
O dia estava calmo e tranquilo. Uma suave brisa soprava. Os amigos passavam sorridentes e acenavam pro Artilheiro, e ele acenava de volta. O Artilheiro estava descansando junto com o seu amigo, mas algo de errado não estava certo. O Artilheiro levanta a cabeça. Não havia um único som estranho, mas ele sabia. Oh, sim, ele sabia. Sabia porque conseguia escutar. Seu amigo o conhecia bem e deu o alarma. Era um ataque iminente. A sirene soou forte por todo o campo, homens correndo de um lado pro outro. Eles não tinham muito tempo para se preparar. Macacões são vestidos, motores são ligados. A ameaça é próxima e quando ela chega, nada de fator surpresa, pois o Artilheiro fizera o seu trabalho de avisar e aquele ataque seria impedido.
Esta é a história de como um cão salvou uma cidade inteira.
Na vasta tapeçaria da história da Segunda Guerra Mundial, há histórias que brilham com um toque de humanidade e coragem improvável. E nenhuma delas é mais tocante do que a história de Gunner, um herói improvável num momento improvável, numa história que se fizessem um filme, os críticos debochariam como muita mentira.
Estamos em 19 de fevereiro de 1942, o país é a Austrália. Este fatídico dia marcaria a memória coletiva da pequena cidade do Território do Norte chamada Darwin. Darwin foi alvo de um ataque aéreo implacável pela Imperial Força Aérea Japonesa, e os filhotes de Hiroito fariam de tudo para que aquele ataque fosse tão devastador quanto o ataque a Pearl Harbor.

Os pilotos japoneses avançaram, implacáveis, em seus Mitsubishis, miraram nas embarcações ancoradas no porto e no campo de aviação da Real Força Aérea Australiana, e com precisão e ferocidade já conhecidas deles desferiram o ataque. O objetivo? Impedir os Aliados de usar essas instalações como base para conter a invasão japonesa em Timor e Java.
Em meio a destruição, explosões, mortes, caos e desespero, o Destino abre seu livro e vê uma linha que só ele poderia ver. O Destino, o mais velho dos Perpétuos, observa o que uma ocorrência fortuita desencadearia um rolar de acontecimentos. O Primeiro Aviador Percy Westcott estava correndo pelo local e, entre os destroços, encontrava-se um filhote de um cão kelpie, com medo e uma pelagem preta e branca suja e uma perna quebrada. Westcott resgata o cãozinho sob as ruínas de uma cabana no campo de aviação e ali uma amizade começou.
Westcott leva o seu novo amigo ao hospital de campanha, onde o médico, com um sorriso irônico, insistiu que não poderia tratar um “paciente” sem nome e número. Westcott e seus colegas pegaram um formulário de alistamento, e o preencheram com um nome e um número.
Gunner, número de série 0000 acabara de ser convocado para servir como artilheiro na Real Força Aérea Australiana sob tutoria do Primeiro Aviador Westcott. O médico deu de ombros. As formalidades atendiam a burocracia e, e se um soldado precisava de tratamento, não seria aquele médico que iria lhe negar. Gunner teve a sua perna engessada, e seus outros ferimentos foram tratados.
Os kelpies australianos são cães pastores de nascença. Sendo de porte médio, inteligente e autônomo, o kelpie não precisa que um tutor lhe diga o que é para fazer; ele sabe. Kelpies têm sido exportados para todo o mundo e é usado para reunir gado, principalmente ovinos, bovinos e caprinos com competência fenomenal. Seus sentidos são muito aguçados, especialmente o faro e a audição, e Gunner não iria sair diferente de sua longa linhagem.
Assim como os da sua raça, Gunner tinha uma audição excepcional. Ele era capaz de ouvir os sons das facas dos cozinheiros na cozinha, sem nem mesmo estar perto dela. Isso era muito útil, já que ele era capaz de ouvir aviões se aproximando, mesmo estando a mais de cem quilômetros de distância. Assim que ele percebia os aviões inimigos se aproximando, Gunner se lembrava do que os japoneses fizeram com sua casa quando filhote e dava sinais de agitação e ansiedade. Era o alarme.
A cada sinal de ataque, Gunner gania, chorava e pulava. Os soldados lotados se preparavam para o ataque e isso frustrava o elemento surpresa. Numa era que radares como temos hoje simplesmente não existiam, e o que havia era ineficiente, apelava-se para a audição. Havia instrumentos próprios para isso, chamados “war tubes”.

O destacamento da RAAF em Darwin não precisava disso. Eles tinham Gunner, que tinha a capacidade de diferenciar os sons dos motores dos aviões aliados e inimigos. Ele só ficava agitado quando os aviões inimigos se aproximavam. Sua precisão e confiabilidade eram tão notáveis que o oficial comandante presenteou Westcott com uma sirene portátil para transmitir os alertas de Gunner para toda a base.
Gunner tornou-se realmente parte integrante da Força Aérea. Ele dormia embaixo do beliche de Westcott, tomava banho com os homens no bloco de chuveiros, sentava-se com todos para ver os filmes ao ar livre e até mesmo subia com os pilotos durante os treinos de decolagem e pouso. Afinal, ele era um artilheiro, como seu nome orgulhosamente ostentava.
Quinze meses depois, Percy Westcott foi transferido para o sul, para a base de Melbourne, mas Gunner ficou em Darwin, talvez para ajudar a sempre determinar quando o inimigo estava próximo. Ninguém sabe o que aconteceu com Gunner depois disso. No máximo, que ele ficou aos cuidados do açougueiro.
Não se sabe mais sobre Gunner, mas ele não era apenas um cão, e sim um herói, e era como herói que era visto por todos os que estavam lotados naquela base de Darwin. Gunner salvou muitas vidas e se tornou um símbolo de coragem inesperada em meio ao caos da guerra. Ele merecia uma medalha, mas não teve. O que me resta é terminar com uma observação.

Não é apenas trabalho para um homem. Gunner foi muito mais que isso, e os descendentes de todos que estavam em Darwin em 1942 são testemunhas disso.

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