Biólogos amam microscópios. Dar um microscópio novo para um biólogo garantirá que ele não irá toda hora no laboratório de química encher o saco do pobre estagiário lá, tentando atacar uma amostra de sílex com água régia quando a capela estava com problemas no exaustor. Graças a Hades, certa vez chegou um "novo" microscópio pro pessoal da entomologia, o que garantiu minha paz e tranquilidade por quase duas semanas, sem pedidos idiotas quando eu era estagiário no Museu Nacional. Mas não basta ser novo (o que o pessoal da ento recebeu tinha uns 5 anos, o que era muito melhor que o treco que eles tinham lá, de lente rachada), tem que ser potente, muito potente, queremos alta resolução, queremos aumento (da imagem e de salário!), queremos ver coisas bem grandonas.
Como biólogo só faz reclamar e choramingar que não conseguem ver nada, coube aos engenheiros resolverem o problema, arrumando um jeito de converter um microscópio convencional em um sistema de imagem de um bilhão de pixels por módicas 200 doletas.
O dr. Changhuei Yang, longe de fazer yakisoba pro China in Box, é professor de Engenharia Elétrica, Bioengenharia e Engenharia Médica no Instituto de Tecnologia da Califórnia, a Caltech. Junto com seus colaboradores (vamos ser sinceros, "colaborador" é sempre algum mestrando que está se ferrando para trabalhar; uma espécie de estagiário de luxo) o dr. Yang desenvolve uma técnica que permite ter um microscópio que tenha alta resolução e um campo de visão estreito, isto é, um microscópio que possa focar um determinado ponto e ter a melhor imagem possível.
Pense nos seus olhos. Você chega no alto do prédio e consegue ver tudo em volta, mas não tem muitos detalhes. Olhe para sua mão. Você vê os dedos e as linhas formadas pelos poros. Se você aproximar a mão dos olhos, muito dificilmente conseguirá ver os poros; sua visão fica restrita e seus olhos irão perder o foco.
O mesmo acontece com os microscópios. Como eles trabalham com lentes, ao ampliar cada vez mais, aberrações nas imagens fazem com que perca-se detalhes. As limitações físicas das lentes objetivas desses aparelhos impedem que se vá muito além disso. A pesquisa do dr. Yang visa exatamente resolver este problema: a capacidade de ver em alta resolução, áreas pequenas, o sonho de qualquer biólogo.
No trabalho de Yang, publicado no periódico Nature Photonics, foi usada uma abordagem computacional para contornar as limitações da óptica. Nesse processo, toma-se cerca de 150 imagens de baixa resolução de uma amostra. Cada imagem corresponde a um elemento de LED na matriz de LED. Na abordagem computacional, chamada de Microscopia Pticográfica de Fourier (em inglês Fourier ptychographic microscopy — FPM), unem-se estas imagens de baixa resolução, de modo a formar a grandona de alta resolução.
Seria como se cada amostra individual fosse um pixel. A saber, um pixel é a menor entidade de uma imagem digital. Em suma, é um quadradinho colorido. Quando mais quadradinhos coloridos eu tiver em uma área, teremos uma densidade de pixels maior e, portanto, melhor resolução. Se você tivesse nascido no milênio passado, como eu, teria visto os antigos jornais, onde as fotos eram como estas aqui ao lado, formadas por diversos pontinhos pretos, cuja técnica se chama halftone. Hoje, os diferentes pixels de diversas cores formam um mosaico, cuja ilusão de óptica monta a imagem como um todo. Quanto mais pixels, mais realista é a imagem, apesar que nossos olhos não funcionam como leitores de pixels.
Esta técnica tem vastas aplicações, não só na patologia digital, mas também em tudo, desde a hematologia até a fotografia forense, sem falar que esta técnica também pode ser estendida para outras metodologias de imagem, como a imagem de raios-X e microscopia eletrônica.
São novas técnicas solucionando antigos problemas a um custo ridiculamente baixo. Tão simples e ao mesmo tempo tão complicado, como todas as descobertas científicas.
Fonte: Caltech

André, uma curiosidade: Com a nossa tecnologia, onde é o máximo que conseguimos ver?
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Difícil saber. O conceito de “ver” há muito tempo deixou de ter sentido mediante nossa visão. Vemos moléculas através de difração de raios-X, vemos estrelas que já não existem mais através de radiação gama, vemos até mesmo átomos através de varredura de tunelamento.
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