Ninguém gosta de ficar doente, mas algumas doenças são piores que outras, e isso é um fato. Um desses exemplos é a ataxia de Friedreich. Esta tristeza é uma doença neurológica caracterizada pela queda de coordenação nos movimentos musculares, acabando com que a pessoa não consiga nem mesmo ficar em pé. Esta doença neurodegenerativa é hereditária e autossômica recessiva, afetando cerca de uma criança entre 22 mil. Este número pode variar até dois nascimentos em 100 mil, e isso já é muita coisa. Normalmente, se manifesta entre 5 e 15 anos de idade, começando por problemas de locomoção ao andar, evoluindo até o quadro de haver deformidade dos pés e escoliose. Ruim o bastante? Calma que esta tristeza ainda acarreta em diabete e afeta seriamente o ritmo cardíaco, além de causar cegueira entre outros problemas que irão variar de pessoa para pessoa e se se pode ter certeza de uma coisa, é que vai ficar muito pior.
Num comentário de um dos meus vídeos, um imbecil falou que ciência só serve para enganar pessoas burras. Seria ótimo se a ciência pudesse apenas ignorar a doença e erradica-la de vez, mas como fazer isso, se até agora não se conseguia simular os sintomas em sua totalidade em ratos?
Bem, frise-se o “até agora”.
O dr. Daniel Geschwind é professor de Neurologia e Psiquiatria da Universidade da Califórnia Los Angeles. Sua pesquisa era justamente criar um modelo que pudesse simular o que acontece com humanos que sofrem ataxia de Friedrich. Bem, ele conseguiu fazer isso com modelos animais (sim, aqueles experimentos animais que vegans são contra, principalmente por nenhum deles sofrer ou ter familiar que sofra de doenças neurodegenerativas, já que seus neurônios já são degenerados). Ele e seus pessoal conseguiu ratinhos que apresentam os sintomas semelhantes aos de pacientes com a ataxia de Friedrich e, com isso, algo excelente de se saber: muitos dos primeiros sintomas da doença são completamente reversíveis quando o defeito genético ligado à ataxia é revertido.
Péra. Como assim?
Simples: manipulação genética. Ou seja, transforma o ser vivo num ser geneticamente modificado. Uma espécie de X-Men sem a parte legal de disparar feixes de energia pelos olhos, mas com a vantagem de eliminar boa parte dos sintomas, fazendo com que a vida seja mais suportável. Não, ainda não está dando para curar definitivamente a doença. Eu fico imaginando como a Big Pharma está deixando isso acontecer. A Big Pharma quer que todo mundo continue doente, né? Foi isso que eu tenho compreendido nos discursos conspiracionistas.
A ataxia de Friedrich é causada por uma mutação no gene FXN, mapeado em 9q13. Este gene é responsável por codificar uma proteína denominada frataxina, mas vamos deixar isso de lado por instantes.
Do ponto de vista genético, esta mutação FDP que afeta o FXN faz com que haja uma expansão de uma repetição do trinucleotídeo GAA instável. Então, em vias normais, indivíduos em sua maioria estão tranquilos apresentando a expansão GAA no íntron 1 do gene FXN e 4% são heterozigotos compostos para a expansão e têm no outro alelo uma mutação de inativação do gene.
PÁRA! PÁRA! NÃO TÔ ENTENDENDO!
Não tão simples, mas vamos melhorar a compreensão: Este gene, como foi falado, é recessivo, e só será expresso mediante aquilo que você aprendeu no colégio, se tivesse prestado atenção no que o professor estava falando. É preciso dois recessivos para que o gene seja expresso. Sem esses dois recessivos, nada aparece, mas fica lá, guardadinho como um Kinder Ovo from hell caso você tenha filhos com uma pessoa que também tenha um recessivinho lá guardado, dando 25% de chances de apresentar a expressão genética.
Acontece que este gene (que já é recessivo), na maioria dos casos não faz nenhuma cagada genética em você se ele estiver inteirinho e tranquilo da Silva. Aí vem o Relojoeiro Cego. Uma mutação, que vem por efeito caótico, já que não se pode prever quando irá acontecer, faz com que este gene fique zuado. Em aproximadamente 95% dos indivíduos normais existem 7-34 repetições do gene, enquanto pacientes com a ataxia de Friedrich têm 66 ou mais repetições, com o gene saindo do controle sem poder produzir a frataxina e aí que tudo fica pior ainda.
Ok, André. Lindo. E o que é esta tal de frac… fatax… ah, essa bagaça aí?
É frataxina. Ela é uma proteína encontrada em células em todo o corpo. Sua concentração mais alta é achada no coração, medula espinhal, fígado, pâncreas e músculos utilizados para o movimento voluntário, que nós chamamos de “músculos esqueléticos”, e você sabe muito sobre eles, já que isso é matéria de 8º ano. Muito bem! A frataxina é encontrada nas células nas já conhecidas mitocôndrias, que dispensam apresentação.
Sim, e o que ela faz e como faz?
Pois é. ESTE é o problema. Não se sabe direito todos os detalhes sobre a frataxina. O que se sabe é que ela parece ajudar a montar grupos de moléculas de ferro e enxofre que são críticas para a função de muitas outras proteínas, incluindo as necessárias para a produção de energia, já que está lá na mitocôndria.
Lembram quando eu falo sempre que bioquímica não é fácil? Pois é. É como aquele jogo Cai-Não-Cai, que você tinha que tirar as varetas com cuidado para que as bolas de gude não caíssem. Uma vareta em falso e já era, as bolas de gude caíam todas. É um equilíbrio instável.
Resumindo o resumo, a mutação sacaneia a produção de frataxina e daí é efeito bola de neve.
Os modernos testes de diagnóstico conseguem prever se seu filho terá ataxia de Friedrich por simples exame laboratorial, mapeando o trecho do referido genoma. Mas uma coisa é determinar se estar lá e outra se combater. É como reconhecer os sintomas da tuberculose e não poder, com isso, ter achado a vacina antes de Koch.
Mas afinal, qual o problema de simular isso? Simples: fazer com que haja a mutação certa de forma que o ratinho acabe não produzindo a frataxina. Mas isso é complicado. Então, Geschwind e seus colaboradores desenvolveram uma técnica um pouco diferente. Eles usaram ratinhos que tiveram o gene FXN bloqueado por uma cadeia de RNA controlada por um antibiótico. Níveis mais elevados do referido antibiótico levaram a mais bloqueio do gene e, portanto, menores níveis de frataxina sendo codificada e, assim, menor concentração dela no organismo. Este sistema permitiu que os pesquisadores tivessem um controle estrito sobre os níveis de frataxina ao longo da vida dos ratinhos, deixando que eles se desenvolvessem normalmente durante três meses antes de administrar antibióticos para reduzir severamente os níveis de frataxina.
Após 12 semanas com níveis baixos de frataxina, as cobaias começaram a apresentar sintomas semelhantes aos observados em humanos com a ataxia de Friedrich, incluindo perda de peso, ataxia, distúrbios nas camadas, costas curvadas e força muscular reduzida. Quando os pesquisadores deixaram de dar antibióticos aos camundongos doentes, deixando os níveis de frataxina voltar ao normal, a maioria dos sintomas desapareceu.
Claro, ainda é cedo para determinar como curar pessoas. Ainda mais que os ratinhos não tinham a ataxia, ela foi induzida. Mas essa pesquisa mostra que quando a doença ainda está no início, a forma como diminuir seus efeitos seria administrar a frataxina. Em quais quantidades? Não sei, nem os pesquisadores sabem. Teremos que ter outros experimentos em outros animais de diferentes espécies até chegar no modelo humano. É uma esperança de tratamento, com a promessa de não ter uma vida tão miserável. Talvez, quando começar os testes em humanos, mais se tenha aprendido e outros tratamentos possam ser usados.
Mas lembrem-se: Ciência só serve para enganar pessoas burras. Parem de tomar remédios e que Darwin cuide dos seus.
Mas se você não pensa assim, a pesquisa foi publicada no periódico eLife.