Eslovênia – Rio de relíquias

Por: Carol Kaufmann
National Geographic – jan/2007

Por que romanos, celtas e até mesmo colonizadores pré-históricos afundavam seus objetos pessoais, de espadas a tigelas, em um rio raso da Eslovênia? Durante mais de 9 mil anos aldeões e soldados jogaram peças de valor num rio da Eslovênia. Arqueólogos agora buscam o motivo.

O arqueólogo Andrej Gaspari é assombrado por pedaços do passado. O rio Ljubljanica, que banha sua cidade natal, Ljubljana, capital da Eslovênia, já lhe entregou centenas desses fragmentos, encontrados numa faixa de 19 quilômetros: moedas celtas, objetos romanos de luxo, espadas medievais. Gaspari crê que os antigos habitantes das margens e pessoas que viajavam pelo rio consideravam-no sagrado. Isso explicaria por que gerações de celtas, romanos e outros ofereciam tesouros às águas durante ritos de passagem, em sinal de luto ou em agradecimento por batalhas vencidas.

Talvez Gaspari nunca possa entender com certeza o motivo de o Ljubljanica guardar tantas relíquias tão bem preservadas por seus sedimentos e águas calmas. Muitas peças desse quebra-cabeça já desapareceram. Durante as duas últimas décadas, mergulhadores amadores retiraram de lá a maioria dos 10 mil a 13 mil artefatos já encontrados. Atualmente é ilegal recolher objetos do Ljubljanica. Mesmo assim, arqueólogos são forçados a competir com colecionadores particulares. Alguns mergulhadores venderam o produto das pilhagens a museus. Outros, a compradores que fizeram melhor oferta; e há os que guardaram os tesouros para si. Muitos desses objetos saíram do país sem deixar vestígios. A maior preocupação de Gaspari é que poucos colecionadores amadores se interessam em saber onde essas peças foram localizadas. Para um arqueólogo, o significado de um objeto vem de seu contexto, do local onde foi achado e da associação com outros artefatos. Sem contexto, não há história.

Mladen Mück é um dos tormentos de Gaspari. Arquiteto, cerca de 40 anos, nascido na Bósnia, Mück começou a mergulhar no rio em 1985 e já trouxe à superfície por volta de mil peças. Em sua casa em Ljubljana guarda uma caixa repleta de ferramentas pré-históricas e caixotes com outros artefatos raros, como machadinhas feitas de chifre de veado. Mück diz não ter intenção de vender o que achou. Como muitos colecionadores, considera que estão mais bem guardados com ele do que se estivessem com as autoridades.

“Qualquer pessoa pode ver esses objetos em minha casa, muito mais do que se os doasse a um museu”, diz ele. “Lá ficariam num porão.”

Gaspari discorda e diz que uma equipe do Museu Nacional da Eslovênia prepara uma exposição com os tesouros já encontrados no rio para percorrer a Europa em 2008. Mesmo assim, espera que um dia Mück entregue os artefatos que achou. “Meu coração é forte”, avisa o arqueólogo de 33 anos. “Mück pode ser obstinado, mas vou sobreviver a ele.”

Quanto aos objetos que ainda estão no fundo do Ljubljanica, Gaspari acha que deveriam continuar lá, intocados, até que possam ser conservados de modo adequado. Ele sai em busca de novas peças apenas quando as considera ameaçadas, como acontece nessa tarde quente de julho. Gaspari veste a roupa de mergulho às margens do rio e se prepara para cair na água. A visibilidade está excelente hoje, diz ele – mas não parece, dada a quantidade de algas e lixo no rio.

Ele e sua equipe foram contratados pela prefeitura de Vrhnika para procurar artefatos que poderiam se perder quando uma usina de tratamento de esgoto for construída junto ao rio.

O cheiro de enxofre e outros odores desagradáveis nos lembram da necessidade dessa usina.

Gaspari não espera muito ali, talvez alguns pedaços de panelas, o que não é raro em rios do Velho Mundo. Menos de uma hora depois, Miran Eric-Pac, membro da equipe, emerge com uma machadinha feita de chifre de veado há mais de 5 mil anos. “É a primeira vez que localizamos nesse trecho um artefato tão antigo. Provavelmente veio de um povoado pré-histórico da redondeza.”

Em seguida, sai das águas escuras um cântaro d’água do século 16, pintado com um pássaro azul e flores amarelas, que lembra réplicas vendidas nas lojas locais. Outro mergulhador entrega a ele um pedaço de pedra com as bordas decoradas, fragmento de um prato antigo. Gaspari manuseia a parte lisa do objeto, familiarizado com seu formato. “É uma antiguidade romana”, diz ele, “foi feito por volta do século 10 a.C.”

Ao longo do dia, mais pedaços da história antiga da Eslovênia são revelados. Assim como outros objetos encontrados no leito do rio, esses fragmentos sugerem uma conexão misteriosa entre gerações distantes entre si e as águas que reverenciavam. Em algum lugar, na apropriação indevida desses objetos por particulares ou no fundo escuro do rio, está a chave que pode solucionar o mistério.

Ele e sua equipe foram contratados pela prefeitura de Vrhnika para procurar artefatos que poderiam se perder quando uma usina de tratamento de esgoto for construída junto ao rio.

O cheiro de enxofre e outros odores desagradáveis nos lembram da necessidade dessa usina.

Gaspari não espera muito ali, talvez alguns pedaços de panelas, o que não é raro em rios do Velho Mundo. Menos de uma hora depois, Miran Eric-Pac, membro da equipe, emerge com uma machadinha feita de chifre de veado há mais de 5 mil anos. “É a primeira vez que localizamos nesse trecho um artefato tão antigo. Provavelmente veio de um povoado pré-histórico da redondeza.”

Em seguida, sai das águas escuras um cântaro d’água do século 16, pintado com um pássaro azul e flores amarelas, que lembra réplicas vendidas nas lojas locais. Outro mergulhador entrega a ele um pedaço de pedra com as bordas decoradas, fragmento de um prato antigo. Gaspari manuseia a parte lisa do objeto, familiarizado com seu formato. “É uma antiguidade romana”, diz ele, “foi feito por volta do século 10 a.C.”

Ao longo do dia, mais pedaços da história antiga da Eslovênia são revelados. Assim como outros objetos encontrados no leito do rio, esses fragmentos sugerem uma conexão misteriosa entre gerações distantes entre si e as águas que reverenciavam. Em algum lugar, na apropriação indevida desses objetos por particulares ou no fundo escuro do rio, está a chave que pode solucionar o mistério.

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