Se alguém lhe perguntar quais são as células que fazem o trabalho nobre do cérebro – processar informações –, aposto que você responderá sem pestanejar: os neurônios! Pois saiba que não é bem assim. Todas as evidências obtidas nos últimos anos pelos neurocientistas convergem para a constatação de que as células da glia não exercem mais o papel de “donas de casa”, como as mulheres de antigamente. Fazem dupla jornada, como as de hoje.
O coletivo glia foi criado ainda no século 19 para descrever a “cola neural” (semelhante a glue , em inglês), isto é, a substância que se acreditava amorfa, posicionada entre os neurônios para mantê-los na sua posição. Logo se revelou que a glia era formada por células, mas durante um século se achou que elas desempenhavam apenas funções de apoio, nutricionais e estruturais.
No final do século 20 a situação começou a mudar. Emergiu entre os neurocientistas um “movimento de libertação” das células da glia: os experimentos foram mostrando uma infinidade de funções que elas exercem no sistema nervoso: cuidam da defesa contra microrganismos e lesões de várias estirpes, produzindo reações inflamatórias como faz o sistema imunitário no resto do organismo; regulam o suprimento sangüíneo dos locais com maior atividade funcional; funcionam como células-tronco em alguns locais específicos; capturam os aminoácidos excitatórios em excesso, prevenindo a ocorrência de toxicidade sobre os neurônios; ajudam a posicionar os neurônios durante o desenvolvimento e a orientar as fibras nervosas a achar os alvos certos; e muito mais.
O século 21 trouxe a libertação da célula glial. O grupo de Dwight Bergles, na Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, combinando experimentos de microfarmacologia com observações de microscopia óptica e eletrônica, descobriu que alguns tipos gliais recebem sinapses de fibras nervosas, ou seja, de neurônios. Essas sinapses neuro-gliais podem ser excitatórias ou inibitórias, o que significa que apresentam a mesma capacidade lógica das sinapses neuro-neuro. Além disso, funcionam semelhantemente a estas últimas, empregando neurotransmissores armazenados em pequenas vesículas, expressando moléculas receptoras capazes de reconhecer especificamente os neurotransmissores e produzindo sinais químicos com conteúdo informacional comprovado.
O conceito que emergiu dessas descobertas é que o sistema nervoso é formado por uma rede polivalente de neurônios e células gliais, dotada de potente capacidade de processamento de informação e ainda de plasticidade, ou seja, capacidade de se adaptar às mudanças impostas pelo ambiente externo.
Nada mais compatível com os tempos da modernidade: igualdade de gênero também no sistema nervoso. Mas ainda resta algo a conquistar: diferentemente dos neurônios, as células gliais até o momento se mostram incapazes de gerar sinais elétricos, os impulsos nervosos de condução rápida que constituem as unidades de código da linguagem do cérebro. Conseguirão os neurocientistas chegar ao limite da inclusão?
Fonte: Ciência Hoje
