
No meio do deserto do Níger, tinha um meteorito; tinha um meteorito no meio do deserto do Níger. Até aí, nada de novo, afinal, o Espaço vive despencando sobre nós em pequenas parcelas. Mas esse aqui não era qualquer pedregulho espacial. Era um pedaço colossal de Marte. Uma rocha vermelha, com quase 25 quilos de pura nostalgia interplanetária e uma história digna de novela cósmica.
Batizado oficialmente de NWA 16788, o meteorito é o maior fragmento marciano já encontrado na Terra. Para efeito de comparação, ele é cerca de 70% maior que o segundo colocado no ranking marciano. Enquanto a maioria dos meteoritos de Marte cabe na palma da mão (e às vezes nem nela), esse exige as duas mãos e talvez um guindaste.
A descoberta foi feita em julho de 2023 por um caçador de meteoritos na região de Kefkaf, no Níger, um lugar tão remoto que nem as cabras arriscam. Um pedacinho do pedregulho espacial e muito amado foi enviado para o Museu de Astronomia de Xangai, que não só confirmou a origem extraterrestre como também revelou algo ainda mais épico: ela não era só de Marte, ela era um Shergottito.
“Shergottito” soa como nome de cachorrinho, mas é coisa séria. Trata-se de um tipo raro de rocha ígnea vinda de Marte, formado em lavas resfriadas e frequentemente associado a impactos violentos. Essa em especial tem uma textura porfirítica, olivinas com zonas químicas variadas e traços de minerais com nomes que parecem vilões da Marvel: merrillita, ilmenita, maskelynite e pyrrhotite. Obrigado, Meteoritical Society.
Mas não é só o pedigree mineralógico que impressiona. A história da rocha envolve um evento marciano de tirar o fôlego (literalmente): um asteroide colidiu com Marte com força suficiente para lançar essa pedra rumo ao Espaço Sideral. Lá, ela vagou como um órfão cósmico por sabe-se lá quantos milênios, até mergulhar na atmosfera terrestre com a graça de um tijolo em chamas. A crosta brilhante que cobre parte da sua superfície é uma cicatriz do atrito atmosférico, e também um lembrete visual de que o Universo não tem freio ABS.
Agora, essa preciosidade está prestes a ser leiloada pela Sotheby’s de Nova York, com lances estimados em até 4 milhões de dólares. E é aí que a coisa sai da ciência e entra no drama humano.
De um lado, temos a visão romântica. O professor Steve Brusatte, da Universidade de Edimburgo, lamenta que uma peça tão rara possa acabar “no cofre de um oligarca” em vez de em um museu. “Pertence ao público”, diz ele. “Devia ser visto por crianças, famílias, gente com olhos arregalados e corações curiosos.”
Do outro, o time pragmático. A doutora Julia Cartwright, da Universidade de Leicester, lembra que sem o mercado de meteoritos, não haveria ciência nenhuma. “Se ninguém pagasse por isso, ninguém procuraria. E se ninguém procurasse, não teríamos nem metade das amostras para estudar.” Faz sentido: quem caça meteorito por hobby geralmente não é funcionário público.
Para acalmar os ânimos, ao menos um pedaço de referência foi doado ao Observatório da Montanha Roxa, na China, o que garante que a comunidade científica global não ficará totalmente a ver poeira estelar. Cartwright acredita até que o futuro comprador — provavelmente algum bilionário fã de Marte— pode se empolgar em colaborar com pesquisadores. Vai que ele sonha em colonizar o planeta vermelho e quer uma análise gratuita da calçada de entrada.
Enquanto isso, seguimos observando esse embate terreno entre ciência e capitalismo, entre o direito coletivo à maravilha e a realidade de que tudo — até uma lasca de planeta — tem um preço. A pedra caiu do céu, mas o destino dela será decidido na Terra, no martelo de um leiloeiro e na conta bancária de algum entusiasta de luxo extraterrestre.
Fontes:

Um comentário em “O pedregulhão marciano que vai se aninhar em casa de ricaço”