por Eduardo Augusto Geraque
Diferença entre divulgação científica e jornalismo de ciência deve ser mais explicitada.
O biólogo e divulgador da ciência Stephen Jay Gould mostrou em seu livro O polegar do panda que a evolução da vida sobre a Terra pode ser mais bem explicada pelo modelo dos equilíbrios pontuados do que pelo gradualismo, o modelo defendido por Charles Darwin. Em vez de pequenos saltos, o mais sensato seria imaginar que as “linhagens mudam pouco durante a maior parte da sua história, mas eventos de especiação rápida ocasionalmente pontuam essa tranqüilidade. A evolução é a sobrevivência diferencial e o desdobramento dessas pontuações. O processo pode demorar centenas e até milhares de anos”.
Como não somos todos geólogos (e mesmo aqueles que são tampouco escapam da sina de ser meros mortais), podemos ilustrar isso com uma metáfora em escala de tempo bem menor e, portanto, atual. Achar soluções para explicar teorias complicadas de maneira simplificada é a maior contribuição dos divulgadores de ciência. Se no Brasil as carências educacionais são indiscutíveis, pessoas do universo científico cumprem um grande papel social quando investem seu tempo em obras de divulgação.
Pesquisadores com um texto claro e bem estruturado conseguem expressar conceitos precisos e exatos, conteúdo no qual tanto o leitor leigo como os educadores (muitas vezes também com formação e informação escassas) podem confiar. Mas como o mundo não é feito apenas pelo universo científico, é inegável que tais autores, cientistas, falam de dentro de seu mundo para fora. Muitas vezes, como parte do sistema, é bastante difícil ter uma visão múltipla e desprovida de interesses de classe, sem que isso possa soar pejorativo. Qualquer cidadão sobre a face da Terra tem suas preferências, sua corrente de pensamento, uma ideologia para seguir em frente. Aí entra a importância do jornalismo, que se encontra em posição de observar a ciência pelo lado de fora.
É claro que também os jornalistas têm seus interesses de classe e outros, mas é importante ressaltar que a origem sistêmica do trabalho desses profissionais é diferente. (Como biólogo e jornalista, tento entender os dois lados.) Isso precisa ser respeitado para que essas duas funções fundamentais para a democracia continuem conseguindo nutrir a sociedade. Assim como os cientistas-divulgadores espalham o gosto pela ciência, mostram a importância dela e formam pessoas, o jornalismo sobre ciência – prefiro essa expressão a “jornalismo científico” – não pode abandonar sua função de fazer uma mediação social entre o universo dos pesquisadores e o resto da população.
Claro que a relação é conflituosa, mas ambas as partes precisam compreender o trabalho uma da outra e dialogar dentro de um mesmo nível, havendo cooperação e não predação. Em uma agenda de prazos curtos, quando um jornalista envia seu texto final a um entrevistado antes da publicação (apenas para verificação), podem ocorrer pequenos desgastes. O que deve existir nessa relação, porém, é a busca do equílibrio pontuado, assim como fez a evolução.
Está provado que o jornalismo sobre ciência tem seu papel a desempenhar. As fraudes recentes vindas da Coréia do Sul – que não foram as primeiras nem serão as últimas – que o digam. O mesmo pode ser aplicado ao universo da saúde e das grandes empresas farmacêuticas do mundo, como alerta Paulo Andrade Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo : “A imprensa é importante? Ela é muito mais importante do que qualquer pessoa pode pensar. O New York Times, por exemplo, destroçou o laboratório Merck Sharp & Dohme, fabricante do Vioxx. O jornal mostrou como naquele caso houve empulhação do público e dos acionistas”. Lotufo cita, porém, alguns “furos na água” dados pela imprensa, que indicam como o jornalismo sobre ciência precisa, no mínimo, amadurecer, ser crítico, e não tentar continuar fazendo, em grande parte do tempo, apenas divulgação. Isso é uma tarefa para os cientistas interessados nesse tema. Cabe a esse grupo desvendar não um, mas todos os polegares do panda.
