
Passamos por muitas fases de contratação de trabalhadores ao longo da História. Antes, era a pessoa que queria trabalhar. Depois, a pessoa que tinha habilidades específicas. Depois, pessoas que efetivamente se especializaram. Continuou com gente participando de entrevistas mais elaboradas e daí para a humilhação foi um pulo. Pior que isso, as entrevistas evoluíram para dinâmicas. Mas isso uma hora vai mudar.
Depois que inventaram a baboseira chamada “Pedagogia Empresarial”, para colocar pedagogas no ambiente de trabalho, causando um monte de maluquice e tratando funcionários como criancinhas de creche, estamos partindo do ponto que são os funcionários que irão escolher onde irão trabalhar. Seria algo assim:
– Bom dia, senhor Epaminondas. Nossa empresa está muito satisfeita com o seu currículo e gostaríamos…
– Um momento. Antes, tenho que lhe entrevistar.
– Não compreendi, senhor. Nós aqui do RH…
– Então. Já disseram que gostaram do meu currículo. Agora preciso saber mais de vocês para saber se estão aptos para que eu trabalhe aqui.
– …
– Vi que o senhor tem crucifixo no pescoço, qual a importância que o senhor dá para a religião de quem trabalha aqui, de zero a 10?
– Bem, eu…
– Vocês olharam no meu currículo a data de nascimento?
– Sim, nós vimos e…
– Então, sabem o meu signo. O senhor acha que meus dados astrológicos foram um diferencial para me escolher?
– Veja bem, eu…
– O senhor veste a camisa da empresa, certo?
– Certamente, claro, totalmente!
– Então estaria disposto de trabalhar sábado e domingo aqui, sem remuneração, de forma que os funcionários que dependem do salário para viver possam ficar em casa, em perder parte da renda?
– Olha, é que meu expediente…
– Entendi, os outro fazem hora extra, não o senhor. Me pareceu estar mentindo ao dizer que veste a camisa da empresa.
– Não é bem assim…
–O senhor dá bom dia pro porteiro do seu prédio?
– Meu prédio não tem porteiro, ademais…
– O senhor foi morar num prédio sem porteiro para não ter que dar bom dia?
– Hein?
– O senhor defende o desemprego, certo?
– Meu Deus, eu nunca disse isso!
– Mas não se recusou a morar num prédio sem porteiro, que por fim não abriu mais uma vaga de trabalho.
– Eu não colocaria dessa forma, mas…
– Onde você se vê daqui a 30 anos?
– Creio que aposentado, mas …
– Tsc tsc. Geração de hoje so quer mordomia pra daqui pra frente.
– Mas são trinta anos!
– Vocês costumam fazer dinâmicas com os funcionários?
– Ocasionalmente, sim.
– E com os cargos de chefia, tipo, de gerente pra cima?
– Não, nós…
– Entendi, é só pro funcionário parar o que está fazendo e depois cobrar dele metas não-cumpridas, que teriam sido realizadas em tempo hábil se não interrompessem o funcionário com dinâmicas.
– Eu não falei isso!
– Vamos fazer uma dinâmica? O senhor terá que rodopiar num pé só enquanto escreve um bilhete de agradecimento a todos os seus colegas.
– Hein, mas por que eu…
– Não cooperativo, entendi. Você prefere um avião boiando no mar ou um navio voando? Pense antes de responder.
– Mas isso não faz sentido!
– Hummm, sem capacidade de abstração e dar o melhor de si. Você realmente quer gente trabalhando pra vocês?
– Jesus, você está interpretando errado e…
– Você está insinuando que eu sou burro e incapaz de manter uma conversa, o que irá afetar o meu salário ou, pior ainda, minha contratação?
– Não falei nada disso, você está colocando coisas na minha boca!
– Você está me acusando de assediador sexual e com conduta inapropriada. Isso é passível processo na esfera criminal, por crime de calúnia, e ainda cabe processo civil e no Ministério do Trabalho.
– Mas você nem trabalha aqui!
– Agora me ameaça com desemprego. E isso porque não quer dizer que não gostou mesmo foi do meu mapa astral.
– Pare com isso! Estou vendo que não poderemos contratar o senhor.
– Porque eu sou mulher negra, pobre e favelada?
– Ei, mas você é um homem, não é negro e seu currículo diz que mora num condomínio na Barra da Tijuca!
– Vai alegar o que agora? Que eu não dou bom dia pro porteiro?
– MEU DEUS, ISSO É UMA INSÂNIA!!!
– Tsc Tsc, você é capacitista ainda por cima e acha que autistas não podem servir como funcionários.
– Eu não falei isso e… o senhor é autista?
– Não. De onde você tirou isso?
– Lugar nenhum, desculpe. O senhor está apto sim a trabalhar. Pode começar…
– Não quero, obrigado.
– Mas… o senhor fez este escarcéu para não aceitar?
– E você acha que eu iria trabalhar num lugar com um RH como você que faz uma entrevista desmazeladamente e no fim quer contratar um funcionário como eu, sem nem me perguntar coisas? Passar bem!

O que foi isso? Max Gehringer escrevendo na Você S/A?
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Depois disto: Seguro-desemprego-proposital, para a pessoa que escolhe ficar desempregada por não se encaixar no ambiente de trabalho.
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