ORDEM, DESORDEM E A ÚLTIMA PERGUNTA
As pessoas possuem um sério problema, e nem é culpa delas. De alguma forma, fomos acostumados a ter um mundo ordeiro, de querer ordenar e organizar as coisas. Quando vemos o mundo lá fora, ficamos pensando como ele pode ser tão desorganizado assim, mas, em contrapartida, encontramos estruturas organizadas como flocos de neve, por exemplo. De onde vem isso? Quem criou toda esta ordem? Ao meu ver, o mesmo criador que criou a desordem no Universo: O ser humano.
A questão é que, na verdade, não existe ordem nem desordem em lugar nenhum, o Homem é que busca encontrar padrões e formas definidas; e de tanto buscar acaba encontrando, nem que o seu próprio cérebro fabrique isso. Há coisas que podemos reconhecer facilmente, e há outras que não reconhecemos. Reconhecemos a forma (quase) esférica da Lua como uma figura geométrica facilmente identificável, mas qual é o formato de um punhado de cascalho? Ah, sim, ele pode ser organizado em diferentes formados, mediante reservatórios ou juntá-lo sob a forma de disco ou empilhá-lo num montinho, o qual reconheceremos como um cone. Isso significa que um punhado de cascalho não está organizado e que precisou de uma intervenção externa para ele adquirir formatos bem reconhecíveis. Portanto, enquanto a Natureza age de forma bem desorganizada possível, quaisquer demonstrações de organização só podem ter origem externa, isto é, obra de algum tipo de criador metafísico, pois ele teria que estar fora do sistema no qual está operando (a saber, o Universo). Certo? Bem, você tem o direito de acreditar no que quiser, mas temos que analisar certos fatos: os formatos que você busca é aquele que você irá encontrar. Entre trilhões de objetos soltos por aí, algum terá um formato geométrico bem definido. Simples estatística.
Tomemos o planeta Terra. Ele é esférico, certo? Uma forma perfeita, como qualquer platonista pode confirmar. Só que ela não é bem o que se entende por “esférica”. Então, nossa idiossincrasia em buscar formas geométricas perfeitas (ou, pelo menos, reconhecíveis) nos levou a achar que ela é um elipsoide. Infelizmente, isso também não condiz com a verdade. O Explorador de Campo de Gravidade e Circulação Oceânica em Órbita Estacionária – GOCE – demonstrou o verdadeiro formato da Terra, e ele não é tão lindinho quanto aparece nos mapas.
Nossa arrogância acha que tudo tem que ser como gostaríamos que fosse, e que só fazemos coisas lindas e perfeitas, só que não é assim que acontece com a Natureza. Ela é o que é e os conceitos bonito/feio, organizado/desorganizado etc. são só reflexo de nossa estupidez em querer ver coisas que não existem. Ainda pegando o planeta Terra como exemplo, pense que nosso planeta sempre é retratado com o norte “em cima” e o sul “embaixo”, mas em nenhum momento há diferença em termos de formação do planeta. Apenas criamos a convenção que o norte tem que ser em cima de todo mundo e o sul que se lasque aqui embaixo. E, não. Não perderei tempo discutindo o porque disso.
O calor é a forma de energia mais desorganizada e essa “desorganização” significa que podemos aproveitar muito pouco dele como fonte de energia. Pegue uma panela, coloque sobre uma das “bocas” do fogão e acenda o gás. Parte da energia produzida pela queima do gás escapa pro ambiente sob a forma de calor (e de luz também, mas vamos ignorar esta parte). Somente parte deste calor liberado é transferido para a parede da panela, que será transmitido à água (mas não totalmente), que cozinhará o alimento; em que entendemos por “cozinhar” como alterações químicas nas estruturas das substâncias que compõem estes alimentos. Por exemplo, quando você frita um ovo, você está desnaturando proteína (albumina) que forma a clara, formando aquela massa esponjosa.
A maior parte do calor produzido é perdida para o ambiente. Eu posso fazer passar luz por um feixe de fibra óptica, perdendo muito pouca informação (chamemos de informação cada fóton que sai de um lugar e vai pra outro), mas não dá pra fazer isso com o calor direito, a menos que você tenha olhos que nem os do Super-Homem.
Alguém, em algum ato de loucura, chamou esta desorganização da energia de Entropia, mas Entropia Termodinâmica NÃO É desorganização. Nunca foi e duvido que algum dia venha a ser.
A energia se apresenta de diferentes formas. Como vimos, a 1ª Lei da Termodinâmica estabelece que uma energia não pode ser criada ou destruída. Já a 2ª Lei diz que nenhum sistema é 100% eficiente, isto é, a energia não só se transforma, como o faz de forma tosca. Podemos encaminhar certa quantidade de elétrons através de um fio de cobre, mas sempre haverá perdas. Estas perdas poderão ser diminuídas se usarmos outros materiais e dependerá da temperatura do meio condutor. Consegui resumir bem a página anterior? Ótimo!
Entropia é algo que os físicos amam de paixão, mas para as ciências experimentais, como a Química, ela simplesmente não existe. O fato da Entropia poder ser medida numericamente é irrelevante, pois o critério é puramente matemático, e a Matemática não precisa do mundo real para existir. O mundo real é expresso pela Matemática, da maneira que queiramos que ele seja expresso. Eu crio uma escala de temperatura (Temperatura em graus von Andre — °A, por exemplo) e posso determinar o ponto de fusão e ebulição de quaisquer substâncias. Esta graduação é arbitrária e pouco (ou nada) influenciará na quantidade de calor que eu tenho que ceder à água para que ela passe do estado sólido para o líquido. Da mesma maneira, a Entropia é absolutamente arbitrária. Ela não diz que, por exemplo, um amontoado de areia é mais estável que um castelo feito por uma criança. O castelo é, segundo nosso chauvinismo, mais organizado que um simples morrinho, mas aí vem a maravilha de vermos o quadro geral.
Vamos supor que eu peça a duas crianças que arrumem dois baldes de areia (baldes iguais e areia provinda do mesmo lugar, isto é, mesmas condições). Uma despeja o balde de qualquer maneira e a outra faz um belo castelinho, molhando a areia. O que teremos? Um monte de areia organizado em comparação com o morrinho jogado de qualquer maneira. Mas o diabo está nos detalhes. O monte organizado NÃO É areia. É areia MAIS água, que age como aglomerante.
Este montinho de areia, como possui baixa entropia, tenderá a seguir o caminho inexorável de todas as coisas: aumentar a sua entropia. Sendo assim, a tendência é que ele fique que nem o segundo, que possui alta entropia. Logo, o montinho organizado tenderá a desmoronar. Simples, certo? Sim, se você não presta atenção ao mundo. De início, a areia não é areia apenas. É um subproduto da erosão de rochas que durou milhões de anos. A rocha não erodiu por mágica e sim por causa de fatores externos, como intempéries, ação química, biológica e de contato. Da mesma maneira, os montinhos de areia estão expostos ao ambiente e sofrerão ação de fatores que agirão sobre eles. Agora pensem numa situação: coloca-se um montinho feito de cascalhos e uma maquete feita com o mesmo cascalho numa sala sem umidade, ar etc. totalmente fechada. Só o montinho e a maquete. O que você acha que acontecerá nos próximos 200 anos? Vou dar uma pista: o mesmo que aconteceu com a pegada que Neil Armstrong deixou na Lua.
Também costumam relacionar a Entropia com o que se chama de flecha do tempo, fazendo a velha e já batida analogia com o cubo de açúcar se dissolvendo na água ou o café se misturando com o leite, alegando que os dois não se separam. COMO eles iriam se separar? As moléculas indo de um lugar para o outro? Isso até poderia acontecer (e eu provo que pode acontecer: água e óleo), se café fosse uma substância e leite fosse outra. Só que não são substâncias puras. Café é uma mistura de substâncias químicas e o leite é uma solução coloidal ao mesmo tempo que é uma suspensão em água. Querem organização? Misturem leite com suco de limão. O que veremos é substâncias se separando, pois a caseína será desnaturada e formará grumos, separando-se da fase líquida. Se realmente as coisas tendem a um comportamento desorganizado, o café e o leite não se homogeneizariam. Da mesma forma, se eu abrir um frasco com determinada quantidade de um gás qualquer em um ambiente, o gás se difundirá totalmente pelo ambiente, sendo pouco importante quanto tempo ele demore. A difusão será total, salvo se outros fatores atuarem (como um ventilador ou a presença de outras substâncias). Se fosse de forma desorganizada, o gás não se espalharia igualmente pelo ambiente. Se eu abrir um frasco contendo HCl, verei no local a formação de uma tênue nuvem branca. Motivo? No ar há a presença de amônia (NH3), e esta se combina com o HCl formando cloreto de amônio (NH4Cl), que é um sólido branco. Se tudo fosse caótico, ácidos nem sempre reagiriam com bases dando sal e água.
Outro exemplo lindinho é mencionar a organização dos flocos de neve, que não são tão fantásticos assim se entendermos o que é a água. A saber, é uma substância formada por hidrogênio e oxigênio, não necessariamente na fórmula H2O. Esta é apenas a fórmula mínima; a estrutura da água não é tão simples assim.
Se fosse simples, ao se misturar 50 mL de água com 50 mL de etanol (álcool comum ou “de farmácia”) teríamos um volume total de 100 mL, mas não temos. As ligações de hidrogênio entre a água e o álcool promovem um “apertamento”, onde as moléculas de álcool ficarão mais próximas da água. Assim, o volume acaba sendo menor e, por causa disso, há liberação de calor. Pode fazer os testes em casa e por mais que você faça a mistura, (use vidrarias mais precisas do que aquelas xícaras de medição, usadas por cozinheiros) JAMAIS terá 50 + 50 = 100. O todo não é a soma das partes.
No caso da neve, as estruturas do retículo cristalino são devidas às ligações químicas entre os átomos, e estes estabelecem estas ligações por causa de seus elétrons nos níveis de valência, que serão diferentes mediante o elemento em questão.
Floco de Neve
Outro exemplo seria o retículo cristalino do aglomerado iônico de cloreto de sódio, que por causa de suas características, apresenta um formato cúbico, o que confere este mesmo formato aos cristais. Enquanto isso, o belíssimo diamante possui um emaranhado horroroso de átomos de carbono, enquanto o inegavelmente feio grafite possui camadas hexagonais bem ordenados dos mesmos átomos de carbono. As diferenças físico-químicas das duas variedades alotrópicas são bem conhecidas.
Cristal de cloreto de sódio
Por causa da geometria espacial da água, onde os átomos de hidrogênio formam um ângulo de 109,5°, o centro de cargas positivas não coincide com o centro de cargas negativas. Isso faz com que as moléculas fiquem mais juntas e, por isso, temos água líquida à temperatura ambiente. Já o dióxido de carbono é uma molécula linear, onde o centro de cargas positivas coincide com o centro de cargas negativas. Resultado: CO2 é um gás à temperatura ambiente. Além disso, esta geometria angular da água faz com que seus cristais sejam angulares também. Conforme os cristais absorvem e perdem calor, a transferência faz com que apareça aqueles belos formatos que vemos ao microscópio. Apenas um caso da geometria espacial influindo em como o calor é absorvido/emitido de forma mais eficiente possível. Aqueçam enxofre até sua fusão e depois deixem que ele esfrie lentamente e vejamos a “maravilha” que se formará. Mais uma vez, é a mente humana decidindo o que é bonito ou feio.
Uma hora dizem que o mundo é desorganizado (cascalho, monte de areia etc). No outro, dizem que o Universo apresenta organização, inclusive se apontarmos que toda hora vários meteoros passam por aqui, caem pela atmosfera adentro e se inflamam, formando estrelas cadentes. O mundo é organizado ou não, afinal de contas? Como eu disse, ele é o que é. As Leis Científicas apenas observam os acontecimentos. As teorias explicam e sem precisar de algum motivo esquisito por esta grande gleba de acontecimentos. Se assim o fosse, alguma entidade sobre (ou supra) natural estaria tomando conta de tudo e seria a explicação para o pão cair sempre com o lado da manteiga para baixo (por sinal, há uma explicação física para isso, também).
Em “A Última Pergunta” de Isaac Asimov, ao longo da existência humana, sempre fizemos a pergunta sobre como impedir a destruição final. A representação disso era que todas as estrelas se tornariam anãs brancas (salvo as que explodiram em supernovas e hipernovas). O Universo seria frio, desolado e sem velocidade de expansão, começaria a se contrair, gerando o Big Crunch. Queremos ser que nem o Mun-Rá, eternos. Mas nossos sistemas biológicos são mal-feitos e caminhamos para a extinção de nossas vidas, de nossa espécie, para o final do próprio conceito de vida. Essa vida que surgiu pelo capricho da Física e da Química, cujas leis governam os longos bilhões de anos do Universo e fizeram, não só aparecer, mas evoluir todos os seres vivos. A Termodinâmica tem alguma explicação para isso?
Sim, tem e você verá na próxima página.
\o/
Finalmente os artigos sobre Termodinâmica!
Estava aguardando há meses já isso =)
Ansioso para comecar a ler.
Valeu André.
CurtirCurtir
@Oliveira, somos dois!
CurtirCurtir
André, você já pensou em escrever livros sobre ciência? é muito bom ler seus artigos, pois são fáceis de entender, não são cansativos, nos fazem reflexionar e ainda entretém. Li tudo e vou reler pra entender melhor.
Obrigado por compartir.
CurtirCurtir
Mas meu filho… eu demorei quase 3 anos escrevendo só este artigo!!!!!!!
CurtirCurtir
@André,
Existe uma coleção, chamada “tudo é história”, que aborda de forma compacta diversos assuntos, dentro da área de história. São livrinhos curtos escritos normalmente por especialistas…
Seria fantástico algo nesses moldes, mas voltado pras ciências exatas, mais ou menos como um dos artigos do site, mas expandidos :!:
CurtirCurtir
Não tem problema, nós esperamos :mrgreen:
CurtirCurtir
Muito bom o seu artigo! Parabéns!
CurtirCurtir
Livros avançados de Física, mas vc só vai encontrar fórmulas e equações, pois é isso que Entropia é: uma equação matemática. Mais nada.
CurtirCurtir
Foi bom revisar, e fortalecer, conhecimentos que adquirimos ainda adolescentes. Um texto que trata de coisas relativamente complexas, mas que se tornam compreensíveis quando abordadas de forma inteligente e bem-humorada.
CurtirCurtir
Quer dizer que nem foi o super famoso Watt que inventou a máquina a vapor “de verdade” e sim uma fazendeiro praticamente desconhecido? Por que não contam estas coisas nas aulas de física?
CurtirCurtir
Porque é irrelevante
CurtirCurtir
Pois é, sei que é irrelevante, mas eu me interesso muito por estas nuances da história da Ciência e Engenharia
CurtirCurtir
André, tire-me uma dúvida. Uma das razões de não podermos medir a temperatura de 0 K, isto é, atingir o zero absoluto é a existência do princípio da incerteza de Heisenberg?
CurtirCurtir
Chegou-se bem próximo
CurtirCurtir
Ou seja, não é😂😂😂😂
CurtirCurtir