Um FarmVille microscópico

A agricultura surgiu quando alguns de nossos ta-ta-ta-ta-ta-ta-taravós perceberam que quando uma semente de determinada planta cai na terra, brota-se – depois de certo tempo – uma outra planta igualzinha. Isso ajudou a criar assentamentos, pois até então nossos ancestrais eram fundamentalmente caçadores/coletores. Com a agricultura, a comida poderia ser obtida e, melhor, planejada para a população. A população crescia à medida que surgia melhores condições de alimentação, e conforme se crescia a população, era necessário produzir mais alimentos. Isso continua até hoje.

No mundo biológico, não são só os seres humanos que cultivam seus alimentos. Silenciosamente, outros seres também cultivam. Um exemplo disso são as bactérias Dictyostelium discoideum.

As perclaras amebas da espécie Dictyostelium discoideum vivem nos solo e possuem um ciclo de vida bem simples, o que para os cientistas é muito importante. Uma dessas pessoas é a drª Debra Brock, cuja pesquisa foi publicada no periódico Nature (artigo em PDF) e, por favor, não confundam-na com a Débora Bloch.

A agricultura tem sido uma grande parte do sucesso ecológico dos seres humanos. Um punhado de animais, nomeadamente as formigas que cultivam fungos, cupins e até mesmo besouros criam reservas alimentícias, de forma a suprir suas necessidades energéticas. Não é muito diferente de plantarmos ou criarmos gado, apesar dos queridos vegans acharem que isso nos faz sermos pérfidos, o que só me faz ter vontade de comer um bom bife.

A pesquisa da drª Brock mostrou que microorganismos são muito parecidos conosco, apesar de acharmos em nosso chauvinismo que fazemos coisas que só graças ao nosso intelecto seria possível. Isso até pode ser verdade em termos de engenharia aeronáutica, mas agricultura, com certeza, não é algo que demanda altíssimo QI. A bem da verdade, se você conseguir plantar algo, pelo menos, pode-se dizer que você tem um QI de uma ameba. Vai dizer que isso não alegra o seu dia? Bem, para que possamos produzir alimentos em larga escala, é necessário certo grau de organização, envolvendo cooperação, comunicação e coordenação. Lógico que ninguém espera que uma ameba converse com outra, da mesma forma que neurônios não conversam com seus vizinhos de forma a criarem aquelas fantasias bizarras que você tem à noite (admita, você as tem!). Esta comunicação é um pouco mais sutil, nem que seja em nível molecular, onde a Química dita as regras.

A charmosa drª Brock e seus colegas descobriram que, ao invés de “comer” toda a comida antes de deixar o local anterior, as amebas haviam encerrado os último pedaços numa espécie de “quentinha pra viagem”. De acordo com a pesquisa, as D. discoideum tem fazem uso de uma simbiose que inclui a colheita e dispersão de forma prudente de uma cultura de bactérias. Elas não são éticas, se alimentam das bactérias e não estão nem aí pros direitos bacterianos. A Natureza é bem sacana às vezes. Só que em vez de consumir todas as bactérias em sua “fazendinha”, as amebas param a alimentação antes de acabar todo o seu alimento, de forma que este possa crescer novamente, já que a taxa de reprodução das bactérias é consideravelmente alto, mas a das amebas não fica atrás. Assim, quando elas adquiriram a capacidade de consumir menos do que podem armazenar, as bactérias se reproduzem em quantidade tal que possa alimentar o restante da colônia de D. discoideum. Com esta adaptação, as queridinhas amebas puderam competir saudavelmente por recursos, sem depender (muito) de fatores externos ou sorte. Isso permitiu a elas que continuassem vivendo e gerando descendentes. Tio Darwin fez joinha nesse ponto.

Lady Debra disse que sua equipe viu este tipo de agricultura primitiva em várias outras espécies de amebas. “Nós pensamos que eles são capazes de fazer isso porque eles são sociais”, disse a boa doutora. Sociais não no sentido de fazer ONGs, mas simplesmente porque a Evolução permitiu que aquelas que estavam trabalhando em cooperação de forma coordenada – formando os chamados “corpos de frutificação” — permanecessem vivas, gerando mais descendentes, enquanto que as espécies que vivem isoladas tinham menores chances de sobreviver, dada a competitividade por recursos, coisa que até mesmo John Nash demonstrou matematicamente.

5 comentários em “Um FarmVille microscópico

  1. “A bem da verdade, se você conseguir plantar algo, pelo menos, pode-se dizer que você tem um QI de uma ameba. Vai dizer que isso não alegra o seu dia?”

    Na verdade nem um pouco. Tudo o que ponho no vaso morre. :( O meu maior sucesso foi um pé-de-feijão no algodão que sobreviveu um mês. De qualquer maneira essa pesquisa mostra que nem as amebas precisam assistir um programa do nível do Globo Rural.

    Eu pensava que apenas cupins e formigas praticavam a agricultura. Agora vejo que isso se estende ao mundo dos microorganismos. Fantástico!

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  2. André incrivel este artigo, o que chamou a minha atenção foi esta interatividade, esta alternância coordenada de estrutura unicelular , para multicelular, então pelo pouquíssimo que pesquisei, ( Google) os índividuos ficam numa zona morta do manto do solo e quando a despensa está a fio, elas se “juntam” para formar um corpo locomotor , para então desfrutar de um manto melhor no solo, este processo requer sacríficios individuais em prol da “comunidade” bacteriana D.D. , André isto é realmente de arrepiar Darwin, mas o que intriga é a “comunicação” feita entre os índividuos, estava lendo que esta locomoção inclinado em direção a luz , poderia desencadear as ondas de mensagens célula a célula, resultanto no movimento… ! Fonte:http://institutionalrobotics.wordpress.com/4%C2%AA-conferencia/. Excelente assunto.

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  3. @André,
    Interessante o texto, mas dá uma olhadinha nisso:
    “as amebas param de alimentação antes de acabar todo o seu alimento”

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  4. Parece até mesmo que essas são as bases da formação dos organismos multicelulares,(daqueles com mais de um chip). Tipo, vários organismos se reunindo e desempenhando diferentes funções até formarem um único ser.
    Claro que o processo foi inverso, pois o DNA é o mesmo.

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