
Era uma vez um velhinho. Ele saía na noite de Natal presenteando as pessoas. Não o tipo de presente que você acha que era, seja lá qual for o que você esteja pensando. Ele ia de casa em casa para cumprimentar os vizinhos. Seu nome era João, bom português, uma alma pura como todas as obras puras podem ser. Eu me lembro dele. Grossas sobrancelhas, um bigode branco, cabelo cortado à escovinha, uma barriga protuberante.
Esse era o Vovô João, como eu e meus irmãos chamávamos quando éramos crianças.
Me lembrei dele hoje. Ele já morreu há mais de 30 anos, mas por algum motivo me lembrei dele. Eu não tinha me atinado uma coisa, mas é a verdade e precisei de uma postagem no Twitter para me lembrar de certas coisas esquecidas: os jovens não sabem comemorar. Eles não querem comemorar.
O mundo hoje virou o mundo do narcisismo. Todas as comemorações não são comemorações, são batalhas para mostrar o quanto alguns se acham melhores que os outros. É passa no arroz, maçã na maionese, ovo na farofa… qualquer coisa é motivo pro jovem externar o quanto ele é insuportável, pois, normalmente são criaturas mimadas que tudo tem a ver com eles.
Vovô João não era assim. Ele e os mais velhos comemoravam. Iam de casa em casa, cumprimentavam, levavam quitutes. Ninguém reclamava de passa no arroz nem outra bobagem com relação a comida. Os mais velhos passaram por dificuldades, sabiam o que era não ter, o que era guardar um pouco todo dia para poder comemorar com certa “fartura”.
Sim, entre aspas. Não tínhamos o que temos hoje, não havia delivery. Cada um tinha que fazer a sua ceia com o que pudesse, e essa ceia era compartilhada. Todos eram felizes. Mas aí surgiu a maior desgraça: o jovem. O jovem que não tem problemas e tira do cu alguma bobagem, já que, como falei, seu narcisismo obriga a chamar atenção. É o jovem que reclama da polarização na política e que é justamente o responsável por criar discórdia levantando temas políticos a troco de nada. Motivo? Narcisismo. Olhem como eu sou melhor que vocês, sua velharada! Eu sou politizado. Olhem para mim! Olhem para mim! Eu sou o máximo! E odeio essa passa.
O problema do mundo é a inefável ocorrência que vem a todos nós: a morte. Os mais velhos morreram. As tradições também. Não há mais luzes de Natal, não há mais pessoas andando de casa em casa. Elas estão acostumadas com o eu, eu, eu. E como não têm mais ninguém na família, pois, família é algo que ajudaram a destruir, pois isso é coisa de fascista, ficam na internet batendo o tambor “odeio passa no arroz, odeio maçã na maionese”, quando a única resposta pra isso é FODA-SE, MERMÃO!
Eu estou velho… velho como vovô João. Velho, mas eu ainda tenho capacidade de melhorar as pessoas.. ok, uma pessoa. Eu ensinei a minha filha o que é a tradição de reunir. Não importa se é natal, se é Rosh Hashaná ou qualquer outra comemoração. Ensinei-a a respeitar as pessoas e não criar caso por merda, porque, se você é daqueles que arruma problema por causa de uva passa, você é apenas um desocupado, e a imprensa vai rolar isso, claro, porque o que não falta é jovem desocupado inventando merda, mas seu final eu já sei e não invejo. os velhos tiveram seu momento, vocês jamais terão isso.
Eu ainda tenho as minhas boas lembranças de tempos mais simples, quando o hoje vocês têm é a lembrança de serem insuportáveis, o que lamentarão nos anos porvir, mas aí já não é problema meu. Nunca foi problema meu a bem da verdade.
Eu estou tranquilo porque eu ensinei boas coisas. A família dos outros? Que tenho eu a ver? Feliz Natal a todos, e se isso lhe ofender… bem, pegue a ofensa e enfie no cu.

Feliz Natal, André!
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Feliz Natal.
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bom
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