Cientistas testemunham algo inédito: uma placa tectônica morrendo em tempo real

Imagina que você está tentando parar um trem desgovernado descendo uma montanha. Não é bem o tipo de coisa que você consegue fazer estalando os dedos, certo? Pois é exatamente esse o drama geológico que está rolando bem agora, em câmera lenta mas em tempo real, nas profundezas do oceano ao largo da costa de Vancouver. Pela primeira vez na história, cientistas conseguiram flagrar uma zona de subducção (aqueles lugares apocalípticos onde uma placa tectônica mergulha embaixo de outra) literalmente se despedaçando. E o mais fascinante? Isso está nos contando, pedaço por pedaço (literalmente), como os motores tectônicos mais poderosos do planeta finalmente batem o ponto e vão embora.

O dr. Brandon Shuck é geofísico especializado em sistemas terrestres sólidos com amplo interesse em processos tectônicos na litosfera, e trabalha como pesquisador da Universidade Estadual da Louisiana e é autor principal do estudo. Ele não poderia ter escolhido uma metáfora melhor: “Fazer uma zona de subducção começar é como tentar empurrar um trem montanha acima: demanda um esforço monumental. Mas uma vez que está em movimento, é como se o trem estivesse descendo a ladeira, impossível de parar. Terminá-la requer algo dramático – basicamente, um acidente de trem”.

E é justamente esse “acidente” que a equipe de Shuck conseguiu documentar com uma clareza sem precedentes na região de Cascadia . Não confunda com um lugar específico no mapa, porque Cascadia é tanto uma biorregião quanto uma zona de subducção que se esparrama por fronteiras naturais como as bacias dos rios Columbia, Fraser e Snake, atravessando Washington, Oregon, Colúmbia Britânica e pedaços de Idaho, Califórnia, Montana, Wyoming, Nevada e até Alasca. É aqui, nessa vastidão desenhada pela natureza e não por políticos, que as placas Juan de Fuca e Explorer estão lentamente deslizando sob a placa Norte-Americana em um mergulho que está, literalmente, se despedaçando.

O que torna essa descoberta extraordinária não é só o fato de estarmos assistindo a algo que nunca vimos antes, mas também porque resolve um mistério geológico que vinha tirando o sono dos cientistas há décadas. Sabe aquelas microplacas fósseis que foram encontradas espalhadas pelo planeta, tipo os restos estilhaçados da antiga e gigantesca placa de Farallon que andam por aí perto da Baixa California? Por anos, os geólogos sabiam que eram evidências de zonas de subducção que morreram, mas ninguém conseguia entender exatamente como esse processo acontecia. Cascadia agora está fornecendo essa peça que faltava no quebra-cabeça: zonas de subducção não entram em colapso em um único evento catastrófico, mas se desenrolam passo a passo, deixando microplacas para trás como evidência geológica.

O processo é tão bizarro quanto elegante. Quando uma dorsal meso-oceânica (aquele lugar onde nasce crosta oceânica novinha em folha) se aproxima de uma fossa oceânica (onde as placas mergulham), ela introduz litosfera flutuante e quente que resiste à subducção. É como tentar afundar uma boia inflável: simplesmente não rola. Essa crosta jovem, cheia de vida e calor, é fraca demais e flutuante demais para aceitar o destino de ser arrastada para o manto terrestre. E é aí que começa o rasgamento.

Os dados que permitiram essa descoberta vieram do experimento CASIE21 (Cascadia Seismic Imaging Experiment), realizado em 2021 a bordo do navio de pesquisa Marcus G. Langseth, do Observatório Terrestre Lamont-Doherty. A equipe enviou ondas sonoras do navio para o fundo do mar e gravou os ecos usando um streamer de 15 km de extensão cheio de dispositivos de escuta subaquáticos. Basicamente, fizeram um ultrassom das entranhas da Terra. E o que viram foi de tirar o fôlego.

As imagens analisadas revelaram rasgos cortando a placa oceânica, incluindo um deslocamento massivo onde a placa caiu cerca de 5 km! O mais intrigante é que ao longo desse rasgo de 75 km, algumas seções ainda são sismicamente ativas enquanto outras estão estranhamente silenciosas. Esse silêncio não é paz, é morte tectônica. Onde não há mais terremotos é porque as rochas simplesmente não estão mais presas umas nas outras. O pedaço já se desprendeu completamente e virou história geológica.

Mas o processo não é uma guilhotina tectônica cortando tudo de uma vez. A fragmentação acontece em estágios, através do que os pesquisadores chamam de terminação “episódica” ou “fragmentada”. É uma morte anunciada, mas em câmera ultra lenta geológica, levando milhões de anos para se completar. A equipe descobriu que uma zona de cisalhamento ampla se iniciou há cerca de 4 milhões de anos, explorando as fraturas paralelas à dorsal na litosfera oceânica nascente, e progressivamente se localizou em um limite transformante perpendicular à fossa.

O processo todo está remodelando o planeta de maneiras fascinantes. Quando cada fragmento se desprende, podem se formar “janelas de placa”, lugares onde material quente do manto consegue subir em direção à superfície, criando explosões de atividade vulcânica.

Agora, antes que você comece a se preocupar com terremotos cataclísmicos iminentes, respira. Embora essas descobertas ajudem a refinar modelos de como complexidades estruturais afetam o comportamento de terremotos, elas não alteram significativamente a perspectiva de risco para Cascadia em escala de tempo humana. A região continua capaz de produzir terremotos muito grandes e tsunamis – algo que já sabíamos. O que muda é nossa compreensão de como essas novas fraturas podem influenciar os padrões de ruptura quando o Big One eventualmente vier.

No fim das contas, o que está acontecendo sob as águas de Vancouver é um lembrete elegante de que nosso planeta está em constante transformação. Aquele trem que Shuck mencionou? Ele está desacelerando, vagão por vagão, em um descarrilamento coreografado que levará milhões de anos para se completar. E nós, pela primeira vez, conseguimos documentar o processo. Não é todo dia que você pega uma zona de subducção no flagra do seu próprio funeral.

A pesquisa foi publicada no periódico Science.

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