Quando a sorte bate à porta… com uma intimação junto

Ganhar na loteria é o sonho de muita gente. Você compra um bilhete achando que está só doando uma moedinha para o sistema, e de repente: pá! Muitos milhões caem no seu colo por mágica. Parece ótimo, né? A vida muda, você se imagina largando o emprego, comprando uma ilha, colocando nome em estrela, e finalmente comprando aquele shampoo de R$ 58 que você sempre ignorou no supermercado.

Mas nem toda bolada é bênção. Às vezes, a sorte vem com cláusula escondida, família com advogados, colegas de trabalho que lembram de acordos que talvez você tenha feito depois de três cervejas e uma piada, um caminhoneiro ressentido e — porque a vida é criativa — um sequestro armado seguido de tiroteio. Ah, e claro, a Receita Federal, óbvio, pois se tem algo que o Governo é bom é em tirar seu rico dinheirinho, como uma certa garçonete teve o brutal azar de ter tirado a sorte grande.

Tonda Dickerson (piada fácil demais. Vou deixar passar) era uma garçonete no Sweet Home Alabama, where the skies are so blue. Ela trabalhava numa franquia do Waffle House, que funciona 24/7, 365 dias por ano, sem feriado e pessoal sempre fazendo hora extra e pegando turnos a mais porque não pagam lá essas coisas. Divorciada, na casa dos 20 e poucos anos, mãe solo, Tonda ralava pra caramba para pagar as contas, porque, afinal, o aluguel não se sensibiliza com dramas pessoais.

Em 6 de março de 1999, ela servia café e bacon a um cliente habitual: Edward Seward, um caminhoneiro daqueles que conheciam todas as rotas e todas as garçonetes pelo nome, e tenho certeza de que bem que queria conhecê-las no sentido bíblico, mas como isso é secundário, voltemos ao distinto 6 de março quando Seward resolveu deixar uma gorjeta diferente: um bilhete da loteria da Flórida que ele tinha comprado num posto qualquer. A equipe do restaurante tinha um acordo informal: se algum dia ganhassem algo com esse tipo de “caixinha”, dividiriam o prêmio entre todas. Tonda, entre uma risada e outra, disse que se ganhassem, comprariam um caminhão novo para ele. Brincadeira, claro. Tonda riu, as colegas riram, Seward riu, todo mundo riu.

Até veio o sorteio.

Tonda ganhou 10 milhões de dólares! U-huuuu!

Isso mesmo: o café da manhã mais barato da história da Flórida e um caminhoneiro mão de vaca renderam à garçonete do Alabama um prêmio de oito dígitos. E é aqui que a sorte começa a parecer, no mínimo, cínica.

Tonda optou por receber o prêmio em parcelas: US$ 375 mil por ano durante 30 anos. Um salário vitalício digno de rainha do Waffle House. Naturalmente, ela largou o avental, o balcão e o cardápio pegajoso de café da manhã e foi viver a vida. As colegas ficaram felizes por ela… por um tempo; até o momento que elas se lembraram do acordo. Então, começaram a perguntar: “e a nossa parte?”. Afinal, tinha o tal acordo. Tonda mandou a egípcia e ficou com a grana. Como estamos falando da terra dos bravos e lar dos livres, em que se processa até por cuspida no chão, vieram eles: os processinhos!

As ex-colegas de Tonda (eu não consigo escrever este nome sem rir. My bad!) a processaram, alegando que o acordo era real, conhecido por todos e, inclusive, já mencionado na frente de clientes. Testemunhas foram convocadas. Em 45 minutos, o júri decidiu: ela poderia ficar com US$ 3 milhões, mas o restante deveria ser dividido com as outras. Um tipo de meia-vitória judicial. Tonda acenou com a cabeça e disse “obrigada, não, obrigada” e levou o caso à Suprema Corte do Alabama, que então usou uma carta mágica: o acordo era inválido, porque envolvia divisão de prêmio de jogo, e jogo é ilegal no glorioso estado do Alabama. Resultado: Tonda ficou com tudo.

Sim, você leu certo: ela ganhou na Justiça com base no fato de que estava cometendo uma ilegalidade. As maravilhas do sistema. Não tente entender, porque tem mais nessa história: O retorno de Seward, o caminhoneiro traído.

Seward também decidiu processar Tonda, alegando que ela fraudou o acordo, já que aceitou o bilhete dizendo que o prêmio seria dividido. E, além disso, ela prometeu a ele um caminhão. Ela respondeu que aquilo foi uma piada, uma brincadeira de balcão. O tribunal concordou com ela. Seward perdeu o processo. Apelou. Perdeu de novo. E provavelmente nunca mais tomou café naquele Waffle House. As colegas devem ter ficado mais boladas porque perderam gorjetas futuras.

Se você acha que a história acaba aqui, por favor, subestime mais a capacidade da vida de surpreender, já que Stacy Martin, ex-marido de Tonda, reapareceu, como um morcego vindo do Inferno farejando sangue, digo, dinheiro. Eles tinham se divorciado em 1997, mas ele resolveu voltar à cena com uma arma. Como ele propôs resolver isso? Ora, sequestrando Tonda, é claro! Stacy (que eu sempre pensei ser nome de mulher, mas então lembrei do Stacy Keach) ameaçou matá-la e a levou até um píer deserto. O plano, aparentemente, envolvia homicídio, drama e talvez um final digno de novela.

No meio da conversa e ameaças, o celular de Tonda tocou. Stacy, num raro momento de gentil estupidez em meio ao sequestro, deixou que ela atendesse. Só que, ao enfiar a mão na bolsa, ela sacou uma arma e atirou nele. MURICA FUCK YEAH!

Martin ainda teve forças para tomar a arma de volta e ameaçá-la, mas já com uma bala alojada no peito, resolveu que talvez fosse melhor ir ao hospital. E foi! E, pasmem: nenhuma acusação formal foi feita contra ninguém. Gente chegando com um tirambaço no peito deve ser algo normal nos hospitais do Alabama, além de incestos.

Tonda agora era milionária, processada, sequestrada, e uma atiradora em legítima defesa. E isso tudo por causa de uma gorjeta. Ela tinha resolvido todas as suas pendengas, certo? Ceeeeeeer… só que não. Tonda já tinha vencido colegas, um caminhoneiro e um ex-marido armado. Quem faltava? A Receita Federal dos EUA.

Logo após receber o prêmio, Tonda criou uma empresa no estado da Flórida (uma S corporation) para administrar o dinheiro. Algo comum entre milionários — proteção legal, benefícios fiscais, facilidade de doação para familiares, etc. (ou seja, um modo legal de dar balão no governo).

Tonda ficou com 49% das ações. O resto dos 51% foram divididos entre seus pais e irmãos. Esse repasse equivalia, à época, a US$ 2,4 milhões. A IRS (o nosso “leão” versão megazord norte-americano) olhou e disse: “Ah, isso é um presente. E presente paga imposto.” No caso, US$ 771 mil em imposto de doação. Tonda, é claro, disse “aham, claro… CLAQUINÃO!”. Alegou que não era um presente, mas o cumprimento de um acordo prévio com a família.

Argumentou que a empresa era dona do bilhete, e que os outros acionistas (os familiares) só estavam recebendo sua parte. E, mesmo que fosse presente, o valor do bilhete estava inflado, afinal, ela ainda estava sendo processada pelas colegas e podia acabar tendo que dividir tudo. Era como um bilhete de loteria de Schrödinger: valia 10 milhões… ou 3 doletas.

A briga com a Receita durou 13 anos! T-R-E-Z-E   A-N-O-S!!!!

Em 2012, o veredito final: era sim um presente. O tal acordo oral não tinha validade jurídica (olha ele de novo!), e a empresa era apenas uma fachada. Mas, num ato de misericórdia fiscal, a corte aceitou que, de fato, o valor do bilhete estava em disputa quando o presente foi feito. Então, em vez de pagar imposto sobre US$ 2,4 milhões, Tonda teria que pagar sobre US$ 1,1 milhão. Metade do prejuízo. E, considerando que era contra o IRS, isso foi quase uma vitória.

Conclusão? Tonda é tipo o Chuck Norris das loterias! Ela venceu colegas, um processo de um caminhoneiro amargo, um ex-marido armado e até a Receita Federal. O que mais poderia ameaçá-la? Um furacão? Um processo interdimensional? Uma fritada de waffle envenenada?

Tonda Dickerson é o que acontece quando se mistura azar cósmico com teimosia judicial, tudo temperado com bacon e café aguado de beira de estrada. Ela ganhou um prêmio de US$ 10 milhões e pagou por isso em parcelas de caos.

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