Cientista sobe pelas paredes ao examinar pele hidrofóbica de lagartixa

A tecnologia vive se espelhando na Natureza. Como eu já falei inúmeras vezes, faz sentido você não bancar o idiota, batendo cabeça anos e anos, se 3 bilhões de anos de evolução biológica já fez este serviço, selecionando e descartando o que é bom e ruim em termos de eficiência para sobrevivência. Um exemplo disso é o nadador Michael Phelps, que foi pras Olimpíadas de Sidney com uma roupa com a tecnologia shark skin, ou pele de tubarão, que imita a textura da pele de tubarões (you don’t say!!), facilitando a flutuabilidade e deslocamento na água.

Mas a Natureza não agraciou apenas aos tubarões uma vantagem dessas. Até mesmo lagartixas, aqueles bichinhos muito maneiros (apesar de gelados). Sua pele, apesar de nunca terem dado nada pela coisa, pode ser uma boa dica de como se fazer tecidos auto-limpantes.

A drª Jolanta Watson trabalha no Departamento de Biologia Tropical da Universidade James Cook, na Austrália. Infelizmente, a Universidade não tem uma página pra distinta doutora, provavelmente por causa dos ornitorrincos zumbis que estão lutando contra o Godzilla, num dia normal naquele país. Contentem-se com o Research Gate, mesmo.

Jolanta (eu imagino que se pronuncia "Iolanta", porque com "J" ficaria horrível) colocou uma lagartixa da espécie Lucasium steindachneri numa lâmina (de microscópio) e foi dar um "confere" na dita cuja. Pegou um bisturi, mas ficou tranquila. O pessoal da Luiza Mell só se importa com beagle fofinho. Lagartixa é o animal que tem mais. Então, tia Watson viu algo que à primeira vista era pouco elementar. A lâmina estava molhada. De onde vinham aquelas gotículas de água?

Resposta: do ar. As gotas de água vinham da condensação da humidade do ar sobre a pele da L. steindachneri, mas quando mal tocava a superfície dela, as gotículas saltavam para longe. A pele era completamente hidrofóbica, repelindo com eficiência a água, levando junto o que tinha lá, como poeira. Em outras palavras, a lagartixinha do coração era que nem forno autolimpante, excetuando o fato que os fornos autolimpantes não são tão autolimpantes assim.

Jolanta ficou impressionada pelo fato da pele da L. steindachneri ainda conseguir repelir a água, mesmo estando morta, o que é um espanto um tanto quanto idiota, pois isso não é um fenômeno biológico ou químico, mas físico.

Lagartixas são répteis e, por isso, apresentam poiquilotermia, isto é, têm sangue frio (por isso elas são "geladinhas". Elas acabam precisando de calor externo, e se você a toca, o fluxo de calor sai da sua pele para ela). Além disso, os micro-pêlos na sola das suas patas fazem com que haja atração intermolecular por forças de Van der Waals de dipolo induzido. Curiosamente, não pode ter sujeira nas patas, ou não aparece as forças de Van der Waals, mas até então ninguém se preocupou muito com o porquê disso.

(a) A Lucasium steindachneri em pessoa. Prazer! (b) Imagem de microscópio óptico mostrando a microestrutura do exterior da pele no dorso da lagartixa em questão. (c) Região abdominal. (d) Imagem topográfica sem as escamas e áreas entre escamas na região dorsal do espécime. (e) Microestrutura no dorso mostrando micro e nanoestruturas constituídas por espículas.

Não tô entendendo! Levando em conta que a lagartixa analisada é nativa do deserto australiano, por que cargas d’água ela precisa repelir água? Seria o caso de absorver água, certo?

ERRADO!

Primeiro porque à noite há condensação de vapores de água, apesar da maior parte evaporar de dia de novo. Com reentrâncias, dobras etc, a pele de qualquer um ficaria exposta à água, o que poderia acarretar em alguns problemas, como absorção contínua e "poças" nas dobras, o que seria um festival de fungos e bactérias naquele recôndito escurinho ali. Com essas espículas, a água fica saltando sem parar, levando qualquer sujeira junto.

E as lagartixas nem são as únicas a terem esta capacidade, como asas de cigarras, também estudadas pela drª Watson e flores de lótus, que apresentam uma hidrofobia tão intensa que recebeu o nome de Efeito Lótus.

Não precisa muito esforço para imaginar a importância dessa pesquisa. Não só pela ciência e conhecimento, o que por si só já é importante, mas também na hora de projetar estruturas e até mesmo roupas. Pensem em profissionais como médicos, soldados, voluntários e agentes de saúde (só para citar uns poucos exemplos) trabalhando em locais de difícil acesso e quase sem água, como Afeganistão, Somália e São Paulo. Roupas o mais limpas possível, gastando pouca água e energia na hora de lavar, mantendo as pessoas limpas, o que garante melhores condições de saúde. E isso por causa de uma simples lagartixa!

A pesquisa foi publicada no periódico Interface.

5 comentários em “Cientista sobe pelas paredes ao examinar pele hidrofóbica de lagartixa

  1. bem legal essas extrapolações,
    é o sonho de todo mundo que já fez um curso numa área Cientifica descobrir algo
    a sim e mudar um pouco a vida da humanidade, enquanto isso em Pindorama a cada
    dois anos se reduz o conteúdo absurdamente de física, química e biologia nos
    livros escolares para melhorar estatísticas não confundir a cabecinha
    dos alunos

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  2. Adoro Geckos. Sempre as preservo dos batentes das portas, pra que elas controlem os insetos da casa. Gostaria de criá-las em um terrário. Como fazer?

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      1. Certo, certo! Mas um terrário seria mais, digamos, adequado para observá-los com mais constância, e não nos eventuais encontros notívagos.

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