A Termodinâmica

 

O CALOR DOS ANTIGOS

Você já estudou sobre a Revolução Industrial. A Economia inglesa começou a se aproveitar (em todos os sentidos) de tudo que lhe caísse nas mãos. Rotas marítimas, colônias, ferrovias etc. Transportes carregados de matéria-prima chegando das colônias, produtos industrializados saindo para o mundo afora. Novas terras eram usurpadas, digo, colonizadas. O Império Britânico nunca brilhou tanto quanto nesta época, num crescimento que começou com a subida ao trono de Elizabeth I. Nos meados do século XVII, entendeu-se que a ordem do dia era maximizar os lucros e minimizar os gastos (e isso inclui jornadas de 16h diárias em condições sub-humanas). Tudo em nome do progresso, dos lucros e da boa vida dos cockneys. Essa era a época que a máquina a vapor se assentou como senhora absoluta, tendo sido melhorada ao decorrer do tempo; entretanto, estou me adiantando. É importante saber que já havia máquinas a vapor bem antes de James Watts ter nascido. Heron de Alexandria já tinha um protótipo de uma máquina movida a vapor, bem como muitos de seus trabalhos fizeram uso dessa técnica.

Heron de Alexandria nasceu em Alexandria (como você deve ter imaginado) no ano 10 da Era Comum, falecendo lá pelos idos de 70 E.C.. Ele era matemático, engenheiro e mecânico, além de inventar engenhocas e ganhar um bocado de dinheiro com elas, já que amor pela Ciência nem sempre foi garantia de uma boa renda (e ainda não o é), apesar do inverso ser verdadeiro. Heron era uma espécie de Rick Baker de sua época, onde os efeitos especiais que ele criava causavam frisson. A bem da verdade, ele criou um teatro todo automatizado, com sons de trovão etc.

Tal como é hoje, havia muitos templos brigando por clientela, digo, fiéis. Dessa forma, eles tinham um problema com a concorrência, pois atrair pessoas para si quando elas dispunham de circos, teatros etc. era algo complicado. Logo, os sacerdotes costumavam contratar especialistas que pudessem deixar a plateia, digo, os fiéis de boca aberta. Heron era o melhor deles, e ganhou muito dinheiro com isso. Conta-se que ele criou um sistema, onde as portas do templo se abriam automaticamente, que nem nos shopppings de hoje em dia. Podemos ver na animação abaixo como este sistema funcionava.

Você não é bobo nem nada e já sacou o lance. A pira aquece a tubulação de ar, que faz com que este se expanda, deslocando o líquido para um reservatório que servirá de contra-peso. Isso faz mover o conjunto de polias e engrenagens, cujo conjunto abrirá as grandes portas. Agora, coloque-se no lugar de alguém que fosse visitar o templo pela primeira vez e, ao chegar perto, essas imensas portas abrem-se como por mágica e um conjunto de sinos começa, então, a tocar, sem que ninguém tivesse feito nada! Impressionante, não? Hoje, temos um bando de atores de 5ª categoria fingindo estar recebendo ispritus nas igrejas evangélicas, ou então coloca-se um figurante que finja ser paralítico para poder saltar em frente ao pessoal e comece a berrar “ALELUIA”. Até nisso os antigos eram melhores!

Com a grana que Heron ganhava com isso, ele podia pesquisar e construir algumas máquinas, muito provavelmente com o intuito de arrumar mais uns pichulés em outro serviço, é claro. Heron não estava apenas interessado em ciência e sim como se podia ganhar com ela. Dessa forma, ele chegou ao conceito da primeira turbina a vapor: o Aeolipilo.

O Aeolipilo nada mais é que a aplicação da 3ª Lei de Newton, bem antes da Inglaterra sequer existir como Inglaterra. A água contida no reservatório é aquecida e as moléculas de água começam a se agitar e o que antes era líquido passa para o estado de vapor. Com a continuação do aquecimento, as moléculas continuam se movimentando, cada vez mais rápido, chocando-se com a parede do recipiente e aumentando a pressão (pressão é força aplicada sobre determinada área), dentro de um recipiente de volume constante (transformação isométrica). Dessa forma, as moléculas estão cheias de energia e saem pelos tubos laterais, sob a forma de jatos de vapor, os quais promovem um giro do conjunto em sentido contrário. Alguns especialistas argumentam que o Aeolipilo não é exatamente uma máquina, pois não tem nenhuma aplicação prática, a não ser como simples divertimento. Um brinquedo, por assim dizer. É uma opinião válida e não podemos negar que o aparelho realmente não faz nada a não ser ficar rodando.

Mas há algo de brilhante nessa simplicidade. O vapor sai e o eixo gira mediante o vapor que sai. Seria o alvorecer de uma época que só veio muitos séculos mais tarde. Se houvesse maior interesse na pesquisa científica com foco em aplicações práticas, a Grécia (que já estava nas mãos de Roma) teria adiantado a História em 1000 anos. Mas o mundo não é simples e as máquinas não são desenvolvidas para ajudar as pessoas e sim para servir aos senhores. Numa época onde a maior parte da população era escrava, sem direitos e nem o ridículo salário do século XIX. A saber, os soldados romanos não tinham salário em ouro. Seu salarivm era uma certa quantia de sal (daí o nome) que davam a eles para manter o corpo funcionando, repondo os eletrólitos. O pagamento MESMO era feito na base dos saques feitos pelo soldados, quando o exército tomava uma região. Nem mesmo o Império Romano teria condições financeiras de sustentar os imensos exércitos que ele tinha se tivesse que pagar aos seus soldados, oficiais, generais etc. Vemos então que as máquinas desenvolvidas pelos romanos mais visavam o conforto dos nobres e cidadãos e aplicações práticas que seriam impossíveis de se realizar por mãos humanas. Mover um carro de guerra? Cavalos, bois e escravos eram mais que suficientes (embora houvessem carros impulsionados por molas, mas ineficientes em distâncias longas), apesar de haver estudos, pesquisas e ensaios que investigavam as minúcias do mundo em volta. Só faltou interesse, mesmo.

De qualquer forma, podemos ver que o uso do vapor não é tão recente quanto você pensava. Na obra Pneumática (em grego, πνευματικά), de Heron de Alexandria, muitos exemplos são dados com máquinas incríveis que usavam o poder do calor e da força hidráulica, e você pode ter o privilégio de ler este livro (in English, sorry) AQUI. Da mesma maneira, outros engenheiros da Antiguidade faziam uso do poder do calor, como Arquitas de Tarento, que chegou a construir pássaros que se moviam com o auxílio de vapor também, mas Heron foi o melhor deles.

Não obstante todas as suas criações, Heron não era bem um cientista que estava em busca de respostas. As perguntas deles eram sobre como melhorar a eficiência de seus apetrechos, como construí-los e fazê-los funcionar adequadamente. Passou-se muitos anos até que teorizassem sobre o calor e a energia em si. Em nenhum momento, isso coloca em dúvida a genialidade de Heron, mas o conhecimento humano não fica estático, ele tem sede de saber muito mais. É um fogo que consome nossas entranhas e nos faz procurar pelas respostas. O problema é formular a pergunta certa.


19 comentários em “A Termodinâmica

  1. \o/
    Finalmente os artigos sobre Termodinâmica!
    Estava aguardando há meses já isso =)
    Ansioso para comecar a ler.
    Valeu André.

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  2. André, você já pensou em escrever livros sobre ciência? é muito bom ler seus artigos, pois são fáceis de entender, não são cansativos, nos fazem reflexionar e ainda entretém. Li tudo e vou reler pra entender melhor.
    Obrigado por compartir.

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      1. @André,

        Existe uma coleção, chamada “tudo é história”, que aborda de forma compacta diversos assuntos, dentro da área de história. São livrinhos curtos escritos normalmente por especialistas…

        Seria fantástico algo nesses moldes, mas voltado pras ciências exatas, mais ou menos como um dos artigos do site, mas expandidos :!:

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  3. Foi bom revisar, e fortalecer, conhecimentos que adquirimos ainda adolescentes. Um texto que trata de coisas relativamente complexas, mas que se tornam compreensíveis quando abordadas de forma inteligente e bem-humorada.

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  4. Quer dizer que nem foi o super famoso Watt que inventou a máquina a vapor “de verdade” e sim uma fazendeiro praticamente desconhecido? Por que não contam estas coisas nas aulas de física?

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  5. André, tire-me uma dúvida. Uma das razões de não podermos medir a temperatura de 0 K, isto é, atingir o zero absoluto é a existência do princípio da incerteza de Heisenberg?

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