Aplicações tecnológicas
Como eletroímãs são largamente utilizados em dispositivos tecnológicos, a novidade teria um grande potencial para ser extensivamente utilizada pela indústria, não fosse por um simples detalhe: todos os materiais supercondutores descobertos até 1986 apresentaram temperatura crítica inferior a 30 K, ou -243ºC. Qualquer dispositivo fabricado com esses materiais só pode operar em temperaturas inferiores à temperatura crítica. Ou seja, o equipamento teria que ser resfriado até atingir aproximadamente um décimo da temperatura ambiente usual, que é da ordem de 300 K.
Esse processo de resfriamento fica muito caro para ser usado em aplicações comuns. Assim, fios feitos com esses supercondutores de baixa temperatura crítica só foram industrialmente utilizados para a fabricação de eletroímãs empregados em sofisticados e caros equipamentos de pesquisa e para a produção de aparelhos de ressonância magnética usados na medicina.
Existem outras aplicações dos supercondutores de baixa temperatura crítica, tão importantes que merecem um artigo especial. São as chamadas aplicações da junção Josephson, que discutiremos em detalhes no próximo artigo.
Um horizonte de novas perspectivas descortinou-se em 1986, com a descoberta dos supercondutores de alta temperatura crítica, ou cerâmicas supercondutoras, que podem operar em temperaturas superiores à do nitrogênio líquido, aproximadamente 77 K (-196ºC). Passar de 30 K para 77 K representa uma economia animadora: não apenas a tecnologia é mais simples, como o gás utilizado, nitrogênio, é muito mais barato do que o hélio, necessário para resfriar materiais abaixo de 30 K.
Limitadores de corrente
Embora, até o momento, o sonho tecnológico tenha sido bem maior do que as realizações, a comunidade de cientistas e engenheiros dedicados ao assunto continua investindo no aperfeiçoamento das invenções, algumas das quais extremamente criativas. Um bom exemplo são os limitadores de corrente, em torno dos quais alguns pesquisadores brasileiros trabalham. Esta é uma das mais geniais aplicações tecnológicas de um fenômeno natural.
O limitador de corrente é na verdade uma espécie de disjuntor utilizado na entrada de uma rede elétrica (uma cidade, fábrica ou edifício). A função de qualquer disjuntor é impedir que a corrente elétrica ultrapasse o valor máximo suportável pelo circuito ou rede elétrica. Quando uma corrente atinge esse patamar, o disjuntor desarma e abre o circuito para evitar que esse pico de energia se propague e danifique alguns componentes do circuito (eletrodomésticos, por exemplo).
O problema dos disjuntores convencionais é que eles devem ser armados toda vez que um pico o desarma. Essa situação é muito comum nas residências com chuveiros elétricos. Para o caso de uma grande rede elétrica, este processo pode ser muito oneroso e improdutivo. No caso de um disjuntor supercondutor, o limite de corrente é definido pela corrente crítica do supercondutor. Assim, quando a corrente atinge o valor limite, o material passa a ser um condutor comum e abre o circuito. Quando a corrente diminui, o material volta ao seu estado supercondutor e fecha automaticamente o circuito. O processo todo ocorre tipicamente em algumas dezenas de microssegundos.
Cabos supercondutores
Apesar da grande engenhosidade, os disjuntores não são uma aplicação das mais charmosas. Essa posição talvez seja ocupada pelo trem Maglev.
As cerâmicas supercondutoras, principalmente os compostos Bi-2223 (Bi2Sr2Ca2Cu3Ox), também já permitiram a fabricação de longos cabos supercondutores. Pesquisadores japoneses construíram uma rede elétrica experimental de alta potência com cabos desse tipo de 500 metros. Esses cabos estão sendo utilizados na fabricação de motores para a indústria naval pela empresa norte-americana American Superconductor Corporation (AMSC).
O uso das cerâmicas supercondutoras possibilitou a fabricação de um motor com 70 toneladas, em vez das 400 toneladas resultantes nos motores convencionais, e menos da metade do volume. Esse motor foi fabricado com fios de primeira geração (fios 1G), uma estrutura composta de aproximadamente 55 filamentos de supercondutor do tipo Bi-2223, imersos em uma liga de prata. O formato de fita é obtido através de processos de laminação.
Os próximos motores deverão ser fabricados com fios de segunda geração (fios 2G), produzidos com a tecnologia de filmes finos. Uma camada de material supercondutor é depositada sobre um substrato flexível. Escolhas apropriadas do substrato e da camada de acomodação possibilitam a obtenção de extraordinária performance elétrica.
Existem muitas vantagens tecnológicas dos fios 2G sobre os fios 1G, mas talvez a mais definitiva seja o custo do produto. Fios 1G custam aproximadamente R$ 100 por quiloampère-metro. Esse é um custo competitivo para muitas aplicações, mas o ideal é que ele se aproxime do custo do fio de cobre, que está entre R$ 30 e R$ 50 por quiloampère-metro. Acredita-se que os fios 2G podem chegar a um custo entre R$ 20 e R$ 50 por quiloampère-metro.
Armazenamento de energia
Além das aplicações das cerâmicas supercondutoras mencionadas acima, várias outras estão em desenvolvimento, criando um mercado que poderá movimentar valores superiores a 20 bilhões de reais. Entre as aplicações potenciais, uma bastante atrativa, nestes tempos de aquecimento global e busca de alternativas para economia de energia, é a solução proposta para armazenamento de energia por meio de um rotor à base de cerâmicas supercondutoras. A energia é armazenada sob a forma rotacional, pela aceleração do rotor a uma velocidade muito alta. Depois, a energia é recuperada simplesmente diminuindo-se a velocidade do rotor.
Filtros para estações de telefonia celular, utilizados para evitar interferência na comunicação, também são uma aplicação bastante utilizada atualmente. Estima-se em milhares o número de estações de telefonia celular nos Estados Unidos que adotam filtros fabricados com cerâmicas supercondutoras.
Fonte: Ciência Hoje Online

Um comentário em “O misterioso mundo da Supercondutividade”