
Uma governante outrora poderosa adoece. Um vírus ameaça todo o reino. Súditos previamente leais tramam nas sombras. Uma nova líder, mais vigorosa, ascende ao trono enquanto a anterior é brutalmente destituída. Se você pensou em Game of Thrones, sinto informar que a realidade é ainda mais fascinante – e aterradora –, e está acontecendo neste exato momento em milhares de colmeias ao redor do mundo, onde a política interna das abelhas faria Maquiavel corar de inveja.
As abelhas operárias, aquelas funcionárias incansáveis que passam a vida inteira trabalhando sem reclamar (ou quase), têm um limite de tolerância muito bem definido para incompetência administrativa. Quando a rainha começa a falhar na sua única e exclusiva função – botar ovos como se não houvesse amanhã –, as trabalhadoras detectam a fraqueza, convocam uma reunião secreta do comitê revolucionário e organizam um golpe de estado que seria inveja de qualquer junta militar latino-americana dos anos 70. O processo tem até nome científico: supersedure, que em bom português significa “substituição”, mas que na prática deveria se chamar “quando a chefe perde o cheiro, o cargo e a cabeça”.
Vou manter substituição, mesmo. Dizer “Foi de Luis XVI” pode não ser considerado muito científico.
Pesquisadores da Universidade de British Columbia, no Canadá, finalmente desvendaram o mecanismo químico por trás dessas revoluções palacianas. Descobriram que infecções virais comuns encolhem os ovários da rainha, o que é particularmente dramático quando você considera que uma rainha saudável bota entre 850 e 3.200 ovos por dia, mais do que o próprio peso corporal. É como se você acordasse amanhã e tivesse que produzir 70 quilos de alguma coisa diariamente. Quando esse sistema produtivo falha, os ovários minguados também reduzem a produção de um feromônio chamado oleato de metila, uma substância química que funciona como o perfume da lealdade: aquele cheirinho que mantém as operárias dizendo “sim, senhora” e trabalhando felizes.
O problema é que, quando os níveis de oleato de metila despencam, as operárias literalmente farejam a fraqueza da rainha. É um golpe olfativo. As abelhas não precisam de reuniões secretas em porões mal iluminados; elas simplesmente sentem no ar que a chefe não está mais dando conta do recado e, coletivamente, decidem que é hora de procurar uma substituta. A coordenação é tão impressionante que faria qualquer partido político moderno morrer de inveja: dezenas de milhares de operárias chegam à mesma conclusão simultaneamente, apenas seguindo o nariz.
O dr. Leonard Foster é químico (com ele a oração e a paz). Ele explica que “uma rainha saudável pode botar até 3.200 ovos por dia, mais do que o peso de seu corpo inteiro. Mas em nossos experimentos, rainhas infectadas por vírus botaram menos ovos e produziram menos oleato de metila. Essa redução de feromônio parece ser o sinal para as operárias de que a rainha não está mais apta a continuar.” Traduzindo: quando o perfume acaba, a festa também acaba.
Essa descoberta não é apenas uma curiosidade entomológica para entreter nerds em festas. As abelhas são responsáveis por polinizar cerca de um terço das culturas agrícolas do mundo, o que as torna peças absolutamente críticas para a segurança alimentar global. Não é exagero dizer que, sem abelhas, nossa dieta seria drasticamente mais entediante, e cara. Por pelo menos 20 anos, apicultores do mundo todo têm relatado problemas crescentes com “falha de rainhas” e substituição prematura. Pesquisas recentes identificaram “rainhas ruins” como a causa mais frequentemente reportada de perdas de colônias. Agora sabemos que infecções virais são um fator-chave por trás desses problemas, interrompendo o delicado equilíbrio de sinais químicos que mantém a ordem na colmeia.
Mas aqui vem a parte realmente interessante: os cientistas descobriram uma maneira potencial de intervir nesse processo revolucionário. Em experimentos de campo, colônias que receberam suplementos sintéticos de feromônio – incluindo o precioso oleato de metila – foram significativamente menos propensas a criar novas rainhas, comparadas com colônias que receberam misturas sem esse componente específico. É como se você pudesse evitar um golpe de Estado simplesmente garantindo que a presidente continue cheirando bem.
Para quem acha que a solução é simplesmente borrifar perfume sintético nas colmeias e esquecer do problema, a coisa não é tão simples. A pesquisa também destaca o papel crucial dos ácaros varroa, pequenos parasitas vampirescos que se alimentam de abelhas e espalham os vírus associados à falha das rainhas. Esses bichinhos sacaninhas saem por aí transmitindo doenças de colônia em colônia. Manter as colônias saudáveis e livres de parasitas é fundamental para prevenir a perda de rainhas.
No fim das contas, estamos falando de uma verdadeira aula de realpolitik no mundo dos insetos. As abelhas operárias não são sentimentais: se a chefe não está produzindo, ela vai para a guilhotina química. Não há espaço para nostalgia ou lealdade emocional quando a sobrevivência da colônia está em jogo. É brutal, é eficiente, e é absolutamente fascinante que todo esse drama shakespeariano seja orquestrado por moléculas voláteis flutuando pelo ar da colmeia.
A próxima vez que você colocar mel no chá, lembre-se: aquele doce produto veio de uma sociedade onde golpes de estado são rotina, onde a competência é literalmente uma questão de vida ou morte, e onde o poder não está em quem grita mais alto, mas em quem cheira melhor. É a democracia olfativa em sua forma mais pura – e mais implacável.
Fonte: PNAS

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