Lembrem-se, lembre-se do cinco de novembro. Não por causa daquela conspiração terrorista para derrubar um parlamento para instituir uma ditadura fundamentalista católica. Ontem foi a primeira prova do ENEM e já tem gente reclamando, o que não é novidade. Se virem vídeo de gatinho, é capaz de reclamarem também. O mimimi dessa vez foi porque um bando de imbecilóides que ainda não entenderam o ENEM se prepararam para escrever sobre o embate Estados Unidos x Coreia do Norte (aposto que até já tinha colinha na manga do casaco) e deram de cara com o tema: “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
Pronto, ferrou!
O mal de tudo é que ainda não entenderam várias coisas importantes. Primeiramente, ENEM sempre trabalha com contextos sociais. Bata ver todos os temas usados nas redações desde 1998.
ANO | TEMA | ANO | TEMA |
1998 | Viver e aprender | 1999 | Cidadania e participação social |
2000 | Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse desafio nacional | 2001 | Desenvolvimento e preservação ambiental: como conciliar os interesses em conflito? |
2002 | O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as transformações sociais que o Brasil necessita? | 2003 | A violência na sociedade brasileira: como mudar as regras desse jogo |
2004 | Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação | 2005 | Movimento imigratório para o Brasil no século 21 |
2006 | O trabalho infantil na sociedade brasileira | 2007 | O desafio de se conviver com as diferenças |
2008 | Como preservar a floresta Amazônica: suspender imediatamente o desmatamento; dar incentivo financeiros a proprietários que deixarem de desmatar; ou aumentar a fiscalização e aplicar multas a quem desmatar | 2009 | O indivíduo frente à ética nacional |
2010 | O trabalho na construção da dignidade humana | 2011 | Viver em rede no século 21: os limites entre o público e o privado |
2012 | Movimento imigratório para o Brasil no século 21 | 2013 | Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil |
2014 | Publicidade infantil em questão no Brasil | 2015 | A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira |
2016 | Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil | 2017 | Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil |
Viram? Alguém, por gentileza, me mostra algo versando tema estrangeiro que eu não entendi. Assim, os filhotes dos cursinhos da vida, que faz seu filho decorar tudo com musiquinhas e professores engraçadalhos toma na cabeça. O ENEM é uma prova inteligente que trabalha com linguagem. E para trabalhar com linguagem, quem vai prestar a prova precisa, no mínimo ter capacidades de leitura e escrita e no mundo dos 92%, isso fica muito complicado. (Por que 92%? Por causa disso)
O fato de terem reclamado de não estarem preparados para discutir um tema sobre a inclusão de surdos é porque REALMENTE precisamos meter na cabeça de alunos e professores que é sim preciso discutir sobre isso. Entendam, não é aquelas palhaçadas do “precisamos falar disso” nas redes sociais. Eu já tive alunos surdos e é um inferno. Principalmente quando eu descubro que uma das alunas era surda ao chamar a atenção dela e perguntar se ela não estava me ouvindo chamar. Aí um outro aluno me diz “ela não pode ouvi-lo. Ela é surda e está sem o aparelho hoje”.
Só me restou pedir desculpas, pedir licença um instante, ir na coordenação e dar um esporro perguntando o que eles tinham na cabeça ao colocar uma aluna surda e não me avisar. (bem, na verdade eram duas. FML!).
Claro, a questão da redação é muito simples, só que professores de redação esquecem o detalhe mais básico de todos. Ou até sabem, mas tem aquele lance da direção pressionando e coordenação enchendo o saco: Redação não é para você ser especialista em todos os temas. É para avaliar a sua capacidade de expor ideias e dominar a norma culta da gramática, escrevendo corretamente e concatenando ideias de forma que você não olhe aquilo e pense “que diabos eu estou lendo aqui”. Como sai fora das regrinhas ensinadas nos cursecos, os alunos entram em desespero. Quando o professor de Química procura trabalhar isso, lhe dizem que ele não pode tirar ponto por erros de português, porque ele não é professor de língua portuguesa, embora pedagogas não sejam professoras de Ciência, mas podem lecioná-la. Mais não falarei sobre este ponto.
A única coisa que e tenho a comentar é que as notas serão mais uma maravilha em termos de show de horrores, mas como não se zera no ENEM a perspectiva de alguém tomar vergonha e realmente passar a exigir sério nos colégios de forma a não passar vergonha na hora da prova do ENEM será praticamente anulada pelo fator realidade.
Quem sabe não gere boas risadas em mais um artigo ou vídeo futuro?
O melhor é o MEC exigir isso tudo sobre conhecimento com o que eu vi durante meu ensino médio no Instituto Federal do Maranhão.
Na minha sala havia uma aluna com baixa visão. A única coisa que a coordenação do curso fez pela garota foi simplesmente dizer que o primeiro assento da fila era dela.
Com o tempo, conversando com ela, sempre dávamos instruções aos professores que muitas vezes chegavam sem nem saber que tinha uma aluna deficiente na sala. Tínhamos que instruir o professor a mudar slides, escrever com letras maiores, fazer provas maiores pra ela (como muitos professores tinham uma memória muito ruim, passamos a recusar fazer a prova quando não havia a especial pra ela). Até hoje faço slides na faculdade com contraste maior e com letras e imagens maiores pelo costume da época.
No ano seguinte à minha entrada chegaram vários surdos ou deficientes auditivos devido a uma nova cota. Mas a instituição não tinha nenhum intérprete. As mães fizeram vários protestos e os alunos só assistiam às aulas por que haviam voluntários. Um dos momentos que mais doeu em mim foi conversar com um dos surdos que queria simplesmente desistir do curso porque ele estava na aula sem ouvir nada e sem entender nada. (depois de alguns meses foram contratados intérpretes num núcleo específico da instituição).
Com toda essa experiência numa instituição federal pareceu até sádico o tema proposto pelo MEC.
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E isso porque os corretores foram muito camaradas.
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Nunca fui bom em Português,mas pelo menos tentava fazer o melhor possível.Quando forem corrigir as redações,ou irão dar boas gargalhadas com as bobagens que foram escritas ou irão ficar horrorizados com a torrente de ILÓGICA E BURRICE que irão ler!
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Do jeito que foram as reclamações, deu a impressão que o ENEM jogou o tema secamente e pediu para desenvolver a redação do nada, quando, como em qualquer prova de redação, sempre há alguns trechos de textos (que o pessoal que faz os vestibulares da UNICAMP chama de coletânea de textos) que servem para nortear o candidato, já que, como você disse, não dá para saber tudo de tudo.
Ainda falando em reclamações, também teve reclamações com os loooooooooooongos enunciados (de 8-10 linhas), gente que chutou um monte de questões, gente que deixou um monte de questão em branco, gente reclamando de que que “é fácil dizer que ENEM é preciso saber lógica e interpretação de textos quando se sabe todas as fórmulas”, gente reclamando da prova ser em dois domingos e uma idiota no twitter dizendo que o tema da redação devia ser “os traumas e efeitos psicológicos que provas como o ENEM causam”. Todos esses reclamões na faixa dos 20 e poucos anos de idade. Na boa, a geração leite com pera pede, clama, implora para ser zoada.
E certamente vai ter vídeo ou texto para a gente dar umas gargalhadas, pois se esse ano o show dos atrasados foi xoxo, o show das redações será um espetáculo, com gente falando sobre Braille. Assim como o Luis Galbiatti, nunca fui bom aluno em português (muito ao contrário), mas também fazia o meu melhor possível. Ao menos já sabia interpretar texto e respeitava a gramática.
E não me surpreenderia nem um pouco se não houve gente que viu o Libras e acabou falando sobre astrologia – http://www.e-farsas.com/candidatos-do-enem-confundiram-libras-com-astrologia.html
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