Lavanda é um aroma que eu só consigo associar com desinfetante (e desinfetante que fede). Alguns perfumes (baratos) costumavam usar essência de lavanda. Não é tão forte quanto pinho ou eucalipto (o primeiro é ótimo para disfarçar cheiro de mijo de gato e cachorro, o segundo pra sauna), mas é mais… suave. Eu continuo achando que aquilo fede.
Entretanto, pelo visto, eu sou uma exceção (alguém tem que ser normal), já que os princípios ativos da essência de lavanda têm a capacidade de exercer um poder calmante nas pessoas.
O dr. Hideki Kashiwadani é pesquisador do Departamento de Fisiologia da Universidade de Kagoshima, no Japão e tem uma página pessoal horrível, digna do webdesign do século XVII. Kashiwadani estuda o sistema olfativo central, o sistema autonômico central, eletrofisiologia, neurociência comportamental e os odores e nossa relação com eles.
Sua pesquisa aponta como componentes da essência de lavanda exercem efeitos calmantes. Entre eles o 3,7-dimetil-octa-1,6-dien-3-ol, também conhecido como linalol, uma substância prevalente nos óleos essenciais em várias espécies de plantas aromáticas. O linalol é empregado como fixador de fragrâncias na indústria cosmética, e como inibidor do desenvolvimento de larvas do mosquito Aedes aegypt.
De acordo com a pesquisa de Kashiwadani, o linalol é utilizado na medicina popular, pois, ainda segundo ele, um monte de gente acredita que compostos odoríferos derivados de extratos de plantas podem aliviar a ansiedade. Se bem que um monte de gente cobre espelhos em dia de tempestade e joga sal pelo ombro esquerdo.
Como ciência pode até se basear em tradição popular, mas investigá-la a fundo, Kashiwadani-san botou o pessoal pra trabalhar e foram testar nos ratinhos para ver se o cheiro de linalol estimula os neurônios olfativos (neurônios que cuidam do olfato, mas eu imagino que vocês conseguiram associar o nome) e desencadeiam o relaxamento.
O que os japas quiseram verificar foi o comportamento de camundongos expostos ao vapor de linalol, para determinar seus efeitos ansiolíticos. Pesquisas anteriores com benzodiazepínicos e injeções de linalol mostraram que o efeito foi… nulo. O motivo foi que os neurônios olfatórios tinham sido destruídos. Já os camundonguinhos que apenas deram uma cafungada no linalol ficaram relaxados e tal. Foi uma bela cepa de camundongo emaconhado sem ter usado maconha. Como os neurônios olfativos estavam ok, a relação entre ambas as coisas (relaxamento e integridade dos neurônios cheiradores) ficou óbvia
O efeito ansiolítico em camundongos normais desapareceu quando foram pré-tratados com flumazenil, que bloqueia os receptores GABAA . Esses receptores são dois canais iônicos ativados por ligante….
NÃO COMEÇA!!
Os receptores GABAA são glicoproteínas organizadas para formar um poro iônico central circundado por cinco subunidades, tendo, cada uma delas, quatro domínios que o atravessam. Formam um sistema neuroquímico que controla os efeitos de uma substância chamada “ácido gama-aminobutírico” (ou GABA), um neurotransmissor no cérebro.
Esses canais são responsivos às benzodiazepinas e outras substâncias que agem diretamente no principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. Após a ativação, o receptor GABAA conduz seletivamente íons cloreto, o qual fluirá para fora da célula causando um efeito inibitório na neurotransmissão, diminuindo a chance de ocorrência de um potencial de ação bem-sucedido. Daí, os outros neurônios não ficam recebendo carga elétrica e o cérebro fica numa boa. Ao se bloquear o efeito do GABAA, o efeito inibitório desaparece e os neurônios recebem maravilhosamente as informações e daí fica aquele pulular de sinais químicos, bioquímicos e eletroquímicos.
A única diferença no caso do linalol é que a ativação se dá através dos neurônios olfatórios no nariz, a fim de produzir seus efeitos relaxantes.
A pesquisa publicada no periódico Frontiers in Behavioral Neuroscience não implica que basta cheirar desinfetante fedorento para ficar calmo. Mesmo porque, aquela essência tem uma mistureba de coisas e muito provavelmente não tem o linalol. Ela ainda está longe de ser testada em humanos, mas já aponta numa direção para novos medicamentos ansiolíticos.
Ou, pelo menos, estimulando que desinfetantes tenham o linalol para acalmar pessoas, sem ter aquele horrível cheiro de lavanda.
Agradecimentos ao Brain por sempre revisar o que eu escrevo quando posto sobre neurociência, de forma a garantir que a informação esteja o menos errada possível (qualquer bobagem que eu por ventura escreva sobre neurociência não é culpa ele)