A Termodinâmica

 

OS GASES E SUAS PROPRIEDADES

Eu sei! Está chato vir e ir pelo tempo. Mas o tempo linear nos dá um problema: o de não entender que todo desenvolvimento científico e tecnológico não se dá seguidamente e sim como um rio que se parte em dois e ganha afluentes e vai dar um oceano, que é todo o nosso conhecimento.

Não existe saber isolado. Assim, temos que voltar para a Irlanda, no condado de Lismore, aos 25 dias de janeiro de 1627, quando um lindo bebê rechonchudinho nasceu. Aquele bebê iria construir um novo saber, cravar o último prego na pseudociência da Alquimia e fundar uma nova Ciência: a Química. O nome desse bebê era Robert Boyle.

Boyle, como todo bom filho de nobre endinheirado, teve a educação de acordo com sua classe social. Ele sabia Grego, Latim e Matemática. Comentava questões sobre Teologia, Filosofia, Ciências Naturais, Religião etc. Ele separou questões de Religião e Ciência e criticou leigos que se achavam no direito de montar uns trecos no porão de casa e se chamavam “cientistas”, quando Boyle dizia que apenas a razão tinha que ser a arma para enfrentar quaisquer questões que envolvessem a natureza das coisas, enquanto combatia severamente sinais de apostasia, heresia e o ateísmo, achando que tais posições não eram racionais.

Sim, é irônico que ele achava que podia defender a santidade da religião por meio de postura racional.

Boyle antecedeu os iluministas na busca da verdade por meio de experimentação e racionalização do que estava acontecendo. Por isso, sua Opus Maxima é algo sem precedentes até sua época. O livro O Químico Cético, The Sceptical Chymist – cujo texto pode ser lido graças ao projeto Guttemberg, traduzido para o inglês, já que o original fora escrito em latim – foi publicado em 1661, e é um marco de como a pesquisa científica deve ser feita. Com precisão, acurácia e repetidas vezes.

Para Boyle, a Ciência precisava ser levada a sério. por causa disso, ele arregimentou outros cientistas, outros sábios. Gente culta, intelectual, que realmente sabia como proceder ao se trabalhar em busca dos segredos escondidos na Natureza. Para Boyle, aquilo era seriíssimo, pois achava que a Natureza queria ser entendida, pois o Criador dera ao Homem a capacidade de inquirir sobre tudo e finalmente compreender a Sua obra. Pode parecer estranho em vistas de hoje, em que temos muitos religiosos fanáticos tentando desmentir a ciência, quando no passado os religiosos fanáticos tentavam usar a Ciência o mais correta possível para entender o mundo e a sua religião. A religião não tinha as respostas, tinha as dúvidas e através de charadas desafiava o Homem. Apenas os cientistas eram os guias para trazer toda a humanidade à iluminação! Foi por isso que ele, Robert Boyle, fundou a Royal Society, uma das mais renomadas instituições de pesquisa até hoje.

Apesar de Robert Boyle ter pisado no tomate ao criar alguns motos perpétuos e ficar correndo atrás de ateus, ateus por todos os lados, o irlandês viu mais longe ainda do que Guericke, quando leu sobre os trabalhos do alemão sobre o vácuo. Corretamente intuiu que o som jamais poderia viajar através dele, mas não apenas isso. Boyle determinou que o ar não era apenas um gás, mas uma mistura de gases.

Boyle mandou confeccionar um tubo em forma de J. Nele, uma pequena quantidade de ar estava presa, e ele adicionava mercúrio pela extremidade aberta. Sabemos que o ar ocupa determinado volume, pois desde pequenos sabemos que ar é matéria e matéria possui massa e ocupa lugar no espaço; assim, quando Boyle introduzia mais mercúrio no tubo, menor era o volume de gás lá encerrado. Mais do que isso! Quando Boyle dobrava a quantidade de mercúrio, o volume de gás era reduzido à metade. Por quê?

Sabemos que corpos com massa exercem força sobre determinada área. Aumentou a massa, a força aumenta. Se a área se mantém a mesma, temos pressão. Quanto maior a força, maior a pressão. Boyle sabia disso e, por causa dessa observação, a primeira das leis dos gases perfeitos, até hoje conhecida ficou com o nome “Lei de Boyle” e diz: “O volume de um gás é inversamente proporcional à pressão exercida sobre ele”. De forma matemática, esta lei é descrita na equação: P. V = constante.

Depois (e independentemente) Edme Mariotte deduziu essa mesma lei. Por causa disso, ela é conhecida como Lei de Boyle-Mariotte. Este foi um dos fundamentos que permitiram a existência das máquinas a vapor. Denis Papin baseou-se nisso para construir sua máquina e vivia se correspondendo com Boyle. Mas só mais tarde viria o segundo fundamento para a construção de máquinas a vapor eficientes: a Lei de Charles/Gay-Lussac.

Joseph Louis Gay-Lussac nasceu na França, na gloriosa cidade de Saint-Léonard-de-Noblat, em 6 de dezembro de 1778. filho de um médico. Eles se mudaram para Paris, onde Gay-Lussac (que não tinha problemas de sofrer bullying por causa do seu nome) ingressou na École Polytechnique em 1798, mesmo ano que o Reinado de Terror cismou que seu pai era inimigo dos cidadãos da França, com o final previsível. 3 anos depois,. foi transferido para a École des Ponts et Chaussées, onde se tornou assistente do químico Claude Louis Berthollet.

Gay-Lussac se interessou pela pesquisa com gases. Ele adaptou o equipamento de Robert Boyle. Ao invés de variar a quantidade de mercúrio no tubo, Gay-Lussac aumentava e diminuía a temperatura, o que fazia com que o gás se expandisse e se contraísse. Joseph, então, percebeu que o volume e a temperatura de um gás estavam intimamente ligados, o que o levou a estabelecer mais uma lei dos gases perfeitos: “O volume de um gás é diretamente proporcional à sua temperatura”. De forma matemática, esta lei é descrita na equação: P ~ T.

Gay-Lussac, entretanto, reconheceu que outro cientista tinha chegado a esta mesma conclusão: Jacques Alexandre César Charles, que havia descrito aquele mesmo fenômeno 20 anos antes. Por isso, ela é chamada Lei de Charles.

Percebam que temos 2 proporcionalidades. Se a Pressão de um gás é diretamente proporcional ao Volume que ele ocupa, mas esta mesma pressão é inversamente proporcional à Temperatura, podemos estabelecer que Pressão, Temperatura e Volume podem ser arranjados dentro de uma mesma fórmula.

frac{P times V}{T} = Constante (1)

E como alterando o valor de cada um desses membros, os outros valores também mudarão, mas a constante de proporcionalidade ainda será a mesma, temos:

frac{P_{1} . V_{1}}{T_{1}} = frac{P_{2} times V_{2}}{T_{2}} (2)

Parece que estamos chegando a uma generalização que envolve todas as características de um determinado gás, não é? Sim, mas ainda falta, e quem iria completar isso seria um tal de Avogadro, cujo nome completo era Lorenzo Romano Amedeo Carlo Avogadro, nascido em  Turim, aos 9 dias de agosto de 1776. Mais tarde, ele seria nomeado conde de Quaregna e Cerreto. Sendo Avogadro mais conhecido pela constante que leva seu nome, é dele a chamada Lei de Avogadro, que diz “volumes iguais, de quaisquer gases, nas mesmas condições de pressão e temperatura, contêm o mesmo número de partículas”. Assim, se você tiver duas seringas com a mesma quantidade de oxigênio e nitrogênio (cada um em uma seringa diferente), com a mesma pressão e temperatura, podemos apostar que a quantidade de moléculas lá dentro serão a mesma!

Assim, se pegarmos a equação (1) e substituirmos os valores para as condições normais de temperatura e pressão (CNTP), temos:

  • P = 1 atm
  • V = 22,4 L
  • T = 273 K

Substituiremos os valores e teremos:

frac{P . V}{T} = frac{1 times 22,4}{273} = 0,082 atm.L.K^{–1}.mol^{–1} (3)

Chamamos isso de “Constante Universal dos Gases Perfeitos” (R). Entretanto, se estivermos trabalhando com unidades no SI, o valor correto será 8,31 J.mol–1.K–1. E se montarmos tudo numa única equação, e levando em conta o número de partículas do gás em questão (n) teremos a Equação Geral dos Gases Perfeitos, também conhecida como Equação de Clapeyron:

P . V = n . R . T

Creio que já temos fundamentos suficientes, conhecimento suficiente, e equações matemáticas suficientes para entendermos de onde vieram e quais são as Leis da Termodinâmica.

Na próxima página, claro.


19 comentários em “A Termodinâmica

  1. \o/
    Finalmente os artigos sobre Termodinâmica!
    Estava aguardando há meses já isso =)
    Ansioso para comecar a ler.
    Valeu André.

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  2. André, você já pensou em escrever livros sobre ciência? é muito bom ler seus artigos, pois são fáceis de entender, não são cansativos, nos fazem reflexionar e ainda entretém. Li tudo e vou reler pra entender melhor.
    Obrigado por compartir.

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      1. @André,

        Existe uma coleção, chamada “tudo é história”, que aborda de forma compacta diversos assuntos, dentro da área de história. São livrinhos curtos escritos normalmente por especialistas…

        Seria fantástico algo nesses moldes, mas voltado pras ciências exatas, mais ou menos como um dos artigos do site, mas expandidos :!:

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  3. Foi bom revisar, e fortalecer, conhecimentos que adquirimos ainda adolescentes. Um texto que trata de coisas relativamente complexas, mas que se tornam compreensíveis quando abordadas de forma inteligente e bem-humorada.

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  4. Quer dizer que nem foi o super famoso Watt que inventou a máquina a vapor “de verdade” e sim uma fazendeiro praticamente desconhecido? Por que não contam estas coisas nas aulas de física?

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  5. André, tire-me uma dúvida. Uma das razões de não podermos medir a temperatura de 0 K, isto é, atingir o zero absoluto é a existência do princípio da incerteza de Heisenberg?

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