
Existe um momento mágico na burocracia brasileira em que o absurdo e a incompetência se encontram num abraço tão apertado que você não sabe se ri, se chora ou se muda de país. Os Correios acabam de nos presentear com mais um desses momentos antológicos: quase venderam um terreno avaliado em R$ 280 milhões em Brasília depois de receber um cheque borrachudo de R$ 500 mil. Detalhe: o cheque era de uma empresa que nem existe. Outro detalhe: levaram quatro meses (!) para descobrir que o cheque não tinha um centavo.
Ah, e para coroar a insânia, quem passou o cheque foi um pai de Santo, aquele que lida com as forças mágicas, arreia ebó e passa perna em estatal.
Tudo começa quando os Correios – relíquia da administração pública que em 2025 ainda consegue atrasar uma carta como se o pombo-correio tivesse GPS quebrado e está falido mais uma vez – decidiram vender as instalações da Universidade Corporativa, aquele lugar onde funcionários faziam cursos de especialização e aproveitavam piscinas, quadras e restaurantes, tudo bancado pelo contribuinte enquanto suas encomendas apodreciam em algum galpão de Curitiba. O terreno tem 212 mil metros quadrados no Setor de Clubes Esportivos Norte, área nobre de Brasília, a dois minutos do Iate Clube. Traduzindo: é o tipo de localização que faz corretor de imóveis babar e investidor dormir abraçado com a calculadora.
A estatal abriu licitação em junho e avaliou o imóvel em R$ 322 milhões. Apareceu quantos interessados? Um, só um! Mesmo porque, o brasocapitalismo é seletivo, ainda mais quando ceeeertas pessoas amigas de ceeeeeeeeeertas pessoas demonstram interesse. No caso em questão, o único participante foi a ONG CPM Intercab, de Taguatinga, comandada por Jorge Luiz Almeida da Silveira, o Pai Jorge de Oxossi, líder religioso do Candomblé que mantém um terreiro na Ceilândia. E antes que alguém venha acender a vela para o finado politicamente correto, o problema aqui não é o Candomblé (dessa vez), nem o pai de santo (dessa vez), nem ONGs (hummmm, ok, dessa vez), e sim tentar comprar um terreno milionário com um cheque de uma empresa tão inexistente quanto a esperança do brasileiro numa segunda-feira.
O pagamento inicial seria de R$ 500 mil, troco de pinga no valor total. E o glorioso cheque veio em nome da M. Gorete F. Alves Ltda, cujo CNPJ só existe na imaginação de alguém com tempo livre e acesso ao Excel, ou em manifestações mediúnicas de espíritos obsessores obcecados por dinheiro. O número era quase idêntico ao de outra empresa verdadeira, a MG Incorporadora, de uma tal Maria Gorete que, por coincidência, foi presa por aplicar golpes. O elenco é digno de minissérie da Record: pai de santo, golpista e estatal, e um cheque que não valia nem pra embrulhar peixe.
Segundo o próprio Pai Jorge contou ao Estadão, Maria Gorete apareceu no terreiro prometendo financiar um projeto social com cursos para jovens da periferia e aulas de teologia africana. Lindo e inspirador, certo? Problema que ela picou a mula, sumiu, escafedeu-se, nunca mais atendeu ligação e, segundo a polícia, aplicava golpes vendendo terrenos e sumindo com o dinheiro. É o Tinder dos imóveis: dá match, recebe o Pix e bloqueia. O cheque, por sua vez, foi tão espiritual que nem o caixa eletrônico conseguiu incorporar o valor.
Agora o clímax da incompetência: o cheque foi entregue em 26 de junho. Os Correios só descobriram que era sem fundo em 24 de outubro. Quatro meses! Cento e vinte dias. Duas mil oitocentas e oitenta horas. Tempo suficiente pra ter um filho, plantar uma árvore, escrever um TCC ou atravessar o Atlântico a remo (ou tudo isso junto). Mas aparentemente insuficiente pra checar se um cheque compensou.
Em julho, o então presidente Fabiano Silva desconfiou da história e pediu à área de compliance que investigasse. O relatório trouxe o óbvio: ONG sem capital social, dirigente com auxílio emergencial e todas as bandeiras vermelhas possíveis tremulando sobre o Eixo Monumental. A Diretoria de Administração leu, bocejou e concluiu: “Tranquilo, segue o baile.” Fabiano suspendeu o processo, mas antes que o Conselho analisasse, a ONG desistiu da compra, e ainda pediu devolução do “dinheiro pago”.
Spoiler: não tinha dinheiro nenhum. O cheque era tão ectoplasma que o banco deve ter sentido um arrepio quando ele chegou.
Um ofício interno resumiu o fiasco com poesia burocrática: “Entre 26/06/25 e 24/10/25, não foi identificado qualquer crédito da empresa M Gorete F Alves Ltda.” Tradução: o cheque não valia nem pra calçar mesa. Milagre que não venderam o terreno — ou só sorte mesmo, porque competência passou longe.
Pai Jorge, surpreso, disse que não sabia de nada e que ainda pretende comprar o imóvel. Os R$ 279,5 milhões restantes, segundo ele, seriam pagos com letras do Tesouro que a ONG “possui”. Uma entidade sem capital, cujo dirigente recebeu auxílio emergencial, mas com ativos públicos. É o ebó financeiro: invoca espírito de investimento e espera que o Tesouro Nacional atenda o chamado. Saravá, mizifio!
Os Correios, tentando salvar o que restou de dignidade, emitiram nota dizendo que “o processo seguiu todas as normas” e que pagamento por cheque era permitido. Aparentemente, seguir norma agora significa desligar o cérebro e acender uma vela pro acaso. A estatal promete uma nova licitação, porque o problema, claro, não é o cheque de Nárnia, nem a empresa fantasma, nem o fato de levar quatro meses pra perceber o óbvio. É o edital.
E assim seguimos, generosos contribuintes desse circo que chama de “empresa pública” o que deveria ser apenas estudado em aula de sátira política. Os Correios quase presentearam um terreno bilionário porque ninguém fez a checagem que até loja de celular faz com cheque de R$ 200. Incompetência de nível olímpico, lapidada por décadas de burocracia, autossabotagem e negação da realidade.
Entretanto, sempre temos aquele adágio: Nunca atribua malícia ao que pode ser explicado pela estupidez… mas de vez em quando é malícia, mesmo!
Próximo capítulo? Pagamento em conchas, pedras de plástico ou despacho com farofa e cachaça. Porque nos Correios a única coisa que sempre chega no prazo é a insânia.
Fonte: Big State

Um comentário em “Correios quase vendem terreno milionário em troca de cheque borrachudo de Pai de Santo”