
Você olha para um pudim e sente alegria. Ou ouve uma música e lembra de um amor de adolescência que você preferia esquecer. Isso acontece porque o cérebro, esse roteirista de novela com tendências dramáticas, vive ligando pontas soltas entre coisas que nem sempre parecem ter relação direta. E agora, um estudo espanhol resolveu investigar como, exatamente, o cérebro consegue montar essas tramas rebuscadas e fazer decisões com base em associações que, à primeira vista, não têm nada a ver. Tipo banana, sal, medo e trauma. Sim, banana.
Pesquisadores do Hospital del Mar Research Institute, em Barcelona, publicaram um estudo que mostra como o cérebro é capaz de formar associações indiretas entre estímulos diferentes. Em vez de simplesmente ligar estímulo e recompensa (tipo “cheirou pizza, ficou feliz”), o cérebro às vezes dá voltas mais longas, ligando estímulo a estímulo, e só então a uma consequência. E pra entender isso, claro, usaram os melhores testadores possíveis: camundongos.
José Antonio González Parra é estagiário de luxo do dr. Arnau Busquets, ops, desculpem. Ele é doutorando (mas que é estagiário de luxo, isso é. Não vou colocar link pra você, Arnau) e fez uns testes com os camundonguinhos, que foram submetidos a uma sequência de testes dignos de reality show culinário com pegadinhas.
Primeiro, os cientistas ensinaram os bichinhos a associar o cheiro de banana com sabor doce e o cheiro de amêndoa com sabor salgado. Até aí, tudo bem. Mas depois, os malandros associaram o cheiro de banana a uma experiência negativa. Resultado? Os ratos, mesmo sem mexer no doce diretamente, passaram a rejeitá-lo. Porque agora, para eles, o doce estava “contaminado” pela memória ruim da banana. Ou seja, eles fizeram uma ligação indireta entre o gosto e a coisa ruim, uma espécie de “culpa por associação”.
A estrela do show, é claro, foi a amígdala cerebral. Diferentemente da das infecções de garganta, mora dentro do cérebro e é especialista em medo, ansiedade e traumas. A equipe usou vetores virais (aqueles transportadores genéticos de elite) para marcar e monitorar o que acontecia no cérebro dos camundongos durante os testes. Parra, com Busquets olhando por cima do ombro, viu que a amígdala se “acendia” (ou seja, era estimulada) toda vez que as conexões entre cheiro e gosto eram feitas, principalmente quando envolviam algum risco ou sofrimento. A amígdala, como sempre, sendo a guardiã emocional da tragédia.
Mas ela não agiu sozinha. Outras áreas cerebrais também estavam no rolê, como uma parte do córtex que se conecta com a amígdala para formar esse circuito da memória emocional. E quando os cientistas desativaram a amígdala durante os testes? Nada aconteceu. Os ratos não aprenderam as associações indiretas. Como se o cérebro dissesse: “sem drama, sem lembrança”.
A implicação disso tudo? Que essas mesmas redes cerebrais provavelmente existem em nós, humanos, e estão envolvidas em transtornos mentais como estresse pós-traumático (ou PTSD, como aparece nos filmes) e psicoses. Afinal, muitas dessas condições envolvem memórias distorcidas, associações que não fazem sentido lógico, mas que, no cérebro afetado, parecem perfeitamente reais. Como quem associa barulho de fogos com pânico, ou cheiro de hospital com dor insuportável.
Segundo Busquets, que como todo PhDeus é quem dá as entrevistas, entender melhor esses circuitos pode ajudar a desenvolver terapias específicas, inclusive com uso de técnicas como estimulação cerebral para modular a atividade da amígdala e arredores. Em outras palavras, o cérebro tem seus atalhos estranhos, e talvez possamos hackear alguns deles para desligar lembranças que mais atrapalham do que ajudam.
A pesquisa foi publicada na PNAS, na qual Busquets aproveitou para citar seus trabalhos e ganhar uns pontinhos extras nos fatores de impacto.

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