A evolução do luto por animais de estimação

A relação entre humanos e animais de estimação tem uma longa história, que remonta aos primórdios da civilização, mesmo antes da civilização propriamente dita, quando éramos nômades e adotamos companhias de vários animais, como lobos que acabaram evoluindo até se tornarem os modernos cães. Com o passar do tempo, essa relação evoluiu de uma simples companhia para uma relação simbiótica, onde os animais de estimação se tornaram parte integrante das famílias humanas. Mas quando começou isso? Como examinar isso? Talvez, em cemitérios.

A convivência com animais de estimação tem provocado transformações drásticas na relação entre humanos e animais. Essas mudanças não são apenas comportamentais, mas também afetam a economia e a legislação. No Brasil, por exemplo, o Senado aprovou o Projeto de Lei n° 27/2018 que determina que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados.

Entes despersonalizados são aqueles aos quais o direito atribui uma certa gama de direitos e deveres, apesar de não conferir-lhes expressamente a personalidade e a condição de pessoa jurídica; nessa classificação, fetos estão inclusos, pois não são pessoas nascidas, mas ainda assim têm resguardados direitos. Não, idiotas, não é pra comparar um cão a um feto humano. Mesmo porque cães são excelentes seres vivos e um feto ao nascer vira um jovem, e até este virar gente, demora.

Pesquisas recentes revelaram que 86% dos tutores sentem que seus animais de estimação têm um impacto positivo em sua saúde mental. Além disso, os animais de estimação podem ser úteis na redução do estresse, da ansiedade e da sensação de sobrecarga, inclusive em crianças. Obviamente, isso não começou agora. Com isso, o que foi feito? Vamos analisar.

Uma pesquisa publicada na revista Antiquity (o que tem uma certa ironia, já que a própria publicação é de 2020 e pode ser considerada… antiga) rastreou a evolução das relações humanas com seus companheiros peludos, catalogando e analisando mais de 1.000 lápides em quatro dos cemitérios de animais de estimação do Reino Unido, incluindo Hyde Park. O estudo revelou como os animais de estimação evoluíram dramaticamente de meros companheiros para amados membros da família em apenas algumas décadas.

Isso começou quando o dr. Eric Tourigny, professor-conferencista da Universidade Newcastle, estava investigando uma residência do século XIX em Toronto, Canadá. Ao olhar o quintal da casa, Tourigny fez uma descoberta intrigante: os proprietários haviam sepultado sua cadelinha Cherry no jardim. Isso levou Tourigny a questionar: “Por que não explorar cemitérios de animais de estimação para entender melhor as relações históricas entre humanos e animais?”. Então, ele foi atrás de cemitérios e cemitérios de animais.

Tourigny realizou um estudo fascinante sobre a história do luto por animais de estimação visitando quatro importantes cemitérios de animais no país, que remontam à morte de Cherry, enterrada em 1881. Durante sua investigação, Tourigny coletou dados de 1.169 lápides diferentes, abrangendo o período de 1881 a 1991.

No século XIX, era comum que as pessoas descartassem os corpos de seus animais de estimação de maneiras pouco dignas, como jogando-os no rio ou no lixo. Alguns até mesmo optavam por vender os cadáveres para obter lucro com a pele ou a carne. Porém, a decisão de enterrar os animais de estimação mortos marcou uma importante transformação em nossa relação com esses seres, refletindo os valores e normas da época.

Durante o período vitoriano da Inglaterra, que durou de 1837 a 1901, o luto era uma prática altamente estruturada, com regras e etiqueta bem definidas. Nesse contexto, o luto por animais de estimação ganhou um caráter mais público. Os epitáfios gravados nas lápides desses animais muitas vezes faziam referência a valores como obediência e fidelidade, que eram eles próprios ideais vitorianos fundamentais. As inscrições eram simples, mas carregadas de sentimento, como “Querido Fluff” ou “Nosso Querido Butcha”.

Após a Segunda Guerra Mundial, Tourigny notou uma interessante transformação nos epitáfios. Os proprietários começaram a se referir aos animais de estimação como “mamãe” e “papai”, demonstrando uma maior proximidade emocional. Além disso, houve um aumento significativo no número de lápides que traziam o sobrenome da família do animal. Ao longo do século XX, as sepulturas dedicadas especificamente a gatos também se tornaram cada vez mais comuns. Quais os motivos para isso? A exacerbação do luto porque perdeu-se muitos familiares durante a guerra e as pessoas se afeiçoaram mais aos animais que estavam com elas em casa? Não se sabe.

O fato é que, com isso, animais passaram a ter maior atenção. Quando antes o cachorro da casa (o pet, não o seu cunhado que cismou de ir morar contigo) comia restos do almoço, passaram a ter rações de diferentes tipos e qualidades. A saúde dos animais passou a ser importante e mais clínicas veterinárias surgiram. As pessoas levavam seus bichos para dentro de casa e estreitaram relações, e estou pouco me fodendo se você acha isso errado, pois cada um faz o que quer e bem entende para prover a sua felicidade e de sua família enquanto estiver cumprindo leis.

O estudo de Tourigny revela uma fascinante jornada da evolução do luto por animais de estimação. Desde o descarte desrespeitoso até o enterro digno, passando por epitáfios carregados de valores vitorianos e uma crescente humanização dos animais, o cuidado com cremações, memoriais etc. Acho justo, ainda mais a felicidade dos doguinhos e gateenhos ao reencontrarem seus don… familiares depois de uma tragédia como aconteceu no RS.

Você tem todo o direito de achar que isso é exagero e que é apenas um bicho. Leia lá a parte sobre fetos virando jovens enquanto doguinhos sempre foram as melhores pessoas.

2 comentários em “A evolução do luto por animais de estimação

Deixe um comentário, mas lembre-se que ele precisa ser aprovado para aparecer.