O FOGO QUE NOS CONSOME
Para que possamos usar algo de maneira prática, é preciso dominar seus fundamentos. Heron de Alexandria estudou o que podia fazer o calor, mas não entendia direito O QUE era o calor; não que isso tivesse sido um obstáculo na sua carreira, já que ninguém se importava porque as coisas eram quentes ou frias. Aristóteles acreditava piamente que toda a existência era devido à combinação de 4 elementos: Água, Terra, Ar e o Fogo. A bem da verdade, não foi Aristóteles quem teve esta (estúpida) ideia. Ele só tinha a tendência de escrever besteira, como achar que os planetas eram esféricos (ok, darei um crédito a ele neste ponto), e que não havia nenhum vácuo, já que a Natureza tinha horror a isso (meio certo. Vácuo absoluto realmente não existe, mas não por algum “horror” existente por aí). Infelizmente, parece que o preclaro Aristóteles esquecia do que costumava escrever, porque ele achava que átomos não existiam pois entre a matéria existe o vácuo. É, pois é. Demócrito, Arquimedes e Aristarco rejeitavam as baboseiras aristotélicas com veemência, mas alguém decidiu que Aristóteles tinha “mais IBOPE”. Isso, talvez, se deva ao fato que Os 3 filósofos não serem de família nobre como Aristóteles, misantropo, escravagista e defensor do interesse dos poderosos da época, juntamente com Platão.
Passou-se séculos até que alguém investigasse o que diabos era o fogo. Maria, a Judia (ou Maria, a Profetisa) foi uma alquimista egípcia que nasceu no século III A.E.C. Alguns dizem que ela foi irmã de Moisés e Aarão, sendo que nenhum historiador sério leva isso em conta, já que Moisés e Aarão nunca passaram de personagens míticos. O pouco que se sabe de Maria, a Judia vem de Jorge, o Monge, que foi secretário do então Patriarca de Constantinopla, Tarásio, lá pelos fim do século VIII e início do século IX. O termo “sincelo” era usado para descrever este tipo de profissão, então, o biógrafo de Maria a Judia era muitas vezes chamado de Jorge Sincelo.
Maria, a Judia trabalhou com muitas substâncias e, segundo se acredita, ela chegou a identificar o ácido clorídrico como uma substância pura. Entretanto, ela é (ou deveria ser) mais conhecida por uma técnica que é usada até hoje. Um método de aquecimento indireto, usando um líquido com alto calor específico, ideal para aquecer coisas de forma lenta e homogênea, já que quanto maior o calor específico, mais dificultoso são as trocas de calor, acarretando em um aquecimento mais controlado e por igual. Ou seja, se você usa um banho-maria, você faz uso de uma tecnologia de 2300 anos.
O mundo cruzou lentamente pela Idade das Trevas. A Europa estava ainda dominada pela superstição, o extremo-oriente ainda brilhava e a Ciência Islâmica ainda era o farol do conhecimento daquela época sombria, até chegar a Idade Moderna. Copérnico, Kepler, Tycho Brahe e Galileu são as maiores estrelas dessa Era. Mas em um quarto de pedra, um homem inventa algo que fará uma diferença na História da Ciência. O que ele estava construindo seria um aparelho sem igual e tão fantástico e moderno que laboratórios de microbiologia do mundo inteiro possuem. Nada seria como aquilo, e era tão maravilhoso que eu fico orgulhoso de ter um na minha casa.
Antes de falar sobre isso, porém, vamos entender um pouco sobre o calor, pressão e como eles estão interligados. Na página seguinte, claro.
O calor é um tipo de energia. Energia é algo tão simples que nem se pode explicar direito o que é. Eu sei que físicos chegarão aqui com quatro mãos nas pedras (ou algo assim) e dirão que não é isso. Mas a verdade é que energia, como a maioria das entidades físicas (ê ê), não pode ser facilmente definida. Em resumo, energia é a capacidade de se fazer um trabalho. É a diferença de estados, de situação. A verdade é que não se sabe o que é energia, só se sabe o que ela faz e como age, mas não o que é. Energia é energia e acabou-se! Você pode chamá-la de energy, energie, angôvo ou até de “Deus”. Ela não some nem aparece por encanto, não pode ser medida diretamente, só os seus efeitos e suas propriedades é a principal atenção da Termodinâmica, mas não discutirei este assunto tão cedo. Continue lendo, porque falaremos primeiro sobre pressão.
Na década de 1640, um cientista nascido em 15 de outubro de 1608 – um ano antes de Galileu Galilei meter as mãos num perspicilium (ou telescópio) – numa vila chamada Faenza, que pertencia à província de Ravena, que pertencia aos Estados Papais (e você aí reclamando da moderna Geografia) resolveu fazer uns experimentos. Como o pai tinha posses (e pobre não podia se dar ao luxo de ter instrumentos e/ou materiais de laboratório mais chiques que uma panela e um fogão), este sujeito conseguiu um grande tubo de vidro vedado numa das extremidades. Ele o encheu com mercúrio metálico, líquido, prateado e bem tóxico, por sinal, mas o dito cientista não sabia disso, nem tinha como saber. Ele emborcou rapidamente este imenso tubo numa cuba com mais mercúrio purinho e observou. O volume descia, ficando um espaço “vazio” na parte de cima do tubo. Ele repetiu várias vezes, para ter certeza que não havia ar entrando. Mesmo assim, o volume descia.
Quando ele foi medir a altura da coluna de mercúrio, Evangelista Torricelli percebeu que o comprimento da altura da coluna de mercúrio era sempre o mesmo: 76 cm, ou 760 mm. E ele chamou isso de 1 Torr (adivinhe por quê), mas hoje chamamos de 1 atm ou 101.325 pascals, mas nosso amigo Blaise só começaria a estudar os experimentos de Torricelli uns 7 anos depois.
Isso que Torricelli inventou é um barômetro, isto é, um dispositivo para medir a pressão atmosférica. Mas por que APENAS 760 mmHg? Por que não 1 metro? O que significa isso? O que diabos é pressão atmosférica. O que é pressão?
Pressão é qualquer força aplicada em uma determinada unidade de área. Atualmente, definimos a unidade de pressão como newtons por metro quadrado (N/m2), mas estamos em uma época que Newton sequer nascera, claro.
No caso do experimento de Torricelli, o que estava ali sendo demonstrado é a pressão atmosférica. Acompanhem através do diagrama a seguir:
O ar possui massa. Pegue uma bexiga, balão de festa, bola de soprar ou seja lá como chamam aí onde você mora e pese-a vazia. Encha com ar e pese de novo. O ar possui massa! Qualquer corpo que possui massa sob ação da gravidade possui peso, e este peso é dado por P = m . g (Força-peso = massa do objeto vezes aceleração da gravidade).
Bem, já que o ar possui massa (e exercendo força-peso), a ação dele sobre uma determinada área gerará uma pressão. Sendo a atmosfera a porção de ar que envolve a Terra, a pressão exercida é chamada “Pressão Atmosférica”. Alguns de vocês farão “Duh!” para mim, mas lembrem-se que eu não estou falando apenas para engenheiros. Isto posto, continuemos.
Torricelli percebeu que a altura da coluna de mercúrio variava ao longo dos dias, e fazendo medições em diferentes locais, os resultados eram diferentes. O valor máximo era sempre ao nível do mar. Por quê? Porque é onde tem maior quantidade de ar, é claro! Como o ar é atraído pela gravidade, a maior quantidade de massa de ar fica, claro, embaixo. Quanto mais se sobe, menos ar tem, até que a certa altura é preciso usar tanques de oxigênio, se você quiser continuar vivo. Se bem que Reinhold Messner conseguiu subir o Everest e o K2 sem usar suprimento e oxigênio, ganhando de presente sérias lesões nos pulmões e perdendo alguns dedos por congelamento. Ou é muito corajoso ou muito idiota.
Nosso amigo já mencionado Blaise Pascal viu que aquilo era muito importante, assim ele idealizou refazer o experimento de Torricelli no topo do monte Puy de Dôme, um vulcão extinto na França Central, com 1500 metros de altura. Como além de excelente matemático e fanático religioso, Pascal era hipocondríaco (e muito esperto), ele mandou seu cunhado fazer o experimento lá, alegando que isso faria um um mal desgraçado a ele, Blaise, mas o cunhado não teria problemas (cunhados são os estagiários da família). As informações colhidas informam que a coluna de mercúrio era muito menor do que ao nível do mar, garantindo uns 300 anos antes do Homem ir à Lua que a atmosfera não é finita e que o Espaço começa logo ali adiante (que mais tarde veio a receber o nome de Linha de Karman, o limite convencionado para definir o limite entre a atmosfera e o Espaço. A que altura fica isso? 100 km (cem quilômetros, não cem mil)
O quão forte é esta pressão atmosférica? Bem vejamos o Jardim de Infância QQ (ou “coisa fofa”):
Enquanto seu filho fica cantando música idiota no Maternal,
essas crianças aprendem CIÊNCIA!
O filme plástico não cai, a água não entorna. Mágica? Não, CIÊNCIA! A grande massa de ar que envolve tudo faz força em todas as direções. O ar não consegue entrar no copo, mas faz força, o que detém a queda da água. Mas, claro, isso é apenas porque é um pedaço de plástico, não? O ar não tem tanto poder assim, certo?
Otto von Guericke era engenheiro, inventor, magistrado e adorava aparecer. Como selfies ainda não eram moda, ele tinha que bolar algo para chamar a atenção do povo para si mesmo e para a sua maior paixão: a Ciência. Em 1627, ele fugiu de Madgeburg, Alemanha, porque, sendo protestante, não seria muito bem visto pelo exército do Sacro Império Romano, em plena Guerra dos Trinta Anos. Quando finalmente pôde voltar, Guericke conseguiu o cargo de supervisor da reconstrução de Madgeburg, conseguindo o cargo de prefeito, em seguida; cargo esse que manteve por uns 25 anos, mais ou menos.
Guericke adorava mostrar o potencial da Ciência e fazia verdadeiros espetáculos, mas com explicações sobre o que estava acontecendo. Era uma espécie de Cosmos da Idade Moderna, se me compreendem. A população adorava, mesmo porque, não tinha TV a Cabo, Internet e muito menos Facebook. A vida era meio chata e qualquer novidade era muito bem-vinda.
Guericke adorava estudar o ar (ou a falta dele). Usando bombas pneumáticas, ele produzia vácuo em campânulas e observava o que acontecia ao se colocar uma vela acesa (apagava) ou um cachorro. O cachorro, claro, morreu, mas como não era um beagle, ninguém se importou. Mas o experimento mais importante de sua carreira como cientista foi o que mais tarde ficou conhecido como Experimento de Madgeburg.
Em 8 de maio de 1654, Guericke fez uma suntuosa demonstração. Ele conseguiu a presença até do Rei Ferdinando III e um grande número de pessoas da Baixa Saxônia vieram assistir. O que ele fez ali escreveu seu nome nos livros de História da Ciência. Ele pegou duas semi-esferas que se encaixavam perfeitamente, sendo que uma delas tinha uma saída de ar, dotada de uma válvula. A imagem acima é uma réplica do dispositivo que Otto von Guericke criou. As peças se encaixavam perfeitamente, formando um dispositivo que se fechava hermeticamente. Este dispositivo foi chamado “Hemisférios de Madgeburg” e o que ele fez foi demonstrar o grande poder do ar à nossa volta.
Guericke usou a bomba pneumática que ele mandara construir (e não foi barato) para retirar o máximo de ar que podia de dentro da peça com os dois hemisférios encaixados. Virou uma bola oca, com vácuo dentro. De forma teatral, 16 cavalos entraram na arena, preparada exclusivamente pra isso. O rei estava inquisitivo e a população já estava perdendo a paciência.
Os cavalos foram separados em 2 grupos de oito animais, e a cada grupo foi amarrado um dos hemisférios. Os dois grupos de cavalos foram posicionados em direções contrárias e todo mundo pensou “Meh, eles vão arrastar aquela porcaria ali”. Mas mais poderosa é a Pressão Atmosférica! Ao ser dada a ordem, os dois grupos começaram a puxar com toda a força que os animais podiam. O resultado foi… Nada! As semi-esferas não se soltavam nem que o Yoda aparecesse ali. E por mais que puxassem, nada acontecia. Que raio de feitiçaria é essa?
Claro, todo mundo pensou que Guericke havia colado as duas peças. Ele, ainda de modo teatral, mandou parar o esforço dos animais, chegou perto do dispositivo e abriu a válvula. PLOFT! Os hemisférios de Madgeburg se soltaram! Foi uma comoção! Como bom divulgador científico, Otto von Guericke explicou a todos o que ocorreu e publicou um livro relatando seus experimentos com a pressão e vácuo. O livro se chama “Experimenta Nova”, e você pode muito bem dar uma olhada nele, graças aos sacrossantos poderes da Internet, clicando AQUI.
Mas e o experimento de Madgeburg, gostaria de tentar? Experimente fazer com dois desentupidores e pia ou aquelas ventosas de pegar piso. Mas não é a mesma coisa que o que Guericke fez, né? Pôxa, ver 16 cavalos puxando os hemisférios é muito maneiro, né? Ok, veja o vídeo abaixo. De nada!
youtube https://www.youtube.com/watch?v=N-8UItPqXjI
Nós não percebemos os poderes da pressão atmosférica. Nós nascemos num oceano de ar, e este ar nos envolve em todas as direções, 24h por dia. Não sentimos os efeitos, porque dentro de nós existe ar, seja nos pulmões, na corrente sanguínea, não importa. E se o ar faz pressão de fora para dentro, este mesmo ar faz força de dentro pra fora. Se formos jogados numa sala sem vestimenta apropriada, e de lá for retirado todo o ar, explodiremos com a força da pressão atmosférica. Mas isso porque somos um mero saco de tecido molenga, certo?
youtube https://www.youtube.com/watch?v=2WJVHtF8GwI
O que aconteceu com este tanque é apenas o poder da pressão atmosférica. Se eu pegar uma latinha de refrigerante e colocar alguns mililitros de água e velar ao fogo, a água começará a ferver, passando rapidamente pro estado de vapor. Este vapor ocupa espaço e expulsa o ar que está ali dentro, ficando um vácuo parcial. O resultado pode ser demonstrado aqui:
youtube https://www.youtube.com/watch?v=oHIVqAlV3ck
Faça por sua conta e risco. Não me responsabilizo por qualquer acidente!
Podemos entender que em estado normal, a latinha tem ar dentro fazendo força para fora e ar do lado de fora fazendo força para dentro. Quando você expulsa o ar que estava dentro, não terá ada para contrabalançar a força que o ar de fora faz, oque acarreta no esmagamento da latinha.
Isso mostra no que estamos metidos, no que estamos mergulhados. Agora, creio que você terá mais respeito para com os efeitos da pressão dos gases, certo? Mas não é só isso! Qual a relação que o calor tem com isso? O que é calor? Na página a seguir você saberá sobre um pouco do calor e das primeiras máquinas que o utilizou.
\o/
Finalmente os artigos sobre Termodinâmica!
Estava aguardando há meses já isso =)
Ansioso para comecar a ler.
Valeu André.
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@Oliveira, somos dois!
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André, você já pensou em escrever livros sobre ciência? é muito bom ler seus artigos, pois são fáceis de entender, não são cansativos, nos fazem reflexionar e ainda entretém. Li tudo e vou reler pra entender melhor.
Obrigado por compartir.
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Mas meu filho… eu demorei quase 3 anos escrevendo só este artigo!!!!!!!
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@André,
Existe uma coleção, chamada “tudo é história”, que aborda de forma compacta diversos assuntos, dentro da área de história. São livrinhos curtos escritos normalmente por especialistas…
Seria fantástico algo nesses moldes, mas voltado pras ciências exatas, mais ou menos como um dos artigos do site, mas expandidos :!:
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Não tem problema, nós esperamos :mrgreen:
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Muito bom o seu artigo! Parabéns!
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Livros avançados de Física, mas vc só vai encontrar fórmulas e equações, pois é isso que Entropia é: uma equação matemática. Mais nada.
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Foi bom revisar, e fortalecer, conhecimentos que adquirimos ainda adolescentes. Um texto que trata de coisas relativamente complexas, mas que se tornam compreensíveis quando abordadas de forma inteligente e bem-humorada.
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Quer dizer que nem foi o super famoso Watt que inventou a máquina a vapor “de verdade” e sim uma fazendeiro praticamente desconhecido? Por que não contam estas coisas nas aulas de física?
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Porque é irrelevante
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Pois é, sei que é irrelevante, mas eu me interesso muito por estas nuances da história da Ciência e Engenharia
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André, tire-me uma dúvida. Uma das razões de não podermos medir a temperatura de 0 K, isto é, atingir o zero absoluto é a existência do princípio da incerteza de Heisenberg?
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Chegou-se bem próximo
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Ou seja, não é😂😂😂😂
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