Tecnologia é algo fantástico, mas não devemos endeusá-la, ainda mais quando algumas peculiaridades técnicas estão envolvidas, como por exemplo, como o corpo humano funciona. As pessoas acham que sabem mais que médicos e que um app de celular resolve tudo. Daí acaba com a surpresinha que 37 mulheres da Suécia tiveram, quando engravidaram e puseram a culpa num app chamado Natural Cycles, que é certificado na Europa e isso diz muito pouco.
Esses mulheres acabaram abortando e reclamaram da incompetência do aplicativo, que alega ser bastante preciso. Afinal, é a tabelinha 2.0?
Não, não é. Tabelinha se baseia na ocorrência estatística da ovulação, que é calculada com base no dia que a mulher menstruou pela última vez. Normalmente, 14 dias após a menstruação (uma espécie de faxina geral do útero, cujas paredes colapsam e desce tudo pelo canal vaginal sob a forma de uma meleca sanguinolenta), cuja duração média é de 5 dias (com extremos normais limitados entre 3 e 8 dias) e o intervalo normal entre dois ciclos é de 28 dias em média. A fase luteínica ou fase lútea é a última fase do ciclo menstrual, nos humanos e alguns animais, ou do ciclo estral nos restantes mamíferos placentários. Esta fase tem início com a formação do corpo lúteo e termina com a gravidez ou luteólise, dependendo se ocorre ou não fertilização.
A ICAR acha que este é um método natural e está aprovado para servir de anticoncepção. O problema é que em largos grupos temos fatores caóticos, ou seja, fatores não previsíveis, e quanto maior o grupo, mais imprevisível será. Ou seja, é impossível garantir que todas as mulheres tinham ciclo de 28 dias (e não têm), assim como é impossível garantir que todas ovulem exatos 14 dias depois da menstruação (e não ovulam), assim como é impossível ter certeza a partir de qual dia da menstruação vai se contar até chegar na ovulação. Em outras palavras, é um método tosco, imbecil e retardado, apesar de ter alguns aplicativos que façam esta conta. Mas não é o caso do Natural Cycles.
O Natural Cycles usa o conceito do método sintotermal. Ele se baseia na temperatura corporal basal, na secreção vaginal e no colo uterino. A temperatura corporal basal é a temperatura mais baixa de seu corpo em um período de 24 horas, normalmente, ocorre durante o sono. Assim, como toda peça extremamente tecnológica como este aplicativo, você precisa de algo mais tecnológico ainda: um termômetro (já começou um erro). Daí, a distinta senhora ou senhorita terá que medir a temperatura todo dia ao acordar, mas sem se mexer muito nem sair da cama, de forma que o corpo não comece e se aquecer.
E não, não é para medir lá onde tudo começa e tudo se resolve. A recomendação é medir a temperatura embaixo da língua, procurando medir sempre na mesma hora, com o detalhe que você tem que ter ficado adormecida pelo menos por duas horas antes da medição. Se não dormiu direito, meça assim mesmo, mas já sabe que este valor será meio suspeito e considerado como um erro estatístico. Joga esses valores no app.
Antes da ovulação, sua temperatura basal provavelmente varia entre 36,2ºC e 36,5ºC. Sentiu o porque do “começou o erro”, certo? Já começa que isso varia de pessoa para pessoa e, em segundo lugar, medir décimos de graus Celsius é complicado e não há garantia de precisão num termômetro que (imagino eu) seja de mercúrio, mas mesmo o de álcool não será preciso. O melhor seria se o termômetro for eletrônico, mas como ter certeza da calibração?
Mas o que a temperatura tem a ver com gravidez?
Simples: Dois ou três dias depois de ovular, as mudanças hormonais em seu corpo devem provocar um aumento de 0,2 a 0,5 grau Celsius em sua temperatura basal. Ao tabular os vários dados coletados ao longo dos dias, um gráfico mostra que a temperatura fica mais alta até sua próxima menstruação, quando volta a cair. Assim, pensemos, basta analisar o gráfico de temperatura e ver quando ele começa a cair que, com certeza, a menstruação tá vindo aí. E se tem menstruação, não tem ovulação (o que TAMBÉM não é garantia).
O aplicativo, que é certificado na Europa como um método contraceptivo, custa US$ 8,99 mensais e funciona como descrito acima, além de registrar a data da última menstruação e outros dados, o aplicativo calcula quais são os dias férteis da usuária, que recebe alertas verdes ou vermelhos relativos ao uso necessário ou não de um contraceptivo adicional. Nos Estados Unidos, porém, o app não ganhou certificação, porque lá eles são mais espertos e sabem que isso não daria em boa coisa.
Motivos? Variações de décimos de grau podem ocorrer até se você sair no Sol, foi para praia e voltou de noite. Tomou bebida alcoólica? Show! O sangue correrá para as camadas mais superficiais, o que denota aumento de temperatura (por isso que você sente seu corpo esquentar, quando na verdade está perdendo calor). Infecções também aumentam a temperatura corporal e algumas pessoas simplesmente têm temperatura corporal maior que as outras, ou sequer mantém uma constância na temperatura ao longo do dia ou mesmo dormindo. Isso aliado ao fato do uso indevido e não medir a temperatura de forma correta ou lê-la de forma adequada.
O erro vem da crença sem embasamento que o corpo humano é perfeitinho e funciona como um relógio suíço, sendo uma máquina maravilhosa, quando é uma gambiarra mal-feita, oriunda por processos não planejados, que funciona mal e porcamente. Aplicativo nenhum fará mágica, a despeito do que o pessoal do Marketing diga. Continuem confiando.
Fonte: Estadão
O André nunca perde a oportunidade de alfinetar o Design Inteligente.
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Alguma delas engravidou sem ter feito o tchaca tchaca? Há 2018 anos perdi esse evento cataclísmico…. dessa vez eu não perco não…
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Ciência, mano.
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