Presente tanto em casas de ricos quanto nas de pobres, em muros de casas e de presídios, em hospitais e quartéis. Não saberíamos, hoje, realizar nenhuma construção sem o auxílio dele, o cimento. Na Grécia e Roma antigas, as construções eram feitas com pedras (em geral mármore, mas que dependia da edificação em questão) unidas por argamassa, consistindo em cal extinta – hidróxido de cálcio, Ca(OH)2 – misturado com areia e água, formando uma massa espessa. Exposta ao ar, essa mistura vai perdendo a água e solidifica-se ao absorver o CO2 da atmosfera formando carbonato de cálcio (CaCO3). Contudo, este processo é muito lento. Só para se ter uma idéia, alguns edifícios romanos de mais de 2000 anos possuem núcleos de cal extinta que não tinha reagido ainda no interior da argamassa. Que coisa, não?
Em 1824, o inglês Joseph Aspdin inventou um novo tipo de cimento: o Cimento Portland. Seu nome deriva da semelhança, após sua produção, com as chamadas “Portland Stones”, muito empregadas na construção civil na época em questão. Basicamente, os principais constituintes do cimento portland são:
- Calcário – É o carbonato de cálcio, encontrado na natureza com impurezas como o óxido de magnésio (MgO). O calcário sob ação do calor decompõe-se e forma o óxido de cálcio ou cal viva (CaO), que é o verdadeiro ingrediente para a fabricação do cimento.
- Argila – É um silicato complexo de alumínio hidratado que, em geral, contém ferro entre outros minerais.
- Gesso – É um produto de adição final no processo de fabricação do cimento. Trata-se do sulfato de cálcio bi-hidratado (CaSO4 . 2H2O), e sua função é, basicamente, estipular o tempo de “pega” do cimento.
Obviamente, dentro desses materiais básicos há sempre aditivos, que irão mudar sensivelmente a natureza do cimento adequando-o a determinadas condições. Afinal, O cimento empregado na construção de um edifício é diferente (ou pelo menos deveria ser) do cimento utilizado em uma residência. Já pensou se se usasse um cimento pouco resistente nos muros de um presídio? Os detentos poderiam fazer um buraquinho, em seguida um túnel, escapar e… bem, vamos deixar pra lá. Nem tudo é como gostaríamos que fosse…
Escapando de volta ao cimento, classifica-se em três etapas fundamentais do processo de fabricação do cimento:
- Preparo e dosagem da mistura crua – A matéria prima é extraída das jazidas, com o auxílio de explosivos e conseqüente britagem, de modo que o diâmetro das partículas seja inferior a 1 cm. A argila apresenta-se normalmente em condições de ser misturada ao calcário e, então, seguem juntos para o depósito.
- Homogeneização – O calcário e a argila em proporções pré-determinadas são enviados ao “moinho de cru” (de bolas de aço), onde processa-se o início da mistura e homogeneização, com redução do diâmetro das partículas à 0,05 mm. No processo por via seca, a matéria-prima sai do moinho misturado e pulverizado, com natural redução de unidade. A seguir, nos tanques homogenizadores, ocorre a devida mistura e, caso haja necessidade, correção de sua composição. Já no processo por via úmida, a matéria-prima é moída com água e sai do moinho em forma de pasta. A dita pasta é bombeada para os tanques homogenizadores de pasta, onde é homogeneizada e dosada.
- Clinquerização – No processo de via seca, até a temperatura de 900 a 1000 ºC, o processamento se dá em recuperadores de calor. O processamento final ocorre no forno diretamente.
Até 100 ºC, ocorre evaporações; a partir de 500 ºC, começa a haver desidratação da argila (não confunda com evaporação. A desidratação é em nível molecular, isto é, a molécula perde moléculas de água que estejam no retículo cristalino). Acima de 900 ºC, começa a decomposição do calcário e, entre 900 e 1200 ºC ocorre reações complexas do CaO, formando compostos. Até 1400 ºC forma-se o clínquer. O clínquer, ao se formar, apresenta a configuração de bolsa de cerca de 1 a 5 cm de diâmetro.
Na saída do forno, o clínquer tem a sua temperatura reduzida a cerca de 50-70 ºC e, então, é estocado. Como adição final, o clínquer recebe uma certa quantidade de gesso (determinada pela ABNT – Associação Brasileira de Normas e Técnicas), entre outros aditivos, resultando, assim, diversos tipos de cimento para os mais diversos fins. Após tais adições, são moídos, pulverizados e estocados em sacos, devidamente rotulados.
Se forem utilizadas argilas com muito baixo teor de óxido férrico (ou mesmo completamente isento dele), obteremos o famoso cimento branco, utilizado em rejuntes de ladrilhos. Se, ao final da produção de cimento branco, adicionarmos concentrações pré-determinadas de MnO, Cr2O3 ou Fe2O3 (todos sendo adicionado depois da fabricação e não antes!) teremos cimentos nas colorações azul, verde e castanho avermelhado, respectivamente. Isso mesmo! Teremos cimento já colorido de fábrica. É importante frisar que os óxidos de ferro II e III, utilizados na fabricação são fundentes, reduzindo, portanto, a temperatura de clinquerização. Na sua falta, o cimento branco possui uma temperatura de clinquerização mais elevada (cerca de 1500 ºC), acarretando o emprego de fornos refratários, além de maior consumo de combustível. Por isso, o seu preço final é mais caro. Outro fato importante a respeito do cimento branco é que sua resistente à compressão é bem elevada. Seria tentador construir uma casa empregando apenas cimento branco, mas seu custo acabaria sendo astronômico.
Dados sobre a produção anual de cimento (entre outras coisas) poderão ser encontrados no site do Sindicato Nacional das Indústrias de Cimento.
Aços e outros materiais empregados na construção possuem vasta documentação sobre suas composições e arranjos em níveis moleculares; mas o mesmo não acontece com o cimento… até agora.
Curiosamente, as três dimensões da estrutura cristalina de hidrato de cimento deram muito trabalho para terem suas informações decodificadas em níveis atômicos. Isso significa dizer que “ótimo, o cimento é legal e podemos construir um monte de coisa. Mas como ele consegue isso, mesmo?”. Obviamente, estou exagerando um pouco, já que sabemos muito sobre os compostos químicos que são formados durante a feitura do cimento. Mas cientistas têm o (péssimo?) hábito de quererem entender tudo o que acontece e, principalmente, porque acontece. A interação entre a composição química e densidade da fase aglutinante e estruturalmente complexa do cimento permanece ainda inexplorada. Juntas, essas características definem as propriedades físicas e mecânicas deste material.
O cimento causa muitos impactos, não só no ramo da construção civil nas grandes cidades, mas no meio-ambiente também, já que ele é responsável por cerca de 5 por cento de todas as emissões de dióxido de carbono em todo o mundo, e isso inquieta não só ativistas de sofá politicamente corretos, como cientistas que buscam minimizar estes efeitos.
“O cimento é tão amplamente utilizado como material de construção que ninguém vai substituí-lo tão cedo. Mas tem o problema do dióxido de carbono, e uma compreensão básica deste material pode ser muito oportuna”, disse o professor do MIT Sidney Yip, co-autor de um estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, que anuncia a decodificação da estrutura tridimensional da unidade básica de hidrato de cimento por um grupo de pesquisadores do MIT que adotaram o curioso nome “Liquid Stone” para a sua equipe. Este nome (Pedra Líquida, em tradução literal) faz referência à solução coloidal de cimento sob a forma gel que obtemos ao misturá-lo com água, afim de termos uma mistura plástica de modo que possamos remendar os buracos em nossas paredes.
“Acreditamos que este trabalho é um primeiro passo em direção a um modelo coerente da estrutura molecular do hidrato de cimento, e nós esperamos que a comunidade científica irá trabalhar com ele”, disse Yip, que está no departamento do MIT de Engenharia Nuclear (NSE). “Em cada campo há descobertas que ajudam a fronteira de investigação avançar. Um exemplo é a descoberta de Watson e Crick da estrutura básica do DNA.”
Os cientistas acreditavam que em nível atômico, a mistura hidratada de cimento se assemelha ao mineral tobermorita, que possui uma geometria ordenada constituída por camadas de cadeias infinitamente longas constituídas de moléculas de dióxido de silício (sílica) intercalados com camadas de óxido de cálcio (CaO) puro. Para saber mais sobre a tobermorita, recomendo a leitura do texto A síntese da tobermorita e sua aplicação na engenharia de materiais.
A equipe do MIT descobriu que o cálcio e sílica hidratada de cimento não é realmente um cristal. É um híbrido que compartilha algumas características com as estruturas cristalina e alguns com a estrutura amorfa de líquidos congelados, como o vidro ou gelo. Pois é, o vidro não é líquido e sim um sólido amorfo. Logo, esqueçam aquela bobagem dos vitrais nas igrejas centenárias (mais uma coisa pro rol de artigos que eu preciso escrever. Oh, Céus!)
Em escala atômica, a tobermorita e outros minerais possuem camadas horizontais de triângulos intercalados com camadas de listras coloridas. Mas um olhar de duas dimensões em uma unidade de hidrato de cimento mostra camadas de triângulos (tetraedros de sílica) com cada terceiro, sexto e nono triângulo virado para cima ou para baixo ao longo do eixo horizontal, atingindo a camada de óxido de cálcio acima ou abaixo. Simples, não? Pois é, é justamente nessa mixórdia molecular que as moléculas de água agem, conferindo ao cimento a sua qualidade, sendo regulado pelo gesso, que se hidrata fácil, por isso é ele o responsável pela “pega”.
É irônico aplicar uma camada de cimento e dizer que vai esperar ele “secar”, quando na verdade ele não perde água, a água na verdade penetra sua rede cristalina, o que confere dureza e resistência mecânica depois da “cura” (um termo mais apropriado). Entendendo como se dá o arranjo espacial das moléculas formadoras do cimento, os cientistas poderão pesquisar novos aditivos, ampliando sua resistência e, quem sabe, evitando que ele polua mais oambiente, enquanto não se encontra um subsituto à sua altura.