Pombos, mensagens, heróis e fotos

Fofocando e sendo fofocado

É preciso nos comunicarmos. A comunicação é algo intrínseco em vários animais e nos humanos não é diferente. A diferença é que criamos ferramentas, táticas e estratégias para isso, principalmente durante um confronto com a Oposição. No Brasil isso fica a cargo das Armas de Comunicações e nos Estados Unidos é chamado US Army Signal Corps.

De acordo com a definição dada pelo Exército Brasileiro:

As Armas de Comunicações proporcionam as ligações necessárias aos escalões mais altos que exercerão a coordenação e o controle de seus elementos subordinados antes, durante e após as operações. Além disso, atua no controle do espectro eletromagnético, por meio das atividades de Guerra Eletrônica, para impedir ou dificultar as comunicações do inimigo, facilitar as próprias comunicações e obter informações.

Durante a Guerra Civil Americana, também chamada de Guerra de Secessão (1861 – 1865), as tropas tinham um problema. Não podiam se dar ao luxo de serem muito exigentes na escolha soldados; e como surdos não tinham problemas em manusear armas, não haveria porque deixá-los de fora. Só que tinha um problema: eles não ouviam os comandos por motivos de… hã… serem surdos? Era preciso criar uma linguagem para se comunicarem com os soldados surdos. Não que já não existisse, mas ficar fazendo gestos com as mãos à distância, se não é logisticamente possível, faz os outros saberem o que você está falando. Então, pensou-se, que tal criar um sistema de códigos visual?

A divisão dos Signal Corps começou em 1860, com a nomeação do dr. Albert J. Myer, um médico, como Chefe de Sinal. Sob seu comando, a unidade transformou a linguagem gestual usada para se comunicar com os surdos em um sistema de semáforo que incorporava bandeiras vermelhas e brancas de “wigwag”.


Bandeiras originais usadas na Guerra de Secessão

Mais tarde, os Signal Corps ficaram responsáveis por toda a comunicação e tráfego de informações, usando todas as tecnologias disponíveis em todas as épocas, como cartas, telégrafo, telefones, radiocomunicação e eles: os ratos com asas, também conhecidos como pombos. Mas não da forma como você está pensando, apenas.

Criar pombos não é uma coisa atual. Pelo contrário! São encontradas referências nos grandes impérios da Antiguidade, como Babilônia, Egito, Assíria etc. Não por acaso, uma pomba branca aparece no mito do dilúvio (e não só o dilúvio hebraico, mas isso por ser cópia/cola, mesmo). De acordo com Andrew Blechman, autor do livro “Pombos”, o pombo é o pássaro domesticado mais antigo do mundo. Algumas tabuletas cuneiformes da Mesopotâmia mencionam a domesticação de pombos há mais de 5.000 anos, assim como aparecem menções em hieróglifos egípcios. A Roma antiga estava povoada de pombos selvagens aninhados em seus monumentos e casas, até que finalmente, eles dessem um uso para essas aves.

Em 776 AEC, um pombo foi usado para enviar os resultados dos Jogos Olímpicos e etruscos também pareciam usar pombos como forma de fazer DDD e DDI. Na Gália, entretanto, com Caio Júlio César indo lá para botar ordem no galinheiro durante as Guerras Gálicas, pombos não parecem ser comuns; mas em Roma, eles eram muito bem conhecidos. Em um mosaico romano da Basilica Patriarcale di Santa Maria Assunta, em Aquileia, na Província de Udine, na Itália, conseguimos ver alguém soltando um pombo com o que parece ser uma mensagem.

E em Orvietto, Itália, temos esta sala subterrânea bem provida e aquecida, servindo de pombal.

Pombos eram tão conhecidos e importantes a ponto de vários autores os mencionarem, como foi o caso de Pínio, o Velho (23 – 79 EC) no seu História Natural, que no livro 10, capítulo 52 lemos:

Muitas pessoas têm uma mania de pombos – construindo cidades para eles no topo de seus telhados e gostando de relacionar a linhagem e a origem nobre de cada uma. Disso há um exemplo antigo que é muito notável; L. Axius, um romano da ordem equestre, pouco antes da Guerra Civil de Pompeia, vendeu um único par por quatrocentos denários, como aprendemos com os escritos de M. Varro, os países até ganharam fama por seus pombos; pensa-se que os da Campânia atingem o maior tamanho.

Já no capítulo 53, Plínio diz:

Além disso, os pombos agiram como mensageiros em assuntos importantes. Durante o cerco de Mutina, Decimus Brutus, que estava na cidade, enviou despachos para o campo de cônsules presos aos pés dos pombos. De que utilidade para Antônio eram então seus conflitos e toda a vigilância do exército sitiante? Também as redes que ele havia espalhado no rio, enquanto o mensageiro dos sitiados estava cortando o ar?

Exatamente. Pombos já eram utilizados para transporte e mensagens, e isso se deve à mais importante ação numa guerra: coleta e transmissão de informações. Mesmo porque, saber é conhecer e conhecer é controlar. Quem sabe antes, toma decisões antes, e isso faz uma grande diferença, e o pessoal de Bletchley Park – o centro de decodificação das mensagens nazistas coletadas e traduzidas em seguida – que o diga. Para se ter uma ideia, a espionagem era tão eficiente que muitas mensagens foram interceptadas, descriptografadas e lidas antes de mesmo da mensagem original chegar ao seu destino. O próprio Sun Tzu estaria orgulhoso desta eficiência.

Antes de continuarmos a falar sobre pombos, vamos dar uma revisada nos sistemas de fofocadas, que no mundo de adultos chama-se “espionagem”.

Na arte de coleta de informações, há várias táticas. Uma a delas é HUMINT (Inteligência Humana). É a ação por investigação in loco, coleta de informações, muitas vezes fragmentadas, e posterior montagem do quebra-cabeças. São informações oriundas de relações interpessoais no melhor da engenharia social. É isso oque agentes secretos fazem, e não o James Bond, que anda com uma placa de neon dizendo “SOU UM ESPIÃO, ME MATEM!”. Espiões de verdade são discretos.

A Inteligência de Sinais (SIGINT) é a coleta de inteligência por interceptação de sinais, sejam comunicações entre pessoas (inteligência de comunicação, COMINT) ou de sinais eletrônicos não usados diretamente na comunicação no que hoje fica a cargo da inteligência Eletrônica, ELINT. Mas como estamos em tempo linear, ainda há muito o que se passar antes de chegarmos nisso. Entretanto, qualquer exército que se preza tem um setor de Inteligência De Sinais, com informações confidenciais sendo transmitidas de diferentes maneiras – normalmente criptografadas –, envolvendo cifras e códigos, com gente querendo quebrar o código e ler as comunicações. Ingleses e poloneses foram muito bons nisso durante a Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, se ouvir fofoca, por um lado, é bom, pelo outro é ruim em separar o que presta e o que não presta, além de correr o risco de tomar uma desinformação pela fuça, com gente falando intencionalmente coisas que não condizem muito bem com a verdade. Tem horas que imagens são excelentes, então, desenvolveu-se uma técnica de coleta de imagens para depois analisá-las. É a Inteligência de Imagens (ou IMINT), que embora você esteja pensando em satélites sofisticados, a IMINT pode ser qualquer tipo de coleta de imagens, podendo ser drones, balões o apenas uma paliçada.

Durante a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), as tropas brasileiras estavam sob o comando do general Luis Alves de Lima e Silva, que ainda não era o Duque de Caxias, mas um marquês. Caxias tinha um problema já mencionado: como saber o que a tropas paraguaias estavam fazendo? A solução veio sob a forma de torres de observação com 15 metros de altura, que eram chamadas “magrulhos”. O problema do mangrulho era o pesadelo logístico em trabalhar com ele, já que era preciso construí-lo e quando a tropa se movesse, desmontá-lo e levá-lo consigo, o que era um trabalhão. Quando não dava, colocava-se fogo no mangrulho até que chegasse mais madeira para construir um novinho em folha e repetir todo o procedimento depois.


Mangrulho

Não, não era aceitável este custo de recurso e tempo. Devia haver uma maneira simples e eficiente de ficar bisbilhotando o inimigo da maior altura possível. Não só havia, como ela já tinha sido usada: balões!

Os primeiros a usarem balões como ferramenta de coleta de informações em estado de beligerância (guerra, para os íntimos) foram os franceses. Em 1794, o Corpo Aerostático Francês foi posto para trabalhar na Batalha de Fleurus. O próprio Abraham Lincoln (1809 – 1865) ficou tão impressionado quando soube, que ele instruiu o Departamento de Guerra para que fosse criada uma divisão de reconhecimento que usasse balões. Em outubro de 1861, foi fundado o Union Army Balloon Corps, ficando sob as ordens de Thaddeus S. C. Lowe, nomeado diretamente por Lincoln, dispondo de 7 balões de reconhecimento aéreo, inflados com auxílio, não de ar quente, mas hidrogênio, produzido por máquinas que misturavam ácido sulfúrico e limalha de ferro. Esses balões não navegavam pelos céus, e sim ficavam ancorados ao solo. Eram apenas para que seus tripulantes pudessem ver além do alcance do inimigo, já que a Espada Justiceira estava um pouquinho fora da realidade deles.


Intrepid: o maior balão usado durante a Guerra Civil,
transportando até cinco homens.

Ah, sim. Dois podiam jogar o mesmo jogo, nas mesmas condições. Os Confederados também tinham balões; e, além disso, ainda tinha baterias antiaéreas para mandar aqueles enxeridos se encontrarem com o Nosso Senhor Jesus.


Soldado da União pronto para mandar boas vindas ao balão fofoqueiro

Voltando à Guerra do Paraguai, Caxias soube do corpo de reconhecimento aeronáutico americano e achou que seria uma boa ideia ter um também. Mesmo porque balões eram capazes de subir bem mais alto que os ridículos 15 metros de altura dos mangrulhos.

Luizão encheu tanto o saco que conseguiu que o colocassem em contato com o professor Lowe. Este serviu de intermediário para que o Brasil contratasse os irmãos James e Ezra Allen, que também serviram no corpo de aeronautas e haviam auxiliado Lowe na Guerra de Secessão. Os irmãos Allen chegaram em Tuiuti em 31 de maio de 1867. Treinaram oficiais para operarem os balões e, em 24 de junho de 1867, um bando de paraguaios confusos deram uma olhada pra cima e viram um OVNI.

Sim, OVNI! Eles viram um objeto que voava (ou quase) e não sabiam identificar o que era. Bem, era um balão, com o major Francisco César da Silva Amaral, o primeiro aeronauta brasileiro, refazendo mapas táticos, anotando movimentações de tropas e mandando um recado pros paraguaios: quem tem melhor tecnologia se dá bem, trouxas!

Foram 20 ascensões no total, chegando até a 140 metros de altura! Enquanto isso, os idiotas dos paraguaios fizeram de tudo para impedir a visão do balão, como fazer várias fogueiras de forma a produzir fumaça suficiente de forma a impedir a visão dos balões. Bem, não foi suficiente. Sinto muito, amiguinhos!

Ainda assim, a logística cobrava seu preço mais uma vez. Dom Pedro II era ótimo em financiar todo mundo lá fora, mas nunca desenvolveu indústria aqui no Brasil de forma eficiente. Sendo assim, o ácido sulfúrico era importado e produzir hidrogênio estava cada vez mais difícil; ainda assim, o Exército Brasileiro se esforçava. Vários oficiais iam para a Europa (sempre lá), estudar as modernas técnicas, e entre eles estava o tenente Juventino Fernandes da Fonseca, que em 20 de maio de 1908 efetuou o primeiro voo em um balão militar totalmente brasileiro. Quis o destino, entretanto, acabar com o corpo de aeronautas brasileiro.

A corda de ancoragem do balão do tenente Juventino arrebentou e o balão acabou subindo sem ter como pará-lo. Acabou passando de insanos 200 metros de altura (ok, era insano para aquela época), e a diferença de pressão submeteu o material do balão a um estresse para o qual ele não fora projetado. O balão se rompeu e Juventino caiu para a morte, sendo essa a morte da aviação aerostática brasileira, juntamente.

O que Caxias não aproveitou foi outra tecnologia que já estava corrente na Europa e nos Estados Unidos: fotografia aérea.


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