O FOGO E SUAS LEIS
Alguns gregos eram melhores que os outros. Fato! A mania idiota de Platão e sua trupe de tentar “adivinhar” as coisas apenas pelo pensamento, tendo brutal aversão à experimentação, acarretou num atraso científico em, pelo menos, 500 anos. Nem todo mundo era como Heron de Alexandria, e quando Aristóteles teve a brilhante ideia de dizer que tudo o que vemos era composto por 4 elementos, acabou criando um sério problema para cientistas que nasceriam séculos e mais séculos depois.
Pessoas como Heron foram importantes, mas elas não estavam interessadas em desenvolvimento científico, não estavam interessadas de entender como funcionava o mundo. Estavam interessadas em ganhar dinheiro, usando suas habilidades manuais e intelectuais. Talvez seja idiota dizer que elas estavam erradas, mas o fato é que pouco contribuíram para a Ciência enquanto Ciência. Só muito mais tarde houve a concepção que tínhamos que entender o mundo e, claro, ver o que se podia conseguir de vantagens com ele, mas só alguém ingênuo o suficiente achará que todo mundo trabalha exclusivamente por amor. Alguns cientistas sim, o faziam, mas porque simplesmente eram ricaços entediados.
Assim como a água, a terra e o ar, o fogo era considerado um elemento da natureza. Uma das pedras basilares de toda a existência. O firmamento era composto pelo “éter”, que o próprio Aristóteles não soube dizer o que era (quando ele achava que sabia, acabava falando besteiras maiores ainda!). O tempo foi passando e a Alquimia foi o primeiro vislumbre da ciência que hoje chamamos “Química”. Os alquimistas eram profundamente experimentalistas, pois o saber ainda não existia e alguém teria que criá-lo. Obviamente, muitos deles falaram tolices incomensuráveis e não os culpo. Nisso, você deve estar se perguntando como posso criticar tão severamente Platão e Aristóteles. Acontece que os dois usavam de suas influências sócio-políticas (nenhum dos dois era pobre) para desacreditar os demais cientistas. Não havia só eles que se dispunham a achar a verdade sobre as coisas, mas enquanto muitos observavam, mediam, estudavam e analisavam, Platão e Aristóteles, preguiçosos que eram, diziam-se superiores demais para aquilo e que experimentações e exercícios manuais era coisa de plebe. Puxa-sacos que eram dos poderosos da época, a ponto de ambos defenderem os ditadores e serem a favor da escravidão, seus “ensinamentos” eram mais valorizados que os demais. Isso passa longe do conceito que hoje temos de Ciência, mas infelizmente não é tão pouco comum assim.
Na Idade Média, muitos começavam a despertar de um longo sono intelectual, mais por susto do que por vontade própria. Os árabes estavam ali dobrando a esquina. Os chineses estavam confortáveis com mais de 3000 anos de Civilização e pouco se importavam com aquele bando de camponeses bárbaros e analfabetos da Europa. Com a nova ciência brotando e florescendo, as ideias impostas por Platão e Aristóteles começavam a ser insuficientes, elas precisavam ser testadas; e quanto mais testadas, mais erros apareciam. Era preciso reformar tudo o que se sabia, mas por outro lado estávamos falando de Platão e Aristóteles! Eles não podiam estar errados, podiam?
Johann Joachim Becher era um homem muito esperto que nasceu em Speyer, na Alemanha, em 1635, lá pros meados da Guerra dos Trinta Anos; e se você acha que os dias de hoje são ruins, acredite: naquela época era pior ainda! Becher inventou o famoso “copo de Becher”, também chamado de bécher ou, aportuguesadamente, “béquer”, o qual pode apresentar-se em diversos modelos. João Joaquim Bécher não teve educação formal. Aos 13 anos, ele não tinha muito a perder e saiu perambulando pelo mundo. Por cada lugar que ele passava, das planícies devastadas da Alemanha, passando pela Suécia e chegando na Itália, Becher foi acumulando conhecimento que adquiria em cada ponto, o que não significa grande coisa, já que entrava em contato com muitas superstições, crendices e besteiras em geral, mas ainda assim era melhor do que muita gente sabia, e ele já estava se sentindo um cara culto, e até fosse, para os padrões daquela época.
A Alemanha estava dividida em várias cidades-estado, e o curioso Becher se metia nos assuntos de todo mundo, e o que dava dinheiro naquela época era cerveja, então, vamos aprender sobre cerveja! Aos 26 anos ele conseguiu entrar na côrte do manda-chuva de Mainz como perito em cervejaria e indústria têxtil, o que provava que o pessoal dali era bem ignorante, pois deixava qualquer um se insinuar como especialista sem prova nenhuma disso. Ele casou-se com a filha de um conselheiro rico, ganhou de presente uma cátedra na Universidade de Mainz como professor da Faculdade de Medicina e depois começou a trabalhar como médico local.
E sem saber NADA sobre nada disso! O cara era muito bom de papo, temos que convir!
Para vocês terem uma ideia das ideias tolas de Becher, e como ele era bom de papo, ele foi pra Baviera, inventou um magnífico sistema de otimização de produção têxtil que nunca funcionou, foi pra Holanda com as mesmas ideias, foi aceito, vendeu a ideia de uma língua universal, séculos antes de inventarem o Esperanto (provando que ideias idiotas são reeditadas de tempos em tempos), passou a perna em todos os holandeses com uma conversa mole que conseguia transformar areia em prata e, quando se tocaram da farsa que ele era, começaram a persegui-lo, só que ele já tinha dado no pé fazia tempo, com a grana de todo mundo! Acho que este é um dos meus anti-heróis históricos preferidos!
Ainda assim, até mesmo um relógio quebrado está certo duas vezes por dia. Becher leu muitos livros, comentou com solidez os trabalhos de Robert Boyle, sobre quem falaremos daqui a pouco. Para Becher, havia um sério erro nas ideias de Aristóteles. O fogo não era apenas um elemento. Havia algo mais por baixo daquilo. Ele dizia que as substâncias eram compostas por 3 “terras”: terra mercurialis, terra lapida e terra pinguis. Deixando as duas primeiras de lado, já que não vêm ao caso, foquemos a terra pinguis, pois era a ela que se creditava o motivo pelos quais as substâncias queimavam. O calor era um fluido, que passava de um corpo para outro. Essa terra era a responsável por fazer madeira se transformar em cinzas. Perdia-se material, algo que era material, mas não era material. Isso seria o princípio da Teoria do Flogisto, que seria refinada pelo seu discípulo: Georg Ernst Stahl.
Stahl nasceu em Anspach, na Bavária, em 21 de outubro de 1660. Ele entendeu que tanto as teorias aristotélicas quanto a de Becher não estavam completas. Cabia a ele preencher as lacunas. Stahl explicou que esse fluido, o “flogisto”, era um novo elemento, que as mentes ainda não tinham concebido, por não terem-no visto ainda. Ou se viram, não o compreenderam.
Quando se algo queimava, o flogisto era libertado e em contato com o ar aumentava a temperatura e brilhava, sob a forma de fogo. Substâncias que queimavam bem tinham muito flogisto e aquelas substâncias que não queimavam simplesmente não tinham flogisto nenhum. Em outras palavras, madeira comum tinha uma boa parcela de flogisto. Quando se fazia uma fogueira, a madeira libertava o flogisto e, aos poucos, ia se transformando em cinzas. Como estas cinzas não tinham nenhum flogisto mais, não podiam mais queimar.
Coube a Antoine Laurent Lavoisier demonstrar que tudo isto estava errado. Vários cientistas antes e contemporâneos a ele defendiam a existência do flogisto. Mas o francês nascido em Paris em 26 de agosto de 1743, não se convenceu. Quando Joseph Priestley lhe mostrou com orgulho seu “ar deflogisticado”, Lavoisier compreendeu mais rapidamente que seu amigo inglês o que tinha ali. Priestley era um excelente experimentalista, e obteve o ar deflogisticado aquecendo mercúrio, obtendo um sólido avermelhado sobrenadante para, em seguida, aquecer este sólido vermelho por meio de uma lupa e obtendo um gás. Este gás, dizia Priestley, era muito diferente do que ele estava acostumado. Uma vela brilhava brilhantemente se imersa nele e um rato não morria asfixiado. Ao ser inalado, Priestley percebeu um vigor em seus pulmões, sentia-se leve, e pensou em usá-lo como tratamento médico. Infelizmente, Priestley ainda estava com o flogisto na cabeça e não conseguia teorizar sobre todas os experimentos que ele executava. Por isso, Priestley não é considerado o descobridor do oxigênio, o tal “ar deflogisticado” que ele chamava, e sim Lavoisier, apesar do químico Karl Scheele também tê-lo estudado, mas como era tímido, não tinha publicado sua descoberta. Lavoisier acertou em quase tudo, menos a parte que todos os ácidos levavam o oxigênio em sua composição. Oxigênio esse que ganhou esse nome pelo seu significado em grego: Gerador de Ácidos.
Através dos experimentos de Lavoisier com combustão, oxidação e respiração, concluiu que os três fenômenos se tratavam da mesma coisa, só que em ações diferentes. Lavoisier descobriu que algumas substâncias, ao serem “queimadas” não só não perdiam massa como ganhavam. Os defensores do flogisto lutaram até o fim, alegando até mesmo que o flogisto tinha massa negativa, mas não resistiram ao poder do Pai da Química Moderna, que com toda a sua fortuna, influência e poder, conseguiu os melhores equipamentos feitos pelos melhores artesãos franceses.
Por causa de todos os seus experimentos, Lavoisier instituiu a mais básica Lei da Química: a Lei da Conservação das Massas, a primeira das Leis Ponderais; e isso faria uma grande diferença na Termodinâmica, mas antes era preciso entender outras coisas. Como por exemplo: o que é e como funcionam os gases?
\o/
Finalmente os artigos sobre Termodinâmica!
Estava aguardando há meses já isso =)
Ansioso para comecar a ler.
Valeu André.
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@Oliveira, somos dois!
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André, você já pensou em escrever livros sobre ciência? é muito bom ler seus artigos, pois são fáceis de entender, não são cansativos, nos fazem reflexionar e ainda entretém. Li tudo e vou reler pra entender melhor.
Obrigado por compartir.
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Mas meu filho… eu demorei quase 3 anos escrevendo só este artigo!!!!!!!
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@André,
Existe uma coleção, chamada “tudo é história”, que aborda de forma compacta diversos assuntos, dentro da área de história. São livrinhos curtos escritos normalmente por especialistas…
Seria fantástico algo nesses moldes, mas voltado pras ciências exatas, mais ou menos como um dos artigos do site, mas expandidos :!:
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Não tem problema, nós esperamos :mrgreen:
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Muito bom o seu artigo! Parabéns!
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Livros avançados de Física, mas vc só vai encontrar fórmulas e equações, pois é isso que Entropia é: uma equação matemática. Mais nada.
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Foi bom revisar, e fortalecer, conhecimentos que adquirimos ainda adolescentes. Um texto que trata de coisas relativamente complexas, mas que se tornam compreensíveis quando abordadas de forma inteligente e bem-humorada.
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Quer dizer que nem foi o super famoso Watt que inventou a máquina a vapor “de verdade” e sim uma fazendeiro praticamente desconhecido? Por que não contam estas coisas nas aulas de física?
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Porque é irrelevante
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Pois é, sei que é irrelevante, mas eu me interesso muito por estas nuances da história da Ciência e Engenharia
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André, tire-me uma dúvida. Uma das razões de não podermos medir a temperatura de 0 K, isto é, atingir o zero absoluto é a existência do princípio da incerteza de Heisenberg?
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Chegou-se bem próximo
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Ou seja, não é😂😂😂😂
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