Dos Modelos às Moléculas
Um de nós (Shapiro) começou sua pesquisa ao perceber que as operações básicas de certas máquinas biomoleculares dentro das células – reconhecimento dos blocos de construção moleculares, clivagem (fragmentação) e ligação de moléculas de biopolímeros e movimentos ao longo de um polímero – poderiam ser empregadas, em princípio, para construir um computador universal baseado na máquina conceitual de Turing. Em essência, as operações computacionais de tal máquina de Turing se traduziriam em termos biomoleculares como: um “reconhecimento”, duas “clivagens”, duas “ligações” e um movimento para a esquerda ou direita.
Charles Bennett, da IBM, já havia feito observações semelhantes e proposto uma máquina de Turing molecular hipotética em 1982.
Interessado na física do consumo de energia, ele especulou que as moléculas poderiam, um dia, se tornar a base de dispositivos computacionais mais eficientes em termos de energia.
A primeira demonstração no mundo real do poder computacional das moléculas surgiu em 1994, quando Leonard M. Adleman, da Universidade da Califórnia do Sul, usou DNA para solucionar um problema que é sempre incômodo para algoritmos de computadores tradicionais. Conhecido como o problema do caixeiro-viajante, seu objetivo é descobrir a rota mais curta entre cidades ligadas por avião, passando por cada cidade uma só vez. Ao criar moléculas de DNA para representar simbolicamente as cidades e vôos e, depois, combinar trilhões delas em um tubo de ensaio, ele se aproveitou das afinidades de emparelhamento das moléculas para obter resposta em cerca de um segundo. Infelizmente, com as ferramentas de laboratório disponíveis naquela época, Adleman levou muito mais tempo para pescar manualmente, de dentro da mistura, as moléculas que representavam a solução correta. Ele aguardou a descoberta de tecnologias que permitissem a criação de um computador molecular mais prático.
“No futuro, as pesquisas de biologia molecular poderão fornecer técnicas aperfeiçoadas para manipular macromoléculas”, escreveu em 1994, ao descrever o experimento. “As pesquisas na química devem permitir o desenvolvimento de enzimas sintéticas. Pode-se imaginar o surgimento de um computador de uso geral, com uma única macromolécula conjugada a uma coleção de enzimas semelhante a um ribossomo que agem sobre ele.”
Conceber um projeto lógico concreto para tal dispositivo, capaz de funcionar como a “especificação operacional” fundamental para uma ampla classe de computadores moleculares futuros, tornou-se o objetivo de Shapiro. Em 1999, ele tinha um modelo mecânico do projeto, feito de peças plásticas. Juntamos então forças para traduzi-lo em moléculas reais.
Entretanto, em vez de enfrentar desde o princípio o desafio final de construir uma máquina de Turing molecular completa, concordamos em tentar primeiro uma versão simplificada, conhecida como autômato finito. Sua única função seria descobrir se uma seqüência de símbolos ou letras de um alfabeto de duas letras, como “a” e “b”, continha um número par de letras b. A tarefa pode ser realizada por um autômato finito com apenas dois estados e um “programa” composto de quatro instruções chamadas regras de transição. Um de nós (Benenson) teve a idéia de empregar uma molécula de DNA de fita dupla para representar a seqüência de entrada, outras quatro mais curtas para representar as regras de transição do autômato, ou “software”, e duas enzimas manipuladoras de DNA naturais, FokI e ligase, como “hardware”.
O problema lógico principal que tivemos de resolver foi como representar os estados intermediários mutáveis da computação, que consistem no estado interno atual do autômato e um ponteiro para o símbolo da seqüência de entrada sendo processado. Conseguimos isso com um artifício engenhoso: a cada passo da computação, o hardware enzimático realmente “digeria” a molécula de entrada, clivava o símbolo que estava sendo processado e expunha o próximo. Como era possível fragmentar o símbolo em dois locais diferentes, cada versão resultante podia representar, além do próprio símbolo, um dentre os dois estados possíveis da computação. Descobrimos mais tarde que este último elemento era similar a um desenho que Paul Rothemund, ex-aluno de Adleman, havia proposto para a máquina molecular de Turing.
O interessante é que o computador resultante que descrevemos em 2001 era autônomo: uma vez que as moléculas de entrada, de software e de hardware foram colocadas em uma solução de armazenamento em um tubo de ensaio, a computação teve início e prosseguiu iterativamente até o fim, sem nenhuma intervenção humana.
Durante os testes, percebemos que o sistema não apenas resolvia o problema para o qual foi projetado – descobrir se um símbolo ocorre um número par de vezes em uma seqüência – como poderia fazer mais. Um autômato finito de dois estados e dois símbolos possui oito combinações possíveis de regras de símbolos/estados (2³) e, como nosso projeto era modular, todas as oito possíveis regras de transição podiam ser prontamente implementadas mediante oito moléculas de transição diferentes. O autômato era capaz, portanto, de realizar diferentes tarefas, escolhendo diferentes “programas” – ou seja, um mix diferente de moléculas de transição.
Ao testarmos uma variedade de programas com nosso autômato molecular simples, descobrimos uma forma de melhorar ainda mais o desempenho. Em um “experimento de omissão”, a operação do autômato foi avaliada com a remoção de um componente molecular de cada vez. Quando removemos a ligase, que une a molécula de software à molécula de entrada para permitir seu reconhecimento e clivagem pela outra enzima, FokI, a computação pareceu progredir. Havíamos descoberto uma capacidade antes desconhecida de FokI: reconhecer e clivar certas seqüências de DNA, quer as duas fitas da molécula estivessem unidas ou não.
A perspectiva de remover a ligase de nosso computador molecular nos empolgou, porque reduziria imediatamente em 50% o hardware enzimático requerido. Mais importante, a ligação era a única operação que consumia energia na computação, de modo que, ao evitá-la, o computador funcionaria sem fonte externa de combustível. E sem a etapa de ligação, moléculas de software deixaram de ser consumidas durante a computação, podendo ser recicladas.
O aperfeiçoamento do sistema sem ligase levou meses de esforços. De início, ele foi ineficiente, parando após um ou dois passos computacionais. Mas estávamos motivados pelos desafios computacional e bioquímico, e com o auxílio de colegas, Benenson enfim encontrou a solução. Com mudanças pequenas, mas cruciais, nas seqüências de DNA usadas no autômato, conseguimos tirar proveito da capacidade até então desconhecida de FokI e dar um salto quântico no desempenho. Em 2003, dispúnhamos de um computador autônomo e programável capaz de usar sua molécula de entrada como fonte de combustível . Em princípio, ele poderia processar qualquer molécula de entrada, de qualquer comprimento, usando um número fixo de moléculas de hardware e software, sem esgotar a energia. Contudo, do ponto de vista computacional, nosso autômato ainda parecia uma lambreta comparado com o Rolls-Royce que tínhamos como objetivo: a máquina de Turing biomolecular.

Isso me ajudou muito nos trabalhos escolares, obrigada!!! A CIÊNCIA É O FUTURO DA HUMANIDADE!
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