Um dragão em minha garagem

Um amigo meu afirma que a única pergunta interessante sobre o paradigma do rapto por alienígenas é: “Quem está enganando quem?”. O cliente está enganando o terapeuta, ou vice-versa? Eu não concordo. Primeiro, há muitas outras perguntas interessantes sobre as histórias de rapto por alienígenas. Segundo, essas duas alternativas não são mutuamente exclusivas.Alguma coisa sobre casos de seqüestro por alienígenas instigava a minha memória há anos. Por fim, lembrei. Era um livro de 1954 que eu tinha lido na universidade, The fifty-minute hour. O autor, um psicanalista chamado Robert Lindner, fora convocado pelo Laboratório Nacional de Los Alamos para tratar um jovem e brilhante físico nuclear, cuja pesquisa secreta para o governo estava começando a sofrer interferências de seu sistema delusório. Como se veio a saber, o físico (a quem foi dado o pseudônimo de Kirk Allen) levava uma outra vida além de construir armas nucleares: segundo suas confidências, no futuro distante ele pilotava (ou ia pilotar – os tempos verbais ficam um pouco confusos) espaçonaves interestelares. Ele gostava de aventuras estimulantes e jactanciosas em planetas de outras estrelas. Era o “senhor” de muitos mundos. Talvez o chamassem de capitão Kirk. Ele não conseguia apenas se “lembrar” dessa outra vida; podia também entrar nela sempre que quisesse. Pela forma correta de pensar, por desejar, ele se transportava pelos anos-luz e pelos séculos.

“De certa maneira, eu não conseguia entender que, simplesmente por desejar que assim fosse, eu tivesse atravessado as imensidões do espaço, vencido as barreiras do tempo e me incorporado – literalmente me transformado – nesse eu distante e futuro… Não me peça explicações. Não sei, embora Deus saiba que tentei”.

Lindner achou-o inteligente, sensível, agradável, cortês e perfeitamente capaz de lidar com os problemas do cotidiano humano. Mas – ao refletir sobre as emoções de sua vida entre as estrelas – Allen começou a se sentir um pouco entediado com a sua existência na Terra, mesmo que ela envolvesse a construção de armas de destruição em massa. Quando admoestado pelos seus supervisores no laboratório por andar distraído e imerso em devaneios, ele pediu desculpas; tentaria, assegurou-lhes, passar mais tempo neste planeta. Foi quando eles entraram em contato com Lindner.

Allen escreveu 12 mil páginas sobre as suas experiências no futuro e dezenas de tratados técnicos sobre a geografia, a política, a arquitetura, a astronomia, a geologia, as formas de vida, a genealogia e a ecologia dos planetas de outras estrelas. Os títulos das seguintes monografias nos dão uma idéia do material: “O original desenvolvimento do cérebro dos crisópodes de Srom Norba X”, “O culto e os sacrifícios ao fogo em Srom Sodrat II”, “A história do Instituto Científico Intergalático” e “A aplicação da teoria do campo unificado e a mecânica do impulso estelar para a viagem espacial”. (Este último é o que eu gostaria de examinar; afinal, Allen gozava da reputação de ter sido um físico de primeira categoria.) Fascinado, Lindner leu os textos com atenção.

Allen não hesitou em apresentar seus textos a Lindner ou em discuti-los de forma detalhada. Imperturbável e intelectualmente formidável, ele parecia não estar aceitando nem um centímetro do auxílio psiquiátrico de Lindner. Quando tudo o mais falhou, o psiquiatra tentou algo diferente:

“Tentei […] evitar que ele tivesse de algum modo a impressão de que eu estava competindo com ele para lhe provar que era psicótico, de que se tratava de uma luta decisiva sobre a questão de sua sanidade mental. Em vez disso, como era óbvio que tanto o seu temperamento como a sua educação eram científicos, decidi tirar partido da única qualidade que ele tinha demonstrado durante toda a sua vida […] a qualidade que o impelia para a carreira científica: a sua curiosidade […]. Isso significava […] que, pelo menos por enquanto, eu ‘aceitava’ a validade de suas experiências […]. Num repentino lampejo de inspiração, ocorreu-me que, para afastar Kirk de sua loucura, era necessário que eu entrasse na sua fantasia a fim de poder, nessa posição, liberá-lo da psicose”.

Lindner apontava certas contradições aparentes nos documentos e pedia que Allen as resolvesse. Isso exigia que o físico voltasse a entrar no futuro para encontrar as respostas. Obedientemente, Allen aparecia na sessão seguinte com um documento esclarecedor, escrito com a sua letra clara. Lindner se viu esperando ansiosamente por cada entrevista, para ser mais uma vez seduzido pela visão de abundância de vida e inteligência na galáxia. Entre si, os dois foram capazes de resolver muitos problemas de incoerência.

Foi então que aconteceu uma coisa estranha: “Os materiais da psicose de Kirk e o calcanhar-de-aquiles da minha personalidade se encontraram e se engrenaram como o mecanismo de um relógio”. O psicanalista tomou-se um conspirador a favor da delusão de seu paciente. Começou a rejeitar as explicações psicológicas da história de Allen. Até que ponto temos certeza de que não podia ser verdade? Ele se viu defendendo a noção de que era possível entrar em outra vida, a de um viajante espacial no futuro distante, por um simples esforço de vontade.

“Num ritmo surpreendentemente rápido […] áreas cada vez maiores da minha mente foram invadidas pela fantasia […]. Com o auxílio intrigado de Kirk, eu estava participando de aventuras cósmicas, partilhando a alegria da arrebatadora história fantástica que ele tinha tramado”.

Mas, finalmente, aconteceu algo ainda mais estranho: preocupado com o bem-estar de seu terapeuta, e reunindo admiráveis reservas de integridade e coragem, Kirk Allen confessou: ele inventara toda a história. O problema tinha raízes na sua infância solitária e em suas relações fracassadas com as mulheres. Ele apagara parcialmente e depois esquecera a fronteira entre a realidade e a imaginação. Inserir os detalhes plausíveis e tecer uma rica tapeçaria sobre outros mundos era desafiador e inebriante. Mas ele lamentava ter induzido Lindner a trilhar esse caminho de prazeres.

– Por quê – perguntou o psiquiatra –, por que você fingiu? Por que continuou a me dizer…?

– Porque sentia que tinha de agir assim – replicou o físico. – Porque sentia que era isso o que você queria que eu fizesse.

Lindner explicou que ele e Kirk haviam trocado de papéis

e, num desses desenlaces surpreendentes que transformam o meu trabalho na atividade imprevisível, maravilhosa e compensadora que é, a loucura que partilhamos entrou em colapso […]. Empreguei a racionalização do altruísmo clínico para fins pessoais, e assim caí na armadilha que aguarda todos os psicoterapeutas incautos […]. Até Kirk Allen entrar na minha vida, nunca duvidara de minha própria estabilidade. Sempre pensara que as aberrações mentais eram para os outros […]. Essa presunção me cobre de vergonha. Mas agora, quando escuto o paciente na minha cadeira atrás do divã, sou mais sábio. Sei que minha cadeira e o divã são separados apenas por uma linha tênue. Sei que não passa afinal de uma combinação mais feliz de acasos o que determina, em última análise, quem deve deitar no divã e quem deve sentar atrás dele.

Por esse relato, não sei ao certo se Kirk Allen verdadeiramente enganava as pessoas. Talvez apenas sofresse de alguma desordem de caráter que o fazia sentir prazer em inventar charadas à custa dos outros. Não sei até que ponto Lindner pode ter embelezado ou inventado parte da história. Embora ele tenha escrito sobre “participar” e “entrar” na fantasia de Allen, não há nenhuma sugestão de que imaginava ter viajado para o futuro distante e tomado parte em grandes aventuras interestelares. Da mesma forma, John Mack e os outros terapeutas de raptos por alienígenas não sugerem ter sido seqüestrados; apenas seus pacientes o foram.

E se o físico não tivesse confessado? Lindner teria se convencido, sem nenhuma dúvida, de que era realmente possível passar para uma era mais romântica? Teria declarado que começou o trabalho como cético, mas acabou sendo convencido pelo mero peso das evidências? Teria feito propaganda de si mesmo como um especialista em ajudar viajantes espaciais do futuro que ficam encalhados no século XX? A existência dessa especialidade psiquiátrica encorajaria os outros a levar a sério fantasias ou delusões dessa espécie? Depois de alguns casos semelhantes, Lindner teria resistido impacientemente a todos os argumentos do tipo “Seja razoável, Bob” e deduzido que estava penetrando num novo nível de realidade?

Seu treinamento científico ajudou a salvar Kirk Allen da loucura. Houve um momento em que terapeuta e paciente trocaram de papéis. Gosto de pensar que, nesse caso, o paciente salvou o terapeuta. Talvez John Mack não tenha sido tão felizardo.

26 comentários em “Um dragão em minha garagem

  1. hduhduadhsfhaudhasas, tem o caso do Jesus na bunda do cachorro também!!! udhasudhaudhaduhud!

    como se chama isso, pare… alguma coisa!!!

    Curtir

  2. concordo, a ciência tem derrubado um monte de mitos e fraudes, e mesmo que um dia ela derrube minhas crenças, eu acredito que se isso acontecer, será uma coisa muito boa pra mim!

    o que seria da humanidade se não existice o impulso, ou desejo, de elucidar os fatos, entender, e aprender? acredito que ainda estariamos vivendo dentro de cavernas, no escuro, quase que como animais irracionais.

    não é por que tenho uma crença, que não aceito a palavra da ciência.

    além do mais, acho que ninguém tem o direito de queer impor aos céticos, que acerditem em algo, do mesmo jeito que acho um abuso, certos céticos quererem impor para uma pessoa, que ela perca a fé dela em algo, so por que eles não acreditam nesse algo. É um abuso de ambas as partes.

    perde-se mais tempo discutindo se algo existe ou não, do que tentando fazer algo, para se melhorar as condições péssimas em que vivemos.

    e perdoem alguns erros de gramática, pois tenho dislexia, e isso não é desculpa, ra justificar burrice!

    beijos!

    Curtir

  3. concordo, a ciência tem trabalhando muito, para derrubar mitos, e mesmo que um dia ela derrube minahs crenças, acredito, que será algo muito bom pra mim.

    melhor perder a fé em algo, porém sair da cegueira.

    Curtir

    1. Cada coisa a seu tempo. A transição da vida religiosa para a não religiosa pode ser desagradável (varia para cada pessoa), então deixe que ela decida quando e se vai acontecer. A vida é dela e não adianta pressionar, ela é quem tem de decidir.

      Curtir

      1. Concordo com o Edmilson mas também penso como o Chico Sá.
        A Mirtes não é como as ovelhinhas que aparecem no Cet de vez em quando. Talvez ela não queira se tornar como eu, um maldito ateísta :mrgreen: .
        Mas é provável que em pouco tempo se torne ao menos agnóstica.

        Venha para o lado cético da Força Mirtes :twisted:

        Curtir

    2. Por mais que eu ache que as religiões servem para manipular o povo e desde o inicio foram criadas com esse intuito, ainda assim tenho que admitir que analisando antropologicamente, as crenças no divino fizeram a humanidade se estruturar e se unir em torno de algo. Nenhuma sociedade evolui sem liderança e organização hierárquica, e desde o início a religião foi usada para isso. Sem leis para dirimir conflitos o mundo seria um caos, e com a religião os líderes conseguiam impor regras de convivência que só eram aceitas por todos por ser “a vontade de Deus”.

      Curtir

  4. Só para contribuir com a matéria do Carl Sagan:
    Nos anos 80 eu gostava de ler a coluna do Franz Paul Trannin da Matta Heilborn – mais conhecido entre seus leitores da Folha de São Paulo pelo pseudônimo de Paulo Francis. Uma vez ele falou sobre a ideia das folhas de chá… É o seguinte:
    Um cara estava com muita vontade de tomar chá, aí ele abriu a gaveta e ela estava vazia. Ele viu então que a gaveta que conteve chá durante décadas era forrada por uma folha de papel.
    A folha estava até meio manchada. Será que se ele picasse e fervesse essa folha de papel o produto resultante teria as propriedades do chá? :roll: Entrem os Mithbusters!
    Isso que é a fé. Se você acha que essa folha de papel tem as propriedades do chá, então você tem fé. Se acha que não tem as propriedades do chá, você não tem fé.

    Curtir

  5. Se pensarmo no universo como um ciclo de explosões e implosões eternas, como o Big Bang, em que esse universo se expande, se equilibra criando a vida em alguns planetas e depois de bilhões de anos após esgotarem-se os recursos destes planetas as energias dos sóis gerando buracos negros com extrema força gravitacional que atrai seus planetas, que por consequência se unem a outros buracos negros vindo ai a grande implosão, ou Big Bang invertido para que se misture toda matéria universal e se crie vida após um outro Big Bang. Enfim, quero mostra que o difícil para gente não é entender o q há antes do nada, mas sim entender o eterno. Em relação a Deus, acho q há um erro no conceito, não foi Deus q criou o universo, Deus é o universo, é essa força que movimenta o universo, não uma “pessoa” que movimenta o universo. Toda essa tendencia que o universo tem a se equilibrar podemos chamar de Deus. O ser humano tende a humanizar Deus como um ser cheio de quereres, mas ele não é um ser todo poderoso, ele é o poder. Não há vida porque Deus quer, Deus é a vida. Deus não faz o universo se equilibrar o equilíbrio é sinônimo de Deus. É uma questão de conceito, acredito em Deus como um substantivo sinônimo de equilíbrio universal propenso a vida, uma força cientificamente explicável que leva a estabilidade do universo, uma aversão ao caos. E por isso tudo nesse mundo que leva ao equilíbrio é uma coisa de Deus. Jesus é considerado como “filho de Deus” por que a filosofia de vida por ele proposta leva ao equilíbrio universal. Não fazer mal ao próximo, dar a outra face quando formos ofendidos, entre vários outros ensinamentos são filosofias de vida que inibem o caos. Quanto ao miticismo em torno de Jesus, seus milagres e heroísmos isso deixamos para o homem. Podemos acreditar em Jesus, segui-lo, sem mitifica-lo, ele foi um homem extraordinário como muitos outros que surgiram na história da humanidade, Buda, Gandhi, Madre Tereza e vários outros deram exemplo de conduta, e sempre buscaram o bem, a paz, o equilíbrio, a deus – escrito agora com letra minuscula propositalmente, por ser um sinônimo linguístico destas outras palavras.
    A vida não deixa de ser linda por sermos céticos, se torna até mais interessante, não perde o propósito, pois ela é o seu próprio propósito, a vida serve pra viver e viver bem, no bem comum, na paz, em busca do equilíbrio, a favor de deus. E após a morte resta apena o legado.

    Curtir

          1. @André, Parece mais um testemunho de fé. Veja que, num dado momento, ele usa o verbo acreditar e não apresenta evidência alguma que suporte as afirmações feitas sobre a tal tendência ao equilíbrio do universo. Quanto ao paragolemiado sobre Jesus: que Jesus? É aquele da bíblia? De novo? Rá!

            Curtir

          2. @Deimos, Eu não acredito em milagres, não acredito em vida após a morte, e em nada q a ciência não possa provar, ou seja, em nada sobrenatural. E é por causa da ciência, q tem a logica retórica como uma de suas ferramentas, q eu acredito na existência de Jesus, seja lá qual for o nome q ele tenha. E acredito na existência de vários outros como ele, como já citei. Sua história, ou o q agente sabe sobre a sua história é algo q contradiz qualquer preceito de manutenção no poder das classes dominantes, dos ricos senhores feudais da época, o clero e o poder absoluto do rei. Pelo q eu conheço, que é muito pouco em vista do possível, seus ensinamentos leva a uma vida de doação, entrega e fraternidade. Uma humildade nos quereres e nos padrões de vida. Isso refuta qualquer ideia de manutenção destas classes dominantes no poder, pois iguala os reis, nobres e clérigos aos civis da época como “filhos de Deus”. Não meu ver somos todos filhos do “bem” e todos temos obrigação com a manutenção do equilíbrio universal, da paz e do bem.
            Nós humanos somos falhos, mas não podemos deixar de acreditar nas evidências. O ser humano precisa de heróis, utopicamente copiáveis. É necessário q agnt nunca alcance nosso objetivo, q é a perfeição, pq precisamos de propósitos inalcançáveis para vivermos. O ser humano precisa de buscar um fim, pq ainda não aprendemos q a busca é o mais importante, não o objetivo, por isso criamos heróis com superpoderes, autores de milagres e etc etc etc. Agente não precisa ignorar uma história pq alguns atribuíram fatos sobrenaturais a ela, cabe a nós retirarmos o q a soa de verdade nesta história e ignorar os mitos.

            Curtir

      1. @deyverson,
        Opa, acabei de me registrar, mas já acompanho os atigos via feed rss a um bom tempo. Estou em fase de conflito sobre o que acreditar e esse posicionamento sobre DEUS considerei bem interessante.

        Curtir

  6. Alguém disse certa vez (não me lembro bem quem): o invisível e o inexistente são bastante parecidos. Se bem que eu acho que seria melhor dizer o indetectável e o inexistente são bastante parecidos.

    Curtir

Deixe um comentário, mas lembre-se que ele precisa ser aprovado para aparecer.