Caio Júlio César é um ícone na História. Suas campanhas militares são lendárias e dignas de virar filme, e eu ainda não entendi por que não o fizeram. Mestre na arte militar e política, ele acabou se tornando Pretor Máximo ou Ditador. Naquele tempo, o termo “ditador” tinha outra conotação. O Ditactor era uma espécie de guardião romano para restabelecer a paz e manter a ordem geral. Tudo bem que dali ele aproveitou se tornando Cônsul de Roma e, por fim, Imperador (se bem que o título de imperador, mesmo, foi dado a Otávio Otaviano, que subiu ao poder com o título Augusto César). Seus feitos militares foram escritos pelo próprio César, mas nem se pode dizer que ele saiu mentindo. Outras fontes como Salústio, Suetônio, Plutarco, Tácito e Cícero confirmam muito do que ele disse, além de citar outros feitos exceto a parte do “Até tu, Brutus?”. Isso foi invenção de Shakespeare)
Em 55 AEC, Júlio César, ainda general, invadiu o que era conhecida pelos gregos como Ilhas Cassiteritas (tinha este nome por causa da grande quantidade de estanho, que era usado para produzir o tão necessário bronze). Só que Roma não curtia muito este nome e chamou o local de Britannia, e que hoje é o sul da Inglaterra. Há muitos relatos sobre a façanha, mas não um registro arqueológico sobre o ocorrido.
Ou não tinha.
O dr. Andrew Fitzpatrick é pesquisador associado da Faculdade de Arqueologia e História Antiga da Universidade de Leicester. Sua especialidade é pré-história tardia, mas agora ele está atrás de César e suas façanhas. Sabe-se, por exemplo, que as hostes romanas despejaram legionários de 800 navios, um número considerável para hoje, quanto mais para aquela época. O problema: não tinha se achado nada. Uma imensa força de combate assim deveria ter deixado algum indício para a posteridade, pois não?
Bem, escavações apontam que o evento se deu no ano 54 AEC, na região de Pegwell Bay, na Ilha de Thanet, na região nordeste do condado de Kent. Fitzpatrick e seu pessoal andaram escavando a área e encontraram um assentamento que tinha uma fogueira defensiva, além de uma ponta de lança de dardo (chamado de “pilum”) na região de Ebbsfleet, uma pequena aldeia na Ilha de Thanet. Durante a escavação encontraram um fosso semelhante a como os romanos faziam para proteger um acampamento. Normalmente, faziam isso para dificultar que alguém resolvesse ataca-los de surpresa.
A vala é de cerca de 5 metros de largura e 2 metros de profundidade e foi datada com o auxílio de peças de cerâmica e armas de ferro fundido encontrados no local. A datação é do século I AEC, e é muito semelhante às defesas romanas em Alésia, na França, onde ocorreu uma batalha decisiva na Guerra Gálica em 52 AEC, quando ele finalmente captura Vercingetorix. Na Alésia, foram 25km de fossos e trincheiras circundando a fortificação dos gauleses, com outra série de fossos virados para o outro lado para impedir que Vercingetorix recebesse reforços. César planejava (e conseguiu) isolar os gauleses de forma que eles começassem a passar fome. O líder dos gauleses acabou se rendendo de forma altiva, como o próprio César narra em De Bello Galica. César até pareceu reconhecer a coragem e nobreza de Vercingetorix, mas guerra é guerra, e ele precisava mostrar quem mandava. O Capitão América da Gália acabou sendo executado e seu corpo levado até Roma para o Triunfo.
Assentamento em Ebbsfleet
Voltando ao fosse encontrado em Ebbsfleet, Fitzpatrick aponta as cercanias de Pegwell Bay formam uma das únicas baías na vizinhança que poderia ter fornecido o porto para uma enorme frota de navios romanos, ainda mais que a topografia local é bem descrita nos diários de Júlio César, guardando, claro, efeitos de intemperismo e erosão do local em todos esses séculos que se passaram.
César descreveu como os navios foram ancorados em uma costa comprida e aberta e como eles foram danificados por uma grande tempestade. Esta descrição é consistente com a Baía de Pegwell, que hoje é a maior baía da costa do leste de Kent e está aberta e plana. Hoje, o terreno de Ebbsfleet está mais para o interior, longe da costa, mas são mais de 2 mil anos de eventos. Especialistas argumentam que, no momento da invasão, a referida região estaria muito mais perto da costa.
Navio Romano
Arqueologia é uma ciência fascinante. Demanda calma e paciência. Pegar informações aqui e ali, ir em bibliotecas, ler manuscritos muito antigos e escavar seguindo pistas deixadas milênios atrás, com informações sobre fatos perdidos no tempo. A cada momento estamos reescrevendo os livros de História, aprendendo mais sobre nós mesmos,nossos antepassados e como chegamos aqui, sabendo como tudo aconteceu.
Fonte: Universidade de Leicester.