
O cientista sobe as escadas. Pé ante pé. Ele não era bem para estar ali, mas ele precisa estar ali. O experimento precisa ser feito. A face resoluta olha para cima. Pé ante pé. Degrau por degrau. Andar por andar. Ao chegar no seu destino, o cientista cofia a barba, ajeita-se empertigado. Olha para baixo e vê todas as pessoas reunidas. O homem ergue ostentosamente as duas esferas, cada uma com uma massa, e as deixa cair e o que se viu maravilhou a todos ali: elas caíram ao mesmo tempo!
Do alto da Torre de Pisa, Galileu entra para a história, de braços abertos, e pose de triunfo sob aplausos de todos ali.
A Torre Inclinada de Pisa é maravilhosa, apesar de sua “maravilha” ser um misto de acidente e incompetência. Quanto à historinha acima, ela teria acontecido em 1591, mas ela é… cof cof cof… apócrifa, e como diria o Analista de Bagé, apócrifo é mentira bem educada.
Segundo o mito, Galileu fez o experimento para provar a Lei da Queda Livre, se aproveitado dos quase 60 metros de altura da Torre. Isso nunca aconteceu, mas como turismo vende, tem uma placa na torre comemorando o experimento.

A Torre Inclinada de Pisa, possivelmente a torre mais famosa do mundo, é um marco icônico que tem fascinado e intrigado as pessoas por séculos. Mas o que exatamente é essa estrutura? Por que foi construída? E como ela conseguiu resistir à gravidade e permanecer de pé por todos esses anos? Como ela acabou daquele jeito?
A Torre está localizada na cidade de Pisa (você deve ter imaginado isso), na região da Toscana, Itália, a cerca de 10km do mar e acerca de 80km a oeste de Florença.
A Torre, na verdade, é um campanário independente, ou seja, uma torre de sinos que não está ligada à igreja principal. Este tipo de estrutura é comum na arquitetura italiana, como pode ser visto na Basílica de São Marcos, em Veneza, e no Duomo de Florença.
A torre fica ao lado da Cattedrale Metropolitana Primaziale di Santa Maria Assunta, uma vasta e bela catedral situada em uma ampla praça verde no coração da cidade. A catedral foi construída quando Pisa era uma república marítima rica e poderosa, com frotas mercantes e navais navegando por todo o Mediterrâneo. Foi o ouro do comércio e da conquista de Pisa que pagou a construção da sua grande catedral, iniciada no século XI.

A construção da torre começou em 1173 e durou 199 anos, e o encarregado do projeto para correção do erro foi o escultor Bonnano Pisano (1150? – 1200?), escultor já renomado; aliás, o próprio nome de Bonnano já indica onde ele nasceu. “Pisano” não é nome de família, e sim a origem dele, com era de praxe naquela época, como um certo sujeito que nasceu em Vinci, que você também deve ter ouvido falar.
E não, não havia faculdades ou escolas de Arquitetura. Não da forma como você pode imaginar; normalmente, estes tipos de construções ficavam a cargo de artistas e escultores. Normalmente, o ofício era aprendido na prática. Talvez isso explique o problema que se sucedeu.
Ao escolher o local de construção, Bonnano não fez o mais básico de uma construção: examinar o terreno. A Torre foi construída sobre um terreno de argila e areia, o que não são considerados como os melhores materiais para sustentar algum tipo de edificação, quanto mais daquele porte. Resultado? Os seus três primeiros andares mal tinham acabado de ser erguidos quando foi notada uma ligeira inclinação, devido ao afundamento do terreno e ao assentamento irregular das fundações.
Bonnano tentou compensar a inclinação construindo os demais cinco andares ligeiramente mais altos do lado em que a estrutura pendia para baixo. Ele também se certificou de orientar que o peso dos materiais de construção fosse distribuído de forma desigual para que, mesmo que a torre parecesse desequilibrada, seu centro de gravidade ficasse mais ou menos sobre a base, para que ela não caísse.
Claro, qualquer pessoa normal, mesmo que não tenha grandes estudos de Arquitetura, consegue ver logo que isso não faz sentido e só pioraria a situação. Bem, piorou: o excesso de peso só fez a torre afundar ainda mais, principalmente pelo fato que Bonnano Pisano realmente não estudara o terreno. Ele era um escultor e normalmente suas esculturas não tinham aquele tamanho, e muito menos ficava num local como aquele.
Gregos e romanos não tinham tido problemas com essas construções por escolher lugares com solos rochosos. As estradas romanas eram construídas com os arquitetos mandando fazer camadas de rochas e outra de cascalhos para garantir. Bonnano não tinha os conhecimentos de arqueologia, pois estes conhecimentos só seriam descobertos séculos depois. De qualquer forma, ele não viveu muito para sequer ver a torre ser terminada.
Ao longo dos anos, a torre continuou inclinando-se, apesar de várias tentativas de endireitá-la. No século XX, ficou identificado que a torre passou a se inclinar cerca de 1,2 milímetro por ano. Quando essa pendência em relação ao eixo chegou a 4,5 metros, em 1990, ela foi fechada ao público, sob risco de desmoronar. Desde então, várias propostas foram feitas para salvar a torre, até que uma delas, formulada por uma comissão de 14 especialistas, foi finalmente escolhida. Os trabalhos começaram em 1997 e só terminaram em junho de 2001, reduzindo em 40 centímetros a inclinação da torre.
Poderia ter sido possível tornar a torre completamente vertical, mas isso teria prejudicado a indústria turística de Pisa, e qualquer Ferenghi diria que torres inclinadas são uma ótima oportunidade de negócio. Dessa forma, os políticos de Pisa decidiram manter sua inclinação, mas com contínua supervisão para ver se a distinta torre volta a se inclinar.
A Torre Inclinada de Pisa é mais do que apenas uma curiosidade arquitetônica; é uma obra-prima da arquitetura românica. Este foi o estilo que precedeu o gótico: arcos arredondados, pequenas janelas, arcadas e uma sensação de proporção robusta, quase monolítica. Fileiras após fileiras de arcadas esculpidas em pedra calcária brilhante e mármore branco como a neve, cada uma decorada com uma infinita variedade de capitéis, sejam flores ou animais horríveis, típicos da arquitetura românica.
Talvez, o maior legado dela foi o erro que levou a outros projetistas pensarem em novos métodos de construção e escolherem onde erigir seus monumentos. Muitos aprenderam, mas ironicamente não venceram o teste do tempo e desapareceram nas brumas da história, enquanto a inclinadinha está lá até hoje.

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