Doutor Morte morre aos 83 anos

Parece uma ironia do destino, mas se tivermos em mente que o destino de todo ser vivo é morrer um dia, o título do artigo não adquire mais um tom estranho. O doutor Jack Kevorkian ficou conhecido por defender o suicídio de pessoas com doenças terminais e admitiu ter ajudado pelo menos 130 doentes terminais a cometerem suicídio. Ele morreu esta noite, aos 83 anos, de modo tranquilo e sem dor, o que talvez tenha algum significado (ou não).

É difícil analisar o "trabalho" do dr. Kevorkian. Alguns o consideravam um anjo; outros, o próprio Diabo. Ele ajudava pacientes decididos a dar um término em seu sofrimento, pois ainda temos muitas doenças graves que deixa a pessoa num sofrimento absurdo, enquanto os dias vão se extinguindo pouco a pouco. O que antes era uma pessoa saudável, aos poucos foi se tornando uma massa de dor e angústia, louca para dar um fim ao seu sofrimento. Experimentaram rezar pra Jesus, o Médico dos Médicos, mas parece que o plano de saúde não cobre todo mundo e Jesus acaba não ajudando em nada. Isso acontece em 99% dos casos.

Como descobrir a cura de doenças misteriosas e mortais em pouquíssimo tempo só acontece em seriados como o do House, só resta o desespero para os pacientes terminais. entra em cena a mais corajosa decisão a se tomar. Não vejo o suicídio como ato de covardia, mas sim de coragem, pois a pessoa estará dando um fim definitivo, onde se der errado não tem como voltar, independente do que as religiões digam ou deixem de dizer.

É apenas egoísmo manter a pessoa ligada a vários aparelhos, com tubos entrando em todos os orifícios possíveis e imagináveis, recebem o toneladas de medicamentos e outros medicamentos para conter os efeitos colaterais da primeira leva de medicamentos. Mas o egoísmo faz com que parentes queiram que o que antes era uma pessoa e hoje é praticamente um vegetal que pisca fique ali, na cama. Chamam isso de amor, sei lá.

Nos idos de 1980, o dr. Kevorkian criou o que ele chamou de "Thanatron" (em referência a Thanatos, a personificação da morte), mas que recebeu o apelido de "Máquina do Suicídio". Esta máquina simplesmente facilitava a eutanásia (ou suicídio, tanto faz neste caso), onde o próprio paciente apertava o botão que daria cabo à sua vida. Ela consistia de cilindros contendo 3 soluções: uma salina com pressão osmótica igual á do sangue (soro, em outras palavras), um relaxante muscular, a fim de evitar espasmos, e uma solução de cloreto de potássio, que é letal pois altera as condições osmóticas das células. Outro dispositivo era o Mercitron (ou Mercy Machine, Máquina da Misericórdia), onde o paciente só precisava de uma única substância: o inodoro, insípido e extremamente mortal monóxido de carbono, que se liga à hemoglobina, impedindo que esta transporte oxigênio para as células do corpo.

Políticos em sua proverbial mania de "entender" o sentimento de coisas que eles nunca sentiram acham que podem regular a vida das pessoas. Tudo bem que isso é às vezes necessário, de modo a impedir a barbárie, mas seria realmente válido neste ponto? O estado do Michigan promulgou uma lei que tornava crime alguém fornecer conscientemente a outra pessoa os meios para cometer suicídio, com pena de quatro anos de prisão e a Suprema Corte declarou que a lei era constitucional. Kevorkian foi julgado por 4 vezes, mas acabou absolvido.

O ponto principal que complicava a condenação de Kevorkian era que o próprio paciente que ativava o mecanismo, então o caso entrava na categoria de suicídio assistido. Dessa forma, 130 pacientes deram fim ao seu sofrimento, menos um. Thomas Youk sofria de uma doença que o incapacitava de acionar o mecanismo, e Kevorkian o fez por ele. Assim, Kevorkian foi julgado e condenado por homicídio em 2º grau, tendo sua pena fixada em 25 anos, mas acabou cumprindo "somente" 8 anos devido à sua idade avançada, sendo libertado em 2007.

Durante o julgamento (no qual tio Kevorkian preferiu fazer sua própria defesa), a esposa e a filha de Youk foram impedidas de depor, o que arrasou a defesa de Kevorkian. Mesmo porque, o Estado sabe o que é melhor pra você, independente se você tem uma sonda de 2 polegadas enfiada no seu reto. Ao meu ver, uma estratégia do Estado a fim de pôr a termo a ação de Kevorkian, pois o Estado prefere matar soldados em guerras estúpidas do que impedir cidadãos de ter uma fim de vida digno. São as idiossincrasias dos governantes.

No Brasil, o suicídio assistido é proibido por lei, sofrimento é permitido; pois, algum dia, aquele vegetal em cima da cama poderá acordar. Claro que o fato de acordar com lesões cerebrais é secundário, pois o importante é que você tenha o parente ali, à sua disposição, pois você o ama. E até mesmo o amor pode agir como uma erva daninha.

Dia 3 de junho de 2011, dia em que o dr. Kevorkian morreu da forma como ajudou muitos de seus pacientes morrerem: em paz, sem sofrimento e de forma digna.


Fonte: G1

13 comentários em “Doutor Morte morre aos 83 anos

  1. Puxa, lágrimas me vieram aos olhos. Gostava muito dele. Depois de assistir aquele filme You Don’t Know Jack passei a compreender melhor o cara e a idéia dele.

    É impressionante como cria-se um preconceito em cima de um apelido de alguém que você sequer conhece. Lá pelos anos 90 eu acreditava que ele matava mesmo, entrava nos quartos dos pacientes terminais e matava eles por vontade própria.

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  2. Não deixa de ser um assunto polêmico.

    É díficil tentar regular algo tão extremo quanto ter um familiar vegetal e tomar uma decisão de encerrar isso. Só quem passa por isso deve saber a dor que é.

    O Estado nunca leva em considerações outros fatores envolvidos, tais como: condições financeiras, sofrimento (tanto do paciente quanto dos familiares), etc.

    O preço de uma “diária” na UTI está na ordem dos milhares de reais. Será que vale a pena manter um ser-humano vegetando, acabando com toda economia familiar, apenas para postergar algo inevitável e provável?

    Se fosse eu na cama, desligaria os aparelhos sem pensar duas vezes.

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  3. Que graça tem a vida se a morte é tranquila??
    Se bem que são raros os filmes de hollyhood em que o mocinho, ou mesmo o vilão estribucham e agonizam e sofrem durante anos antes de morrerem….

    Pensar em alguém que você ama/amou, vivendo como um “pé-de-alface” é um tanto quanto cruel. As pessoas pra questionarem o trabalho dele, deveriam primeiro discutir o conceito da palavra “vida”.

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  4. Quando ouvi o apelido dele eu achava que ele era um assassino. Mas quando li sobre a eutanásia e o seu trabalho aí o meu pensamento mudou. De fato, para que manter alguém num estado irreversível “na marra” e de qualquer jeito? A morte é a libertação num caso desses.

    Descanse em paz, Dr. Morte.

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  5. O simples fato da pessoa apertar o “botão” que acionava estas substâncias já seria o suficiente para provar que a mesma quer por fim ao seu sofrimento, considero que cada um tem o direito sobre sua própria vida, claro que não sou a favor de suícidios banais, mas neste caso acho bem válido, André o monóxido de carbono era o que os Nazistas utilizavam ? Além do Ziklon B? Sabe onde foi a primeira vez que foi utilizado? Vi que em alguns casos pessoas morreram dormindo , pois estavam em local fechado e por ter estas características que você colocou fica inviável percebe-lo,Obrigado e valeu.

    P.S. Não vão pensar besteira heim!! kkk!

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  6. Só quem presenciou, dia e noite, uma internação de um paciente em estado terminal sabe o que é. E ainda se contamina com o sofrimento dos outros pacientes e de seus familiares. R.I.P, Jack. Pena você não ter sido médico do hospital em que acompanhei todo o processo de degradação, originado por um câncer inoperável na cabeça pancreática, do organismo de uma pessoa extremamente amada por mim. E que ficou dolorosamente consciente, até a última semana da amargura em que se transformou a vida dela.

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  7. Quem quer que tenha passado reprovando os comentários da lista, decerto por se aborrecer com a ideia de eutanásia ou algo semelhante, seja bondoso e apareça manifestando seu argumento contrário, por favor. Se tiver respaldo para tanto, agradeço antecipadamente pelo não-anonimato.

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  8. Domingo passado, 19/06, tive a sorte de assistir ao documentário “Kevorkian” (estava passando no HBO, não sei se é estréia por causa da morte do Jack ou se realmente estava programado para).

    Tive oportunidade de conhecer melhor a obra do Dr. Morte e descobrir que seus erros foram simplórios demais :/ se ele não tivesse tanta vontade de mostrar à nação que eles tem direito de escolher sobre suas vidas, ele não teria deplorado tanto. Mas também acho que não teria vivivo sem arrependimentos.

    Durante o documentário todo ele argumenta que o desejo dele não é ser conhecido ou notório por algo, mas mostrar ao povo americano que a própria constituição (ele cita a 9ª emenda) lhes dá o direito de escolher sobre a própria vida, e que através dela, questões como aborto, também são de direito ao povo.

    E mesmo ele tendo se candidatado às eleições de 2008, não há criticas ao governo americano. Dr. Morte não gostava do Supremo Tribunal :3

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