Quando o pulmão não funciona, apele pro bumbum

Existe um momento na carreira de todo cientista em que ele precisa se perguntar: “Será que isso é genialidade ou loucura?”. Bem, na certa vocês me perguntariam até que ponto a pesquisa iria. “Simples”, responderia eu. Um pesquisador da Universidade de Osaka teve a epifania quando decidiu investigar se humanos poderiam, em caso de emergência, respirar pelo traseiro. Não, isso não é trama de filme trash de ficção científica dos anos 80, embora devesse ser.

O dr. Takanori Takebe foi o autor dessa ideia tão inusitada que em 2024 recebeu o Prêmio IgNobel de Fisiologia, aquela honraria que celebra pesquisas que “primeiro fazem você rir, depois pensar”. Porque convenhamos, a primeira reação ao ouvir falar em “ventilação enteral” (o termo científico chique para “respiração anal”) é uma mistura de riso nervoso com incredulidade. Mas aqui está o plot twist que ninguém esperava: a coisa funciona. Ou pelo menos parece que vai funcionar, o que já é um passo gigantesco para a humanidade. Literalmente e figurativamente.

Em outubro de 2025, resultados positivos foram publicados na respeitada revista científica Med sobre o primeiro teste clínico em humanos avaliando os potenciais benefícios dessa técnica bizarra. Vinte e sete voluntários masculinos saudáveis aceitaram segurar entre 25 e 1.500 mililitros de um líquido especial de perfluorocarbono dentro de seus retos por uma hora. Imagina o anúncio de recrutamento para essa pesquisa. “Procuram-se voluntários para experimento médico inovador. Requisitos: ter um intestino funcional e zero vergonha.”

A inspiração para esse projeto veio de observar a natureza, especificamente de um peixe do gênero botia, do filo Cobitidae, com cerca de 20 espécies descritas. que vive no fundo de rios e tem uma habilidade peculiar: quando o oxigênio da água está baixo, ele simplesmente engole ar da superfície e absorve o oxigênio através do intestino, complementando o trabalho das guelras. É um sistema respiratório de emergência que permite ao peixe sobreviver em condições de baixo oxigênio. Tartarugas, porcos e certos outros mamíferos também possuem essa capacidade. A pergunta que Takebe fez foi simples e perturbadora: por que não nós?

O conceito técnico por trás disso é chamado de “ventilação enteral”, uma abordagem emergente que fornece oxigenação sistêmica parcial independente das trocas gasosas pulmonares, permitindo que os pulmões descansem. Em português claro: quando seus pulmões estão bem ferrados – seja por bloqueio por inflamação, infecção ou trauma – seu intestino pode assumir parte do serviço. As paredes intestinais das botias agem como um sistema respiratório de emergência, puxando oxigênio diretamente para a corrente sanguínea.

O líquido mágico usado no experimento é o perfluorodecalina, um composto de perfluorocarbono com capacidade excepcional de carregar oxigênio dissolvido. Se o nome soa familiar para fãs de cinema cult, é porque o falecido cientista Leland Clark inventou um líquido similar chamado Oxycyte nos anos 80, que originalmente foi desenvolvido como sangue artificial. Embora o produto não tenha avançado como forma de sangue artificial, o filme “O Segredo do Abismo” de 1989 incluiu uma cena famosa mostrando um rato “respirando” o líquido especial. James Cameron estava décadas à frente da medicina respiratória, aparentemente (sendo que o Ed Harris não estava respirando pela bunda).

Os primeiros dados humanos são limitados apenas a demonstrar a segurança do procedimento, não sua eficácia, explica Takebe com a cautela típica de quem sabe que está mexendo com o traseiro das pessoas, literalmente. Os sinais vitais permaneceram estáveis e ninguém sofreu problemas duradouros, embora participantes que receberam volumes maiores tenham sentido inchaço e desconforto. O que é compreensível quando você está segurando um litro e meio de líquido espacial no reto por uma hora. Não deve ter sido a melhor terça-feira daqueles rapazes.

O próximo passo – e aqui a coisa fica séria – é testar se o oxigênio realmente passa do traseiro para a corrente sanguínea de forma eficiente. Nesta primeira fase, o líquido usado não estava oxigenado; era apenas para verificar se o método era seguro e tolerável. Agora vem a parte onde eles vão bombear líquido oxigenado lá para cima e medir se os níveis de oxigênio no sangue sobem sem usar os pulmões. É ciência de ponta com um toque de comédia pastelão.

Se bem-sucedido nos testes humanos em andamento, o processo relativamente low-tech pode permitir que hospitais salvem pessoas quando as vias aéreas estão bloqueadas por lesão ou inflamação, ou quando a função pulmonar está severamente limitada por infecções e outras complicações. Estamos falando de uma alternativa potencial à ventilação mecânica tradicional, que frequentemente pode causar danos adicionais aos pulmões já comprometidos. Takebe lançou uma empresa chamada EVA Therapeutics para levar este projeto adiante.

A lição aqui transcende o deboche óbvio: pesquisa científica que parece ridícula à primeira vista pode ter aplicações profundamente sérias. O IgNobel existe exatamente para celebrar esse tipo de trabalho: investigações inicialmente hilárias, mas que podem mudar vidas no final. E convenhamos, se você pode salvar alguém de morrer de insuficiência respiratória usando uma técnica que parece ter sido inventada por roteiristas de South Park, você faz sem pestanejar.

A pesquisa foi publicada no periódico MED, mas isso eu falei antes.

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