Ecolocalização: o fator que une morcegos e baleias

Se você já viu algum filme com submarinos, você deve ter ouvido falar do sonar. Submarinos não podem usar radares embaixo d’água, por causa do meio envolvente. Assim, usam algo melhor: ondas sonoras. A velocidade do som é diretamente proporcional à densidade do meio no qual ele se propaga; e é por causa disso que o som não se propaga no vácuo, pois o som é uma onda mecânica e não eletromagnética.

Antes do homem ter inventado aparelhagens que usam ondas sonoras para mapearem o meio à sua volta, morcegos e baleias dentadas já faziam isso, mas de uma forma um tanto diferente, mas não menos eficiente mediante às suas necessidades. Obviamente, alegarão que isso é um projeto “inteligente”, mas não me importo com gente que acha que tudo é perfeito, assim como vírus, bactérias e as mortes horrorosas que ambos podem causar. Enfim…

Pesquisadores da Universidade Normal do Leste da China e da Universidade de Michigan, EUA – independentemente – traçaram uma correlação entre duas ordens de mamíferos: Chiroptera e Cetacea (morcegos e baleias, em linguagem corrente, mas não exclusivamente).

O que morcegos e baleias, que parecem tão distantes na escala evolutiva, poderiam ter em comum? O seu sonar natural, pois tanto um como outro usam ondas sonoras para se locomoverem e achar alimento. E não, ao contrário do que diz o mito, morcegos não são cegos.

As habilidades de ecolocalização dos morcegos e baleias, embora diferentes em seus detalhes, repousam na mutação genética do mesmo gene: Prestin. Estas mudanças têm produzido tais proteínas semelhantes que, se você desenhou uma árvore de família com base em suas seqüências de aminoácidos, morcegos e baleias dentadas acabariam num mesmo grupo coeso, com exclusão de outros morcegos e baleias que não usam o sonar.

É, pois é. Não são todos os morcegos, nem todas as baleias que possuem esta capacidade, pois algumas dessas espécies não tiveram mutação no respectivo gene, dada a aleatoriedade da possibilidade de se ter uma mutação. Mutações não são previsíveis, logo, aqueles que tiveram ficaram mais uma vez sujeitos às garras da Seleção Natural. Como podemos ver, alguns se deram bem, perpetuando-se através de seus descendentes.

O nome de tal evento, quando duas espécies de ordens distintas (ou não), possuem uma mutação originando características semelhantes (no exemplo em questão: o uso da ecolocalização), damos o nome de “Evolução Convergente” ou “Convergência Evolutiva”. Um outro exemplo de evolução convergente é em relação aos golfinhos e peixes, já que ambos possuem nadadeiras e vivem em ambiente aquático. Todos, sem exceção (sim, isso nos inclui também), estamos evoluindo (evolução não significa melhoria) sob pressões evolutivas e temos respostas (similares ou não) onde o fator diferencial é o quanto cada um de nós estamos adaptados para sobrevivência.

Aceitando, ou não, essa é a verdade.

A incrível ironia disso tudo é que a pesquisa foi efetuada de um modo, digamos, Zen. Falo isso pois os pesquisadores formam um Yin Yang no processo científico. Ainda mais devido aos seus nomes: Ying Li é pesquisador da Universidade de Michigan e juntamente com Yang Liu, da Universidade Normal do Leste da China, chegou às mesmas conclusões em suas pesquisas, apesar de um não estar trabalhando em conjunto com o outro. Casos do acaso ;)

O Dr. Yang Liu da Universidade Normal do Leste da China já havia mostrado que a ecolocalização dos morcegos advém da expressão do gene Prestin, assim como nas baleias e nos golfinhos. Com base no sequenciamento dessas versões do referido gene no DNA, Liu desenhou uma nova árvore filogenética dos mamíferos. Os mamíferos capazes de ecolocalização, sejam eles morcegos ou baleias, são unidos como parentes próximos. Ao lado vocês podem ver a árvore filogenética (ou Árvore da Vida) desenhada por Liu (tradução minha). Clique para ampliar. Sua pesquisa foi publicada no periódico Current Biology .

Quanto a Ying Li, da Universidade de Michigan, o resultado obtido em suas pesquisas foi semelhante, pois ele seqüenciou o gene Prestin no golfinho nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus, também chamado de golfinho-comum ou Flipper, para os íntimos) e comparou-a sequências de outros mamíferos. Novamente, ele descobriu que as seqüências do gene Prestin no golfinho eram semelhantes aos dos morcegos. Evolução convergente.

Mas, óbvio, nem tudo é igual nos nossos amigos, como era de se esperar (eu sei que vai ser um choque, mas morcegos não nadam e golfinhos não voam). Os filhotes de Batman criam seus impulsos ultrassônicos (sua frequência é tão alta que nossos pobres ouvidos humanos não captam) através de suas cordas vocais, enquanto que as baleias usam as passagens de ar de suas fossas nasais. Então, o que raios o Prestin faz? Ele é responsável pela codificação de motores moleculares que por fim moldarão a cóclea, a porção do ouvido interno dos mamíferos onde estão os terminais nervosos responsáveis pela audição. Em outras palavras: os filhotes de batman e os descendentes do Flipper emitem sons de maneiras diferentes, mas escutam de modo similar. E é nisso que se baseia o sonar: emissão e recepção do som que foi refletido por alguma área densa o suficiente de modo a refletir as ondas sonoras. O tempo (e a forma) que o som leva do momento que foi emitido até ele voltar aos ouvidos determina e caracteriza a localização.

O som é diretamente recebido nas células ciliadas externas, dentro da orelha (atualmente, chama-se “ouvido externo”, o que eu acho um nome bem idiota, inventado por um cara que não tinha o que fazer). O Prestin foi ativado nessa situação, a Seleção Natural fez o seu serviço, e, dessa forma, estes mamíferos são capazes de ouvir freqüências altas. Nas espécies dotadas de ecolocalização (você que está lendo isso não está incluso, lamento), estas células são mais curtas e mais duras que o normal, tornando-os extremamente sensíveis às freqüências ultrassônicas.

O Dr. Liu (sim, o da universidade chinesa) usou suas seqüências para reconstruir como teria sido o ancestral de todos os morcegos e de todas as baleias. Estudando estas versões “originais”, Liu determinou que as espécies acumularam o mesmo conjunto de 14 variações de aminoácidos: 14. Isso significa dizer que o caminho evolutivo que ambos passaram são praticamente os mesmos. Aquelas espécies que tiveram outros tipos de variações não proporcionaram descendentes que pudessem ser capazes de ouvir ondas ultrassônicas. Talvez, por isso, que só pouquíssimas espécies são capazes de tal proeza.

A pesquisa de Ying Li foi publicada também na Current Biology . Convergência?

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