Como o cérebro guarda informações por curto espaço de tempo

Lembre-se disso: O livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, de Isaac Newton, foi publicado em 1687.

Lidamos com informações o dia todo. Desde saber quanto gastamos no supermercado até o nome daquele cliente chato que você precisa aturar para não ter que aturar uma fila de desempregados. Somos apresentados a pessoas que não veremos nunca mais na vida da mesma forma como pegamos o telefone e e-mail de alguma garota (os quais não anotamos na hora para tirarmos onda que ela é inesquecível, para depois corrermos para anotar em qualquer lugar). Temos uma memória de longo prazo, que em teoria deveria nos ajudar como lembrar a data do casamento e quando o chefe faz aniversário, e uma de curto prazo,para coisas rápidas e rotineiras, que são usadas por um determinado momento e depois serem esquecidas num canto desgovernado do cérebro. Agora, cientistas estudam como se formam as memórias de curto prazo e como elas são armazenadas na nossa gambiarra evolutiva chamada "cérebro".

Para estudar como as memórias de curto prazo funcionam, cientistas fizeram testes como uma coisa bem evoluída: o circuito rombencefálico que cuida do movimento dos olhos… de peixes.

Antes que você venha me encher o saco perguntando o que é essa coisa complicada, eu explico: peixes são seres vivos, normalmente vivendo em ambiente aquático, mas que você pode encontrar alguns andando por aí, como o mudskipper, que é um peixe com respiração cutânea (pela pele, seu maldoso!). Aliás, o mudskipper…

Ei, pára! PÁRA! De que diabos você está falando? Que mudskipper? O assunto não era rombo-não-sei-das-quantas?

Ah, sim, é verdade. Bem, vamos pelo início. E para partir do início é preciso saber certas coisinhas simples, como o que é um sistema nervoso integrador, coisa que qualquer criancinha do primeiro ano do Fundamental sabe (ou deveria de saber… lá pelo século XXIII).

O sistema integrador é a parte do cérebro responsável pelo que é feito entre a sensação e a ação, isto é, relaciona a percepção, aprendizagem, memória e planejamento. Quando você olha algo, seu cérebro processa a informação e toma uma decisão sobre o que é pra ser (ou não) feito. Primeiro caso, você vê um copo caindo. Seu cérebro processa a informação e parte para a ação: você tenta pegar o copo. Você consegue pegar o copo e se acha o próprio Neo.

Segundo caso: Você vem com uma bandeja cheia de copos. Um deles ameaça cair ou de fato cai. Você, como qualquer dono de um utensílio idiota na cabeça (me refiro ao cérebro e não aquela bandana feia e imunda), tenta pegar o copo, nem que deixe cair os demais e, sim, você já fez isso ou sabe de alguém que fez. A outra possibilidade é você tentar amparar o copo com o pé. Isso acontece copos que fazem bungee jumping sem corda assim como utensílios quentes ou pontiagudos. Se você se feriu nesse processo, o mais provável é que você se afaste e deixe que os poderes místicos de Pai Newton de Oxalá faça o seu trabalho.

Tanto o ato de você tentar pegar o copo, como se afastar dado ao aprendizado de evitar pegar coisas perigosas caindo remetem ao sistema integrador. O mesmo sistema que permite que você guarde pequenos traços de informação, como o número de um telefone, o nome de uma pessoa e o assunto deste artigo. Com o tempo, esta informação será perdida e esta é a explicação do fato das pessoas acabarem indo comentar assuntos totalmente diversos do cerne do artigo. Obviamente, você ainda se lembra que a data da publicação dita acima é 1687.

O dr. Aristides Arrenberg, da Universidade Freiburg,  e seus colegas estudam como os neurônios responsáveis pelo armazenamento de informações de vários circuitos neurais funcionam, mantendo um nível contínuo de atividade. Segundo sua pesquisa, publicada na Nature Neuroscience, um estímulo de curta duração desencadeia a atividade dos neurônios, e essa atividade é então mantida por alguns segundos. Os mecanismos deste armazenamento de informações ainda não foram descobertos em detalhes, embora este fenômeno ocorre em áreas muito diversas do cérebro.

Para fazer esta pesquisa, os cientistas analisaram os movimentos dos olhos em larvas de peixes. Por quê? Simplesmente porque temos um cérebro de peixe dentro da cabeça.

Você enlouqueceu?

Ó leitores de pouca fé. Até quando eu passarei informações básicas (ou nem tão básicas)?

O processo evolutivo não é tão caprichoso assim. Ele não substitui algo por outro. Ele adiciona benfeitorias. Assim, nos primórdios, quando apareceram as primeiras notocordas, o encéfalo foi evoluindo agregando camadas, isto é, quando uma mudança fazia aparecer uma camada que dava uma vantagem, a camada debaixo ainda estava lá. É como eu ter uma casa com toda a fiação aparente; mas como o eletricista é preguiçoso, ele não desfez tudo para colocar dentro de conduítes. Ele colocou em canaletas de PVC para esconder (ou quase). Depois, fez um teto falso ou um painel para esconder. O final pode até ser "bonito", mas toda a gambiarra está lá. Assim, os sistemas básicos de manutenção da vida, como ritmos cardíacos e a respiração. Depois, foi agregado o chamado "cérebro reptiliano", cuja camada se encarrega de outras funções básicas, como sobrevivência e reprodução. Depois, com o passar de milhões de anos, apareceu o córtex cerebral. Mas lá no fundinho, o tronco cerebral, que tem início no sistema rombencefálico, ainda faz o que sempre fez ao longo destes milhões de anos. Assim, estudar o cérebro de peixes não é tão estranho, já que as estruturas de seu cérebro e do rombencéfalo humano são praticamente os mesmos.

Peixes não são curiosos como dizem. Ao se jogar algo na água a premissa deles é sair à toda, mas voltam pois respondem a dois estímulos diferentes (o choque de algo na água e esse "algo" afundando). Assim, os pesquisadores estudaram exatamente o órgão responsável por catar esta informação: os olhos. Ao estimular os olhos, os cientistas perceberam que houve ação de impulsos elétricos nos neurônios respectivos ao sistema integrador. Esta informação é perdida, isto é, o peixe "esquece" rápido o que viu, assim como você esqueceria a informação que a publicação do livro foi em 1687, se eu não continuasse falando.

Ao se matematizar o procedimento e examinar com o auxílio de aparelhos de ressonância magnética, os cientistas conseguiam medir a atividade de todo o conjunto e a dinâmica do sistema durante os movimentos oculares. Arremberg e seus colaboradores demonstraram que os neurônios do sistema integrador não possuem uma dinâmica uniforme e que os neurônios estão distribuídos no cérebro posterior, com a ajuda de suas constantes de tempo integrador, mostrando que o cérebro trabalha de maneira ineficiente, apesar de maravilhoso (maravilhoso por não termos coisa melhor, então tá ótimo!).

Então, me diga: em que ano o livro o Químico Cético foi publicado? Bem,isso prova que sua memória de curto prazo não é lá essas coisas também, pois eu tinha falado antes do livro de Newton e não do de Robert Boyle. E nesse momento você acabou de ir ao início do texto ver se era o livro de Isaac Newton mesmo. O cérebro apronta cada coisa com a gente, não é mesmo? ;)


Fonte: Press Release da Universidade de Freiburg

11 comentários em “Como o cérebro guarda informações por curto espaço de tempo

  1. Eu tinha uma memória tão boa… Mas infelizmente a pragmática rotina de trabalhador braçal me deixou burro e com menos memória. Bem, ainda sou jovem (29 anos).

    Confesso que leio quase sempre os artigos duas vezes para entender (às vezes três), mas leigo é assim mesmo. A memória de curto prazo é de fato importante, nós temos de esquecer certas coisas mesmo. Eu assisti uma reportagem sobre pessoas que não se esquecem de nada. E eu vi que elas sofrem por não esquecerem de nada. Quem me dera se o nosso cérebro fosse como um HD…

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  2. A data eu realmente esqueci todas as vezes, mas pelo menos lembrei o nome e o autor! (Talvez por que já estivessem em minha memória de longo prazo?)

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  3. Muito bom o artigo.

    Essas pesquisas ajudam a desvendar os mistérios da nossa mente de forma realmente científica (e não de forma subjetiva, como a psicanálise).

    Parabéns pelo artigo.

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  4. Peraí, Newton não foi aquele cara que jogou uma maçã da Torre de Pisa, quando estava observando o cometa Halley com um instrumento que ele mesmo inventou, o telescópio, e ainda gritou Eureka!?
    Eu sabia, minha memória não falha.

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  5. Hahaha, eu lembrei que era do Newton. Isso porque, provavelmente por experiências passadas, quando lí o “Lembre-se disso” no começo do artigo pensei: “deve ser pegadinha”. Aí decorei a data e o autor (nem tentei decorar o nome do livro, hehe). ;-)

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  6. Fiquei pasma com a associação de como nosso cérebro é formado, preciso urgente pesquisar peixes e répteis!

    E se sua memória apresentar falhas, sudoku ajuda bastante a treinar. Atualmente estou viciada em Kakuro e jogos de lógica, mas sudoku também ajuda :3

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