveríamos ver isso bem de perto, não?

.O dr. Sergio Canavero é membro do Grupo Turim de Neuromodulação  Avançada. Segundo o bom doutor, publicado sob a licença Creative Commons e que você poderá ler AQUI. Vai lá ler, eu espero.

Leu? Oh, tadinho, você não sabe inglês. Bem, não tem problema. A questão é que o doutor acha que em tempos de medicina do 3º milênio, há muito pouco impedimento técnico para que possamos transplantar a cabeça de uma pessoa na outra. Mas, mesmo que possamos fazer isso, até que ponto "podemos" fazer isso?

Entendam, eu não tenho problema, como falei no primeiro parágrafo, em tecnologias e ideias inovadoras. Mas ainda temos que ter responsabilidade com o que estamos fazendo. Não é uma simples questão de você ser Testemunha de Jeová e receber doação de sangue. Você está colocando uma cabeça que não pertence a um determinado corpo. Pode não haver, como diz Canavero, barreiras técnicas ao enxerto de cabeça de uma pessoa para o corpo de outra pessoa, mas ainda temos um pequeno detalhe chamado "ética".

Canavero descreve um procedimento modelado em transplantes de cabeça bem-sucedidas que foram realizadas em animais desde 1970, como nos experimentos de Sergei Brukhonenko, que desde a década de 1930. Brukhonenko desenvolveu um sistema cardio-respiratório artificial, onde ligava a cabeça de um cão e o mantinha "vivo", se é que aquilo significa estar vivo, e até respondia a determinados estímulos. Mas daí a dizer que a cabeça estava "viva" é discutível, pois até mesmo um corpo com morte cerebral pode ser mantido vivo.

No experimento de Brukhonenko, não havia um transplante de cabeça propriamente dito. A cabeça estava lá, paradona, só ela. Estava ligada a aparelhos e mais nada. Entretanto, ligar uma cabeça a um corpo é extremamente complicado, por causa das inúmeras ligações nervosas necessárias para que a cabeça pudesse comandar o corpo. É diferente de refazer ligações nervosas da medula espinhal em alguns ratos. Mas, claro, é um bom princípio.

Houve o caso de uma mulher que teve a cabeça quase separada do corpo. Não foi bem uma decapitação completa, mas uma decapitação interna, em que ela conseguiu sobreviver e está bem pelo que se tem notícia atualmente, de acordo com o site caça-tosqueira e-Farsas, especializado em desmentir palhaçadas à solta pela Internet. Aliás, foi o próprio Gilmar quem me sugeriu o presente artigo.

Eu fico pensando na confusão biológica que um transplante de cabeça acarretaria. Pensem bem: o órgão sujeito à rejeição seria a própria cabeça. Sendo que parte do cérebro os comandos imbecis para o sistema imunológico atacar os corpos estranhos. Mas nosso corpo é perfeitinho. Pergunte a qualquer pessoa que sofre de alergia crônica.

O dono da cabeça iria gostar do corpo que o receberia? Como seria a seleção? Imagino que obedeceria a critérios como etnia, pois seria muito bizarro a cabeça de um japonês ir parar no corpo de um indivíduo afro-brasileiro de dimensões bem avantajadas (aka, negão). Como as pessoas veriam essa pessoa? Veriam como Gilberto, o cara que doou o corpo ou o Vanderlei, que seria a cabeçona que foi parar lá? Isso sem falar de algum imbecil que acharia mais vantagem ter um transplante de cabeça num corpo saradão do que levantar a bunda do sofá e ir pra academia puxar ferro.

Canavero estima que o custo total de um transplante de cabeça seria de pelo menos 10.milhões de euros, acarretando que apenas ricaços teriam condições de arcar com os gastos desta técnica, mas isso é apenas uma fração do que os ricaços podem ter e os demais não podem, nada demais aí. O mundo continua sendo mundo.

Não creio, entretanto, que esta técnica seja pra já. Apesar de algumas cirurgias deste tipo tenham sido bem-sucedidas (malemal), Não é o tipo de coisa pronta para seres humanos, como a própria técnica de restaurar ligações entre células nos ratinhos do artigo supracitado. Não ficarei questionando filosoficamente sobre quem será o indivíduo. Ele não será Vanderlei nem o Gilberto. Ele será uma pessoa nova. O cérebro seria ainda do Vanderlei, pois é lá que está o cérebro e não no coração, pois isso é coisa das ideias insanas de Aristóteles, quem nunca soube quantos dentes suas duas esposas tinham. Ele ficará se questionando sobre seu papel, mas o pior é como as pessoas o enfrentarão, pois sabemos muito bem como nossa sociedade encara qualquer tipo de mudança, ainda mais quando ela é bem visível.

Outra opção seria usar corpos robóticos. Não que não fosse maneiro, mas isso nem sempre dá certo, apesar de de não pensar imediatamente o que pode dar errado. Pelo contrário, em alguns casos pode até ser legal.

Então, temos que questionar: até que ponto realmente podemos fazer isso? Pois não basta resolver um problema médico e criar um problema psicológico e um social. Não é culpa da Ciência, ela é amoral. Para isso, temos aqueles que servem de guardiões, analisando até onde realmente podemos ir, que são os comitês de ética.

A Ciência, portanto, é perfeita, pois se auto-fiscaliza. Se a Natureza pudesse fazer isso também, problemas de saúde não existiriam e transplantes não seriam necessários, poupando os seres vivos de mais e mais problemas. Mas ninguém disse que viver era fácil.


Fonte:Quartz

10 comentários em “Cientista diz ser possível transplante de cabeças. Mas devemos?

  1. Em relação às pessoas tetraplégicas, beneficiar-se-iam com o transplante? Veio essa questão em mente, posto que você não mencionou sobre isso no artigo. É um tema interessante e bem proveitoso tirando alguns empecilhos como a ética o valor demasiado alto e a ‘confusão biológicas’ já citados.

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    1. A pessoa tetraplégica se beneficiaria da outra pesquisa referenciada no artigo. O que eu discuti neste não é PARA QUE serviria este transplante. Leia de novo, sim?

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      1. @André, Realmente a abordagem dessa questão fugiria do objetivo central do artigo. De todo modo a pesquisa referenciada já foi de muito valia para mim.
        E por obséquio, como faço para alterar de avatar? Certamente o ‘patrick’ não faz jus a minha pessoa.

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    1. @Narkos, Primeiro tínhamos a discussão sobre a ética de se trocar o corpo de uma pessoa, agora temos a discussão ética sobre se criar uma pessoa com um defeito pré-determinado para que se realize a troca de corpo.
      Parabéns, mais trabalho para o comite de ética!

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  2. Muita dor de cabeça ainda será necessária para resolver TODOS os problemas técnicos que envolvem tais procedimentos.
    Eu pergunto, pois realmente não sei:
    Os cientistas já conseguem fazer a ligação ou “soldar” as fibras nervosas? Afinal de contas são 12 pares de nervos cranianos que devem ser conectados. Talvez esse seja o primeiro passo e o mais difícil, já, colocar uma cabeça em um corpo não é tão difícil assim, pois, soldar tecidos humanos é coisa dominada.

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  3. Seria interessante observar se uma cabeça com 60 anos de idade ao ser implantada num corpo clonado e obviamente bem mais jovem (e sem cérebro) faria a cabeça rejuvenescer.

    Quem sabe as células jovens do corpo “obrigassem” as velhas da cabeça a rejuvenescer? Não haveria rejeição, já que o corpo é da própria pessoa, pois foi clonado dela. É uma possibilidade. Isso faria com que o sonho da quase imortalidade (digo quase porque pessoas jovens também morrem).

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      1. @André, A degeneração dos telômeros é um problema, mas para a ciência é apenas questão de tempo para resolver esse e os outros problemas (e enigmas) do processo de envelhecimento. Espero estar vivo para colher os frutos, pois sendo ateu, não acho que exista um paraíso ou inferno me esperando. Prefiro prolongar ao máximo algo que tenho 100% de certeza que existe, ou seja, a vida que temos ^^

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