Classificação de nova espécie descoberta no Reino Unido suscita controvérsia entre especialistas. Nem mesmo os vírus estão livres de adoecer por virose. Um trabalho publicado na semana passada na revista Nature mostra que um vírus gigante conhecido desde 2004 pode contrair infecção causada por um vírus 15 vezes menor que ele. A criaturinha descoberta por cientistas franceses e norte-americanos em uma torre de refrigeração no Reino Unido recebeu o nome de Sputnik.
O vírus infectado pelo Sputnik pertence ao grupo dos mimivírus e tem 750 nanômetros de diâmetro (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro, ou ainda, 10–9 metros). Ele geralmente infecta a ameba Acanthamoeba polyphaga, um protozoário facilmente encontrado no solo. Para que esse vírus seja infectado pelo Sputnik, é necessário que ambos estejam no interior da ameba, caracterizando um processo que os virologistas chamam de coinfecção.
Dando uma repassada rápida, vírus são entidades acelulares compostas basicamente de um invólucro protéico denominado capsídio ou cápside que confina o genoma viral, constituído exclusivamente de DNA ou de RNA. A partícula viral individual completa – capsídio e ácido nucléico – é denominada vírion. Existem vários tipos morfológicos de vírus que variam em tamanho e complexidade estrutural. Os vírus ocorrem em todos os domínios da vida havendo vírus específicos para arqueas, bactérias, fungos, protozoários, algas, plantas, animais e humanos. Ainda não foram encontrados vírus de procariotos termófilos ou hipertermófilos, mas talvez seja apenas uma questão de tempo.
As dimensões da maioria dos vírus conhecidos variam entre 10 a 250 nm e seus genomas variam de mil pares de base a 400 mil pares de base. Tais partículas virais só podem ser visualizados através de microscopia eletrônica. Neste vírus recém descoberto que infecta a ameba Acanthamoeba polyphaga, seu capsídio tem um diâmetro de 400 nm envolvido por longas fibrilas de 80 nm de comprimento. O seu genoma, composto de uma molécula de DNA de cadeia dupla circular de 1,2 milhões de pares de base, contendo pelo menos 911 genes é o maior de todos os vírus caracterizados até então e é mais extenso que o genoma de algumas bactérias. Esse vírus foi denominado Mimivirus e parece ser membro de uma nova família viral. O Sputnik tem forma icosaédrica e apenas 50 nm de diâmetro. Uma análise proteômica mostrou que ele é capaz de sintetizar 21 proteínas. A seqüência de cada uma delas foi determinada pela técnica de espectrometria de massa e comparada com seqüências de proteínas conhecidas de outros vírus.
Bem, ao invadir a ameba, o vírus gigante subverte sua maquinaria de biossíntese (ribossomos e RNAs transportadores), normalmente usada para fazer proteínas do próprio protozoário, e constrói uma estrutura muito organizada, chamada pelos pesquisadores de “fábrica de vírus”, para produzir suas próprias proteínas e se replicar.
“O Sputnik infecta diretamente a fábrica de vírus, no citoplasma, onde está o genoma do mimivírus, e não o núcleo, em que está o genoma da ameba”, explica o virologista Didier Raoult, líder do grupo que realizou o estudo na Universidade do Mediterrâneo, em Marselha, na França. “Os sintomas da infecção são a diminuição no rendimento da replicação e defeitos na formação dos vírus gigantes.”
Das 21 proteínas identificadas, 13 são desconhecidas pela ciência, ou seja, não se parecem com nenhuma outra descrita até hoje. As oito restantes apresentam semelhanças com proteínas de vírus de grupos bem diferentes entre si, capazes de infectar organismos tão distintos quanto bactérias, eucariotos e archeas (organismos unicelulares sem núcleo com aparência muito similar às bactérias, mas com metabolismo e genoma diferentes).
“Essa mistura de genes de diversas origens que o Sputnik parece apresentar é muito excitante do ponto de vista científico”, avalia a virologista brasileira Maite Vaslin, professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para os autores, a diversidade do genoma do novo vírus dá pistas de sua história evolutiva. “Está claro que, durante sua evolução, o Sputnik já utilizou como hospedeiros diferentes vírus que infectam células dos três grandes domínios dos seres vivos, incorporando genes de cada um deles”, afirma Raoult.
O Sputnik apresenta uma série de analogias funcionais com os vírus bacteriófagos (“comedores de bactérias”), que infectam esse tipo de microrganismo. Por isso, os autores propuseram que o Sputnik é o primeiro exemplar conhecido de uma nova família de vírus – os virófagos.
Essa interpretação, no entanto, é contestada por Maite Vaslin, que enxerga no organismo recém-descoberto similaridades com os chamados vírus satélites, que só se reproduzem em um processo de coinfecção, no qual também diminuem o rendimento da replicação do vírus concorrente. “Não estou plenamente convencida de que o Sputnik de fato seja tão diferente dos vírus satélites a ponto de ganhar um nome diverso”, afirma a pesquisadora da UFRJ.
Confrontado a essa crítica, Raoult defende a posição de seu grupo. “Ao contrário do Sputnik, os vírus satélites geralmente não têm genes para formar seu capsídeo”, diz ele, referindo-se à camada protéica que envolve os vírus. “O novo vírus realmente se assemelha a um bacteriófago”, conclui o francês.
Sobre notícia extraída da Ciência Hoje Online
Para saber mais: Introdução à Virologia

André,
[minha vez de bancar a ‘Salsinha’]
Desculpe o incômodo, mas fiquei com algumas perguntas:
Houve algum experimento que excluísse a possibilidade de infeção do vírus gigante pelo sputnik fora da ameba?
Quanto aos defeitos na formação do vírus gigante: que tipos de ‘defeitos’ seriam esses? A diminuição no rendimento de replicação vai aumentando com o tempo ou há alguma estagnação em determinado ponto?
A pesquisa sobre as proteínas desconhecidas poderia trazer inúmeros benefícios no futuro, não?
==>>> Obrigada!
:)
CurtirCurtir
Houve algum experimento que excluísse a possibilidade de infeção do vírus gigante pelo sputnik fora da ameba?
Não foi publicado em nenhum veículo indexado, logo não posso dar certeza. Procuro sempre trazer notícias de publicações científicas indexadas, que passaram por peer review.
Quanto aos defeitos na formação do vírus gigante: que tipos de ‘defeitos’ seriam esses?
Basta um gene fora do lugar para ser considerado um “defeito”. Esses “defeitos” podem ser ativados ou não. Vai depender muito como a Seleção Natural vai agir nisso.
A pesquisa sobre as proteínas desconhecidas poderia trazer inúmeros benefícios no futuro, não?
Sim e não. Sim, ela poderá ser útil. Mas, mesmo que não tenha uma utilidade prática imediata, a função da Ciência é procurar entender todos os processos. Ciência que visa apenas utilidade imediata não é Ciência. É um reles interesse momentâneo.
CurtirCurtir
André,
Obrigada pelas respostas!
:smile:
CurtirCurtir
Caramba eles não perdoam ninguém!!! Show no Mercy…. :smile:
CurtirCurtir
Quando progressivamente estava lendo essa notícia, me veio à cabeça uma idéia.
E se por acaso, eles conseguissem “dominar” a técnica desse vírus de ser um vírus de vírus, seria teoricamente possível criar um “defeito” e diminuição reprodutiva em vírus pré-determinados…AIDS? Gripe?
Apesar de haveram multiplas mutações de ambos, ainda sim eles tem características intrinsecas que nunca mudam mesmo com as mutações… Seria uma espécie de critério de quem ele deve caçar.
CurtirCurtir